O antigo procurador-geral da República, em declarações escritas à agência Lusa, considerou que "só há um caminho possível: Construir a confiança nas estruturas existentes, se necessário renovadas, e assim contribuir para a maior credibilidade na própria Igreja".
Na última sexta-feira, em conferência de imprensa, a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) manifestou a disponibilidade para "acolher a (...) escuta [das vítimas de abuso sexual no seio da Igreja] através de um grupo específico, que será articulado com a Equipa de Coordenação Nacional das Comissões Diocesanas de Proteção de Menores e Adultos Vulneráveis".
Questionado sobre o papel que terá a equipa que lidera face à defesa, por parte de muitos setores, de que uma futura comissão seja independente da Igreja, Souto Moura sublinhou que a CEP defendeu, também, que "as Comissões Diocesanas (CD) e a Equipa de Coordenação Nacional (...), criadas em cada diocese e a nível nacional, serão o local para acolher e acompanhar [as vítimas] e as dioceses assumem o firme compromisso de dar todas as ajudas necessárias para que tal aconteça".
Assim, as CD "não perderão o papel que têm tido, como não podia deixar de ser. É que as CD existem por determinação expressa do Papa Francisco que as criou e deu, aliás, um prazo para que estivessem a funcionar. Foram emitidas cartas apostólicas sob a forma de 'motu próprio' do Papa, o Dicastério para a Doutrina da Fé elaborou um 'vademecum' de procedimentos e, inclusive, a CEP deu orientações. Todas estas entidades atribuíram competências às CD que a Igreja Portuguesa tem de respeitar", diz Souto Moura.
Por outro lado, para o antigo PGR, "o grupo a criar para 'acolher a escuta', ou seja, para levar a cabo a escuta das vítimas e as acompanhar, não se confunde nada com a Comissão Independente [liderada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht e que divulgou o relatório do seu trabalho em 13 de fevereiro], que acabou os seus trabalhos. Esta propôs-se fazer um levantamento histórico e sociológico centrado sobretudo no passado, e o grupo aludido terá de ter características operacionais, para acorrer aos casos que cheguem".
"A maneira como encaro este grupo e a futura articulação com a Equipa de Coordenação está obviamente articulada com o porquê, para quê da sua criação e competências que lhe venham a ser atribuídas", adianta Souto Moura, que considera "prematuro estar a dar uma resposta definitiva a estas perguntas porque depende do estudo a ser feito".
Para já, Souto Moura pediu uma reunião com o presidente da CEP, José Ornelas, para discutir o tema.
Na sexta-feira, a CEP anunciou, também, que as CD deixarão de integrar membros do clero, o que, segundo noticia hoje o Público, já foi colocado em prática nas arquidioceses de Braga e de Évora.
Quanto às restantes dioceses, terão de o fazer "durante a próxima semana ou no máximo nos próximos 15 dias", disse ao jornal a advogada Paula Marinho, secretária da Equipa de Coordenação Nacional das Comissões Diocesanas.
Segundo Souto Moura, as Comissões Diocesanas poderão, no entanto, "contar com o contributo de sacerdotes com a condição de 'assistentes'. O seu contributo será o de um órgão consultivo individual que ajudará as CD se e quando for solicitado".
A mudança na composição das comissões diocesanas é compreendida pelo antigo PGR, admitindo que "da parte das vítimas haja desconfiança em relação a tudo o que esteja ligado à Igreja, especialmente se, já depois de abusadas, não tiveram o acolhimento e acompanhamento que mereciam".
A posição da CEP sobre o relatório da Comissão Independente para o Estudo dos casos de Abuso Sexual de Menores na Igreja Católica em Portugal tem sido criticada por muitas figuras, dentro e fora da própria Igreja, com a tónica a ser colocada na "falta de empatia" para com as vítimas de abuso, na recusa pela Igreja de, enquanto instituição, pagar indemnizações às vítimas, ao contrário do que ocorreu noutros países, ou no não afastamento de funções dos suspeitos da prática de abuso ou de encobrimento.
Confrontado com estas críticas, Souto Moura reconheceu que "na conferência de imprensa de sexta-feira ficaram em aberto muitas questões. Existem sensibilidades muito diferentes entre os não crentes e crentes que passam ao lado da fórmula simplista de Igreja conservadora ou progressista".
"Creio que na questão que nos ocupa só há um caminho possível: construir a confiança nas estruturas existentes, se necessário renovadas, e assim contribuir para a maior credibilidade na própria Igreja", disse o antigo procurador-geral da República, para quem as comissões diocesanas "contribuem como motor dessa maior credibilidade, e para tanto é essencial transparência e recusa de ambiguidades".
Souto Moura, nas declarações à Lusa, defendeu ainda que "há sempre necessidade de uma conversão e de coragem. A todos os níveis, desde a CEP até às CD, passando pelas Dioceses".
"Porque as vítimas abusadas assim o merecem e esta reparação bem a podemos dar", acrescentou.
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