A polémica com o cartaz retirado pela câmara municipal de Oeiras, em Algés, que denunciava o número de abusos na Igreja Católica em Portugal foi destacada, esta quinta-feira, no site norte-americano Politico.
O meio de comunicação social norte-americano conta a história que 'estalou' nos últimos dias, em Oeiras, com o título "Acusações de "censura" após cartaz sobre abusos de clérigos a crianças ser retirado enquanto o Papa chega a Portugal" [‘Censorship’ charged after clerical abuse billboard is removed as pope arrives in Portugal, no título original].
A peça fala sobre o movimento 'This Is Our Memorial', que colocou três cartazes iguais em Lisboa, destacando, no entanto, que os outros dois "não foram removidos".
O Politico conta ainda que os ativistas acusam o município, Oeiras, de "censura".
Censura em Algés, após quase 50 anos do 25 de abril.
— Telma Tavares (@tarantelma) August 2, 2023
Luto pela liberdade de expressão das +4800 vítimas, por um memorial que erguemos para que ninguém se esqueça delas. Não esquecemos.#JMJ #WYD pic.twitter.com/hfO6ATA9Wt
Para além do Politico, houve ainda outras publicações que nas últimas horas foram dando conta do que se passou em Oeiras. É o caso da Reuters, que também aponta que o cartaz foi retirado no mesmo dia em que o Papa chegou.
Já o Jerusalem Post refere o cartaz colocado na Avenida Almirante Reis - e que lá se mantém.
Mas, afinal, o que se passou?
A polémica começou antes da vinda do Santo Padre para Portugal, na terça-feira, no âmbito da Jornada Mundial da Juventude, que decorre em Lisboa até domingo, 6 de julho.
Nos três 'outdoors' lê-se a frase: "Mais de 4.800 crianças abusadas pela Igreja católica em Portugal", em inglês, ilustrada por 4.800 pontos, que representam cada uma das vítimas. Os cartazes foram colocados durante a madrugada, horas antes de Francisco aterrar em Lisboa, nas zonas Lisboa, Loures e Algés.
A ideia deste movimento "This is our memorial" (Este é o nosso memorial) nasceu no Twitter e os promotores fizeram uma recolha de fundos que permitiu a colocação dos cartazes.
O que a autarquia fez foi contribuir para a contínua ocultação dos abusos sexuais de menores pela Igreja Católica, que são um problema social internacional. O intuito, subentende-se, é o de não afrontar a organização religiosa, e fê-lo através da censura de uma iniciativa da sociedade civil
A Câmara de Oeiras decidiu retirar os cartazes, alegando que "toda a publicidade ilegal é retirada, neste e em todos os casos".
Perante a remoção do mesmo, os responsáveis pela sua colocação reagiram e, num comunicado a que o Notícias ao Minuto teve acesso, explicaram que a retirada do cartaz "viola injustificadamente o direito à liberdade de expressão". "Repudiamos a decisão ilegal e autoritária da CM de Oeiras de mandar retirar o cartaz de cariz político - e não de publicidade, como erradamente comunicaram aos media - colocado naquele Município respeitando a legalidade", lê-se na nota.
"Em conjunto com os nossos advogados, estamos a analisar o recurso à via judicial para reagir a esta injustiça, de forma a compensar, dentro do possível, esta forma de censura ilegal por parte da CM de Oeiras", sublinhavam.
Organizações, como a Associação Ateísta Portuguesa reagiram também à situação, reforçando a ideia de censura. "O que a autarquia fez foi contribuir para a contínua ocultação dos abusos sexuais de menores pela Igreja Católica, que são um problema social internacional. O intuito, subentende-se, é o de não afrontar a organização religiosa, e fê-lo através da censura de uma iniciativa da sociedade civil", defenderam.
Já ontem, na Oração das Vésperas, no Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa, o Papa falou sobre a desilusão e aversão que "alguns nutrem" face à Igreja, apontando como razão os "maus testemunhos" e "escândalos" que existem. Nunca referindo os abusos sexuais, mas numa clara alusão ao tema, Francisco disse que as vítimas têm de ser "ouvidas e acolhidas".
Logo após a missa, e de volta à Nunciatura apostólica, Francisco reuniu-se - num encontro só divulgado posteriormente - com 13 vítimas dos abusos sexuais da Igreja Católica portuguesa.
Já esta quinta-feira, o vice-presidente da Câmara de Oeiras, Francisco Rocha Gonçalves, mostrou-se disponível para colocar o cartaz sobre abusos sexuais na Igreja Católica de novo na rua. Em declarações à agência Lusa, Francisco Rocha Gonçalves sublinhou que o município se associa às vítimas e à causa, que considera "importantíssima" e de interesse público.
Abuso na Igreja Portuguesa
Em novembro de 2021, mais de duas centenas de católicos defenderam que a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) deveria "tomar a iniciativa de organizar uma investigação independente sobre os crimes de abuso sexual na Igreja".
Poucos dias depois, o pedopsiquiatra Pedro Strecht era nomeado pela CEP como coordenador da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos de Menores na Igreja.
Esta comissão iniciou o seu trabalho no dia 11 de janeiro de 2022, apresentou resultados em fevereiro deste ano e anunciou a validação de 512 testemunhos de alegados casos de abuso em Portugal, apontando, por extrapolação, para pelo menos 4.815 vítimas.
Os testemunhos referem-se a casos ocorridos entre 1950 e 2022, o espaço temporal abrangido pelo trabalho da comissão.
No relatório, a comissão alertou que os dados recolhidos nos arquivos eclesiásticos sobre a incidência dos abusos sexuais "devem ser entendidos como a 'ponta do iceberg'" deste fenómeno.
Na sequência destes resultados, algumas dioceses afastaram cautelarmente sacerdotes do ministério.
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