Em 28 de dezembro, o Diário de Notícias (DN) tinha noticiado que a Entidade Reguladora para Comunicação Social (ERC) tinha "instaurado um processo disciplinar a um jurista oriundo da Inspeção Geral das Atividades em Saúde [IGAS]", a qual arquivou.
O regulador recorreu do arquivamento para o ministro da Saúde, Manuel Pizarro, o qual em fevereiro passado também arquivou o processo disciplinar.
Face a isto, a ERC intentou uma ação administrativa comum "de impugnação do ato administrativo proferido pelo Inspetor Geral das Atividades em Saúde em 06/11/2022 e do ato administrativo praticado pelo ministério da Saúde em resultado do recurso hierárquico" interposto pelo regulador, contra o Ministério da Saúde, lê-se o documento a que a Lusa teve acesso.
A Lusa instou a ERC a comentar esta ação, mas não obteve resposta.
"Pode parecer estranha a presente ação, movida por uma autoridade administrativa independente contra o ministério, ainda por cima um ministério de uma área setorial com a qual, em princípio", a ERC "não teria qualquer relação", afirma a entidade reguladora, justificando que o facto se deve a "um processo disciplinar movido contra um trabalhador que, à data dos factos, prestava a sua atividade junto da autora", refere a ERC, na ação no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa.
Essencialmente, "o que está em causa é a tentativa de uma entidade que integra a entidade demandada", ou seja, a IGAS, "exercer um poder de autoridade sobre a autoridade administrativa independente como se esta fosse um serviço do ministério da Saúde", prossegue a ERC.
"Ao arrepio das normas que regulam a organização administrativa do Estado português e das normas que norteiam a atividade administrativa, a entidade demandada -- através de um ato praticado" pela IGAS e confirmada pelo ministério da Saúde -- revogou um ato que era da competência própria" da ERC, uma "entidade independente do ministério da Saúde, sem sequer cumprir o ónus de ouvir a autora", argumenta.
A ERC afirma que o que está em causa é a "ingerência, juridicamente inaceitável e não fundamentada, na atividade de uma entidade que é independente".
A ERC conduziu e concluiu o processo disciplinar ao jurista Rui Mouta, que na altura trabalhava na ERC, mas quando a sanção tinha de ser aplicada, este já prestava a sua atividade na IGAS.
"O problema verificou-se quando a entidade demandada decidiu, sem ouvir a autora, revogar o ato desta de aplicação da sanção e arquivar o presente processo", sublinha a ERC.
Rui Mouta, quadro da IGAS, exercia funções na ERC desde maio de 2008, na sequência de requisição, tendo em 2009 sido assinado um acordo de cedência de interesse público entre as duas entidades e o trabalhador. Em 16 de outubro de 2017 foi nomeado diretor interno do departamento jurídico da entidade reguladora, tendo com o atual Conselho Regulador sido nomeado diretor efetivo.
Em 10 de maio de 2022, o jurista endereçou uma carta ao Conselho Regulador, presidido por Sebastião Póvoas, na sequência de um despacho de março em que lhe retirava competências, ou seja, 'esvaziando' as suas funções.
No dia seguinte, por deliberação do órgão, foi "instaurado procedimento disciplinar" contra o trabalhador "por factos relacionados com acusações que o mesmo dirigiu ao Conselho Regulador, por tal conduta violar os deveres" aos quais se encontrava vinculado, lê-se no documento.
Entretanto, em 25 de maio, o Conselho Regulador deliberou a cessação da comissão de serviço de Rui Mouta e a cessação do acordo de cedência de interesse público, tendo produzido efeitos no dia 27 de junho.
Em 04 de julho foi proferida acusação do processo disciplinar e em 27 de setembro o relatório final do instrutor com a proposta de aplicação de uma sanção de multa no montante de seis remunerações base diárias, "por violação do dever de correção e urbanidade".
Entretanto, o processo disciplinar foi remetido para a IGAS e, em 06 de novembro, o Inspetor-Geral das Atividades de Saúde determinou o arquivamento do processo, referindo, entre outras coisas, que a conduta do arguido e a carta não ultrapassou "a dimensão tolerada, inerente à liberdade de expressão e à crítica", não traduzindo "uma inequívoca falta de respeito".
Face a isto, a ERC interpôs, em 14 de dezembro, um recurso hierárquico da decisão, tendo em 10 de fevereiro deste ano o ministro da Saúde determinado a rejeição da mesma.
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