No tribunal de Monsanto, o advogado Ricardo Sá Fernandes assinalou que este empresário do setor da distribuição perdeu 21 milhões de euros (ME).
"A poupança da sua vida", descreveu o causídico, defendendo a pronúncia para julgamento do gestor Paulo Monteiro, que foi constituído arguido posteriormente à acusação do Ministério Público (MP) e a quem Carlos Malveiro e as empresas Totalvalue e Segouvier imputaram um crime de burla.
"Os meus assistentes são dos primeiros intervenientes deste processo, apresentaram queixa logo no dia 21 de julho de 2014, ainda nem havia resolução do BES. Além da desconfiança que tinham na gestão do BES, há a circunstância de durante anos [Carlos Malveiro] ter reclamado de aplicações feitas e que em 2014 verificou que tinha sido enganado pelo seu gestor de conta", disse.
Segundo Ricardo Sá Fernandes, o seu cliente temia a instabilidade económico-financeira nacional no início da anterior década e queria apenas aplicar as poupanças em depósitos a prazo, deixando instruções escritas nesse sentido.
Foi surpreendido em maio de 2011 ao ver o extrato mencionar aplicação fiduciária realizada na sociedade Espírito Santo International (ESI) em vez de depósito a prazo, questionando o gestor de conta sobre aquela situação.
"O arguido Paulo Monteiro responde que, no modelo bancário suíço, a designação de depósito a prazo não se utiliza, sendo equivalente a aplicação financeira. Isto é mentira. É por isso que ele, antes de todos os lesados, apresenta uma queixa. Como a mentira tem perna curta, no final do depoimento, [o arguido Paulo Monteiro] disse que na ESI não eram depósitos a prazo porque a ESI não era um banco e não podia receber depósitos a prazo", frisou.
Considerando ser "claro que Carlos Malveiro foi enganado" pelo gestor de conta, que lhe terá feito crer que aquele dinheiro estaria a ser aplicado em depósitos a prazo, o mandatário do empresário até admitiu que Paulo Monteiro poderia pensar que o dinheiro estaria seguro, mas que não poderia ignorar que estava a enganar o cliente. De seguida, deixou críticas à atuação do MP por ter defendido o arquivamento relativamente a estes factos.
"É um caso de burla absolutamente 'de tabela'. Que o MP diga que não, porque o que interessa é a sua estratégia, é dececionante. Neste caso, pura e simplesmente, o comportamento do MP em relação ao senhor Carlos Malveiro é lamentável. Ele sentiu-se enganado", concluiu o advogado, que manifestou a expectativa de que esta situação chegue a julgamento.
A manhã do debate instrutório ficou completa com as alegações das defesas de dois arguidos: João Alexandre Silva, antigo responsável do BES na Madeira que está acusado de dois crimes de falsificação de documento, e Pedro Costa, ex-diretor na área de desintermediação e no crédito do BES Vida, que viu serem-lhe imputados os crimes de corrupção passiva, infidelidade, burla, branqueamento e manipulação de mercado.
Para o advogado Artur Marques, que representa João Alexandre Silva, a "acusação está condenada a claudicar", defendendo que o seu cliente não foi interrogado sobre os factos de que veio a ser acusado pelo MP. Já o mandatário de Pedro Costa, Paulo Amil, apontou erros à acusação e sublinhou que, quanto aos factos e crimes, "há situações em que Pedro Costa é lá colocado sem se saber porquê".
A sessão prossegue de tarde com as alegações das defesas dos arguidos Isabel Almeida, Paulo Nacif Jorge e Francisco Machado da Cruz.
Considerado um dos maiores processos da história da justiça portuguesa, este caso agrega no processo principal 242 inquéritos, que foram sendo apensados, e queixas de mais de 300 pessoas, singulares e coletivas, residentes em Portugal e no estrangeiro.
Segundo o MP, cuja acusação contabilizou cerca de quatro mil páginas, a derrocada do Grupo Espírito Santo (GES), em 2014, terá causado prejuízos superiores a 11,8 mil milhões de euros.
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