Durão Barroso critica cooperação do G20. África não é "objeto político"
O ex-presidente da Comissão Europeia Durão Barroso considera preocupante a qualidade da cooperação do G20, assinalando que piorou nos últimos anos, e exortou os países ocidentais a deixarem de olhar para África como mero "objeto político".
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País Entrevista
Em entrevista à Lusa à margem da 6.ª edição do EurAfrican Fórum, do qual é presidente, José Manuel Durão Barroso defendeu o reforço da cooperação multilateral com África, num contexto de disputa de influência neste continente, e que tende a agravar-se, apontando retrocessos nos últimos anos, em concreto dentro do espaço do G20 (19 maiores economias do mundo mais a União Europeia).
"Quando comparo a qualidade de cooperação do G20 com a que havia é muito pior", declarou o ex-presidente da Comissão Europeia (2004-2014) e antigo primeiro-ministro português (2002-2004).
Durão Barroso apontou que houve um período em que a União Europeia (UE) "trabalhava muito bem com a China" e que Pequim prestou apoio a Bruxelas durante a crise do euro, mas os tempos mudaram.
"Hoje em dia há um sistema muito menos sincero de cooperação, para não dizer que há mesmo antagonismo em muitas áreas, entre o Ocidente, de um lado, e chineses e russos do outro", sustentou, manifestando-se "preocupado" com este quadro.
Duvidando que as divergências vão desaparecer, Barroso preferia que, apesar ou até por ?????? causa delas, fosse possível manter um mínimo de cooperação multilateral.
O ex-presidente não executivo do grupo financeiro Goldman Sachs, ao qual se mantém ligado, recordou o papel da UE no reforço do G20, quando, acompanhado pelo então presidente rotativo do bloco europeu, o ex-chefe de Estado francês Nicolas Sarkozy, teve um diálogo com o antigo líder norte-americano George W. Bush "para o convencer a fazer algo maior do que o G8 (na altura com a Rússia como estado-membro até à anexação ilegal da Crimeia em 2014)" e responder à crise global então vivida.
O objetivo, prosseguiu, era também "evitar o retorno ao protecionismo dos estados", e, para sustentar o mínimo de crescimento, era importante envolver países como a China, a Índia, a África do Sul ou o Brasil na mesa das decisões a nível global.
"Foi assim que se criou o G20 a nível de chefes de Estado e de governo em 2008 [ano da primeira cimeira de alto nível da organização] e desde então (...) é de facto o fórum mais relevante em matéria de política internacional", comentou.
No entanto, o cenário foi-se alterando, começando pela Rússia, que após o período comunista se pensava que iria ter "uma evolução democrática", mas acabou convidada a abandonar o G8.
É também, considera, "muito menor a qualidade da cooperação Internacional" e dos mecanismos multilaterais, incluindo as Nações Unidas e suas agências, como a Organização Mundial de Saúde ou mesmo a Organização o Mundial de Comércio, que "estão fragilizados".
Isto acontece "não por culpa das próprias organizações, mas pela falta de cooperação dos estados, nomeadamente daqueles que têm maior poder nesses sistemas", na análise do atual presidente da Aliança Global das Vacinas (GAVI), cargo que assumiu durante a pandemia de covid-19, onde também experimentou a falta de colaboração de vários países.
O mundo atravessa, uma "situação geopolítica muito fragmentada, muito polarizada, mais difícil do que aquela que existia há alguns anos e sobretudo como resultado da agressão da Rússia contra a Ucrânia", mas não só.
Este contexto decorre também, para o ex-líder comunitário, da "crescente oposição" entre Estados Unidos e China e de uma divisão a nível global, o que leva a questionar o papel de África nesta disputa.
"Às vezes, há um enviesamento nos discursos, incluindo na Europa e no chamado mundo ocidental, porque se fala daquilo que podemos fazer em África ou para África e se esquece ou não se dá o mesmo relevo àquilo do que podemos fazer com África", observou.
Este é o resultado de "preconceitos e enviesamentos em todo lado, não só na Europa", em que "todas as opiniões públicas têm tendência a viver no mundo de acordo com a sua própria perspetiva, esquecendo que também os outros têm a sua sensibilidade".
No caso de África, menos desenvolvida do que outros continentes, isto implica ser vista "mais como objeto de políticas do que como sujeito de políticas", um erro que ignora que os países africanos, como todos, não gostam de ser desconsiderados ou menosprezados, adiantou.
"Nós não gostamos disso no nosso país, não gostamos disso como europeus, por que razão é que os outros também não pensam e são suscetíveis como nós?", questionou.
O antigo político concorda que os valores europeus são universais, ou seja, são aplicáveis também a África, e correspondem à Declaração Universal dos Direitos Humanos, que, frisou, teve origem ideológica europeia, desde a revolução francesa, afastando que se trate de uma perspetiva eurocêntrica, mas um documento aceite pela comunidade internacional e património das Nações Unidas.
Lembra igualmente a Agenda 2063, adotada há oito anos pelas lideranças africanas, como uma visão estratégica a cinco décadas, que contempla o estado de direito, a democracia e as liberdades fundamentais.
Isto, advogou, não significa a omissão de "diferentes entendimentos" e "culturas também diversas", que se ultrapassam, pelo diálogo, em lugar da arrogância.
"Toda a arrogância é uma forma de estupidez, portanto a arrogância de um país em relação ao outro é, de facto, não só moralmente criticável, mas racionalmente um erro", declarou.
Esta foi uma das mensagens centrais que Durão Barroso, que já visitou 35 países africanos desde os tempos de "jovem secretário de Estado da Cooperação" e depois ministro dos Negócios Estrangeiros nos governos de Cavaco Silva, quis deixar, na sua intervenção que abriu na terça-feira o EurAfrican Fórum, promovido pelo Conselho da Diáspora Portuguesa na Nova SBE, em Carcavelos, concelho de Cascais, e que hoje termina.
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