Entre a defesa de uma fase de instrução efetiva "enquanto existe", como sustentou o advogado Paulo Saragoça da Matta, que representa o arguido João Martins Pereira, ou a argumentação de que a elaboração da decisão instrutória pelo juiz que assumiu a instrução em setembro "é um trabalho impossível de ser realizado com o rigor que se exige", nas palavras de Miguel Cordovil de Matos, mandatário de Machado da Cruz, a substituição do juiz Ivo Rosa não foi ainda esquecida pelas defesas.
"Não é lícito esvaziar [a instrução] de conteúdo. É a primeira fase jurisdicional do processo", disse Saragoça da Matta, sublinhando: "O tribunal é o mesmo, mudou o titular. Fiquei dececionado porque vossa excelência deve ser o juiz dos direitos, liberdades e garantias. Os nossos constituintes não tiveram antes momento para se defender. (...) O Conselho Superior da Magistratura violou o princípio do juiz natural ao substituir o juiz".
Por sua vez, Miguel Cordovil de Matos lembrou que a instrução "está na lei e tem uma finalidade, que visa a comprovação judicial da acusação", e que a troca de Ivo Rosa por Pedro Santos Correia em setembro de 2022 - por decisão do CSM, com base no movimento de magistrados -- ditou uma falta de conhecimento do processo com alegadas consequências para o desfecho desta fase processual declarada aberta em janeiro do ano passado.
"Ninguém acredita que o tribunal, com o pouco tempo que teve com o processo, tenha o conhecimento indispensável para a decisão instrutória. É muito perigoso... Quando o sistema força que isto aconteça, coloca em causa toda a arquitetura de defesa dos direitos no processo penal. Hoje é na instrução, amanhã não se sabe", observou, acrescentando: "Para não pronunciar teria de conhecer profundamente o processo. Todos antecipamos a decisão".
Nas alegações finais do terceiro dia de debate instrutório, a decorrer no tribunal de Monsanto (Lisboa), Saragoça da Matta rebateu também toda a acusação do Ministério Público (MP) a João Martins Pereira, antigo diretor de compliance e auditoria do BES, a quem são imputados três crimes de burla (em coautoria), ao notar que "a acusação é uma mão cheia de nada".
"O MP criou uma total confusão em torno de João Martins Pereira, baralhando datas e funções exercidas. Os factos, funções e cargos relativos a João Martins Pereira são completamente alheios aos crimes imputados", frisou o mandatário, resumindo: "A tese do MP é equivalente a dizer que quem assiste à missa de corpo presente é cúmplice no homicídio do defunto".
Segundo Paulo Saragoça da Matta, não foram demonstrados indícios de que o seu constituinte tinha conhecimento de um "plano criminoso", além de que uma eventual decisão do juiz em remeter o arguido para julgamento significa que "está apenas a adiar a absolvição".
Por outro lado, Miguel Cordovil de Matos, advogado do antigo contabilista do GES, reconheceu que o arguido "tem responsabilidade na viciação das contas", mas considerou a imputação do MP "excessiva e desadequada", repudiando, entre outras críticas, o crime de associação criminosa pelo qual Machado da Cruz também responde, além de corrupção passiva, burla, falsificação de documento, manipulação de mercado, branqueamento e infidelidade.
A sessão da tarde ficou completa com as alegações da defesa de Paulo Nacif Jorge, antigo diretor adjunto no BES Brasil, acusado neste processo de um crime de falsificação. O advogado Manoel Lobato, que assumiu a defesa já durante a instrução, disse ao juiz que a "decisão mais salutar e justa é que não pronuncie" para julgamento, começando depois a rebater um crime de corrupção até ser alertado que esses factos já tinham sido separados para outro processo.
O debate instrutório prossegue esta sexta-feira a partir das 09:30 no tribunal de Monsanto.
Considerado um dos maiores processos da história da justiça portuguesa, este caso agrega no processo principal 242 inquéritos, que foram sendo apensados, e queixas de mais de 300 pessoas, singulares e coletivas, residentes em Portugal e no estrangeiro.
Segundo o MP, cuja acusação contabilizou cerca de quatro mil páginas, a derrocada do Grupo Espírito Santo (GES), em 2014, terá causado prejuízos superiores a 11,8 mil milhões de euros.
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