Aprovados num Conselho de Ministros realizado na quinta-feira, os apoios extraordinários para o pagamento de rendas e a bonificação dos juros em créditos para a habitação são medidas conjunturais, aponta a investigadora do Iscte - Instituto Universitário de Lisboa.
"Estas medidas têm como alvo a minimização dos impactos desta crise conjuntural que vivemos agora, que tem que ver com a inflação e com as taxas de juros", destaca Sandra Marques Pereira, que vê as restantes propostas do pacote -- cuja aprovação pelo Governo está prevista para o dia 30 - como resposta à crise estrutural do setor.
"Este é um pacote muitíssimo diversificado e há até algumas medidas que, pela primeira vez, tocam em alguma regulação do mercado", refere a especialista em temáticas de cidades e territórios, doutorada em Sociologia e professora convidada do mestrado integrado de Arquitetura e do doutoramento Arquitetura dos Territórios Metropolitanos Contemporâneos.
Dessas medidas, a académica evidencia a importância do limite nas rendas de novos contratos, da possibilidade de os condomínios se manifestarem contra alojamentos locais, do arrendamento coercivo de casas devolutas e do fim dos vistos 'gold', embora realce, sobre o último ponto, que se mantêm benefícios fiscais para alguns grupos estrangeiros.
No entanto, antevê dificuldades na aplicação e na eficácia de algumas medidas.
"O mais problemático na execução deste programa é a sua operacionalização", considera, reconhecendo uma "sobreposição de responsabilidades em matéria de políticas de habitação entre o Estado Central e as autarquias", e que o programa pode ser usado como "combate político" para os municípios.
Neste sentido, Sandra Marques Pereira olha para a organização burocrática do Estado como obstáculo ao uso coercivo de imóveis devolutos.
A crítica estende-se ao subarrendamento de imóveis a senhorios, elogiando, em oposição, os apoios estatais às rendas por serem pagos de forma automática.
Retratando uma "hiperdesregulação" do mercado imobiliário, com vários fatores e vivida não só em Portugal, defende que foi sentida com força no país devido à diferença entre salários e os elevados preços.
"Este problema torna-se evidente sobretudo a partir de 2016 e 2017, e começa a haver uma pressão pública bastante grande", recorda Sandra Marques Pereira.
A especialista traça uma crescente dimensão política do tema: em 2017, é criada a Secretaria de Estado da Habitação, tornando-se, em 2023, num ministério autónomo; surge em 2018 a Nova Geração de Políticas de Habitação (NGPH) e a Lei de Bases da Habitação em 2019.
Procurando uma política de habitação universal, a NGPH não era suficiente e não tinha o financiamento necessário, afirma a investigadora do Iscte, pelo que se vê parte dos objetivos agora renovados e com dinheiro do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).
Sandra Marques Pereira rejeita ainda a ideia de que as periferias das cidades sejam feitas apenas de habitantes "expulsos" dos centros: "Fizeram-se maioritariamente às custas de pessoas que vieram de outras partes do país e aí se instalaram."
O arrendamento obrigatório de casas devolutas -- que consiste na possibilidade de o Estado, por motivos de interesse público, arrendar essas habitações, pagando uma renda aos proprietários -- é uma das medidas do Programa Mais Habitação, anunciado no dia 16 de fevereiro e que será aprovado na totalidade no Conselho de Ministros agendado para dia 30.
O Governo aprovou já também um decreto-lei que procede à criação de um apoio extraordinário designado "Apoio à renda" e de um apoio extraordinário à subida acelerada do crédito à habitação consubstanciado na "Bonificação de Juros".
Na terça-feira, a presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses, Luísa Salgueiro, revelou que o organismo vai enviar ao Governo um conjunto de contributos para melhorar o Mais Habitação, de forma a "responder às reais necessidades do país".
Leia Também: Novas afirmações de Marcelo são "mais apropriadas", diz Carlos César