"Um memorial não faz absolutamente sentido nenhum, acho que deviam focar-se nas vítimas e não no 'show-off'", disse à Lusa Cristina Amaral, porta-voz da associação Coração Silenciado, que representa as vítimas de abuso sexual na Igreja Católica.
A Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) informou hoje que o memorial de homenagem às vítimas de abuso não vai ser apresentado na Jornada Mundial da Juventude (JMJ), contrariamente ao anunciado, uma vez que o projeto ainda está em estudo.
Em reação à notícia, Cristina Amaral disse que a iniciativa é ofensiva, "seja [apresentada] agora ou depois", e considerou que serve apenas o propósito de limpar a imagem da Igreja Católica e, "quem sabe, mais uma maneira de fazer dinheiro com um monumento".
"Mais uma vez, a prioridade não são as vítimas, mas aquilo que é visto", insistiu a porta-voz, sublinhando que "é uma coisa da Igreja para a Igreja".
Cristina Amaral afirma ainda que o adiamento da apresentação do memorial, que apelida de "memorial da vergonha", foi uma opção estratégica por parte da Igreja Católica para que o projeto não fosse "ofuscado pela JMJ".
A criação do memorial e apresentação do mesmo durante a JMJ, que decorrerá em Lisboa entre 01 e 06 de agosto, não foi consensual desde o início.
O presidente da Fundação Jornada Mundial da Juventude Lisboa 2023, bispo Américo Aguiar - que o Papa Francisco vai elevar a cardeal em 30 de setembro -, considerou em entrevista conjunta ao Público e à Rádio Renascença, em 14 de março, que o memorial "não é a forma mais feliz" de evocar as vítimas, admitindo que a ideia lhe causava algum "desconforto".
Em fevereiro deste ano, a Comissão Independente para ao Estudo dos Abusos Sexuais contra as Crianças na Igreja Católica Portuguesa anunciou a validação de 512 testemunhos de alegados casos de abuso em Portugal, apontando, por extrapolação, para pelo menos 4.815 vítimas. Vinte e cinco casos foram enviados ao Ministério Público, que abriu 15 inquéritos, dos quais nove foram arquivados.
Os testemunhos referem-se a casos ocorridos entre 1950 e 2022, o espaço temporal abrangido pelo trabalho da comissão.
No relatório, aquela comissão alertou que os dados recolhidos nos arquivos eclesiásticos sobre a incidência dos abusos sexuais "devem ser entendidos como a 'ponta do iceberg'" deste fenómeno.
Na sequência destes resultados, algumas dioceses afastaram cautelarmente sacerdotes do ministério.
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