Após o encontro com o Papa Francisco, António Costa rejeitou falar sobre dois dos principais temas que marcam a atualidade nacional: a privatização da TAP e as eleições regionais na Madeira.
"Neste momento, sinto-me muito confortável de a Sra. ministra da Defesa Nacional estar a presidir ao Conselho de Ministros. Portanto, a política interna ficará para ser tratada em Portugal, e tenho a certeza que a Sra. ministra da Defesa Nacional responderá com enorme satisfação às perguntas que os seus colegas lá lhe façam", disse o primeiro-ministro aos jornalistas, perante as questões sobre a privatização da TAP.
Já sobre as eleições na Madeira, em que o PS obteve pouco mais de 20% dos votos, Costa repetiu a dose: "Como primeiro-ministro não tenho qualquer resultado e o Partido Socialista já tomou a posição que tinha a tomar. Também a Madeira continua a ser matéria de política interna e, portanto, deixemo-la para o território nacional."
Costa até ironizou a situação, questionando uma jornalista que se preparava para fazer outra pergunta: "Quer uma terceira tentativa, é?" Afinal, a questão era sobre migrações, e, aí, Costa já respondeu.
Para o primeiro-ministro, as migrações "são o fenómeno mais natural da vida humana, desde que existe". "Somos todos produtos de migração e as migrações continuarão. Por isso, temos que olhar para o tema, não como uma realidade nefasta, mas como uma realidade efetiva, da natureza, como é o vento, e ver como aproveitamos de forma positiva essa dinâmica. Desde logo, criando condições para que nos países de origem exista paz, respeito pelos direitos humanos, condições para o desenvolvimento, sabendo que neste contexto de alterações climáticas vai ser cada vez mais difícil a vida humana", esclareceu.
António Costa discutiu este assunto com o Papa Francisco, afirmando ser "fundamental existirem canais legais de migração, porque é forma mais eficaz de combater aquilo que é intolerável, que é o tráfico de seres humanos, e garantir que as migrações são feitas de uma forma coordenada".
"É fácil converter-me à palavra do Papa Francisco"
"O Papa Francisco falou em espanhol, eu falei em 'portunhol', mas acho que nos entendemos bem. O Papa Francisco não tem dificuldade em converter-me ao que diz sobre as migrações, as alterações climáticas, à necessidade de encontrar a paz, de combater as desigualdades. É fácil converter-me à palavra do Papa Francisco."
Assim descreveu António Costa - que disse sair "mais rico espiritualmente" - do seu encontro com o Papa Francisco, esta quinta-feira, no Vaticano, onde ambos discutiram temas centrais como as alterações climáticas, as migrações e a guerra na Ucrânia, garantindo que, apesar de algumas divergências nas posições da Santa Sé e da União Europeia relativamente ao conflito armado, algo é certo: "Todos convergimos na mesma vontade de que haja paz e que a paz seja justa, duradoura e que chegue tão rápida quanto possível. O caminho para a paz é que, naturalmente, cada um procura através dos seus próprios caminhos."
O líder do Governo, que no encontro com Francisco abordou, entre outros temas, a paz, considerou "muito importante a mensagem que a Santa Sé tem transmitido", assim como "a mediação que tem desenvolvido, agora para a entrega das crianças ucranianas que estavam retidas na Rússia", além do "papel importante que teve no acordo de exportação de cereais". Segundo António Costa, "naturalmente, o múnus próprio da Santa Sé é diferente daqueles dos Estados", notando que "há apoios que os Estados podem dar que não é expectável que a Santa Sé dê" e que "há diligências que a Santa Sé pode realizar que não devem ser os Estados a realizar".
Aos jornalistas, António Costa admitiu "converter-se" à "palavra" do Papa Francisco, afirmando que "uma das chaves do sucesso do Papa Francisco tem sido procurar fazer a pedagogia dos valores, mais do que o proselitismo da religião". "Tem atingido mais pessoas e mobilizado mais pessoas. Quando se dirige a todos, tem insistido que 'todos' implica também aqueles que não são crentes", continuou António Costa, revelando que um dos temas que não fez parte da sua conversa com Francisco foi, no entanto, a XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, que ocorre em outubro deste ano.
O primeiro-ministro disse ainda ter sentido "uma vontade grande do Papa Francisco de aprofundar a reflexão sobre aquilo que a Igreja tem de fazer para continuar cada vez mais conectada com as pessoas".
"Transmite-lhe também que, não sendo crente, há uma coisa sobre a qual não tenho dúvidas: é que o que diferencia uma sociedade, uma comunidade, é a capacidade de partilhar valores. E esses valores são os mais diversos. E, obviamente, nas nossas sociedades, os valores do cristianismo são valores hoje comuns da nossa sociedade e não só valores dos crentes", assim como da União Europeia, adiantou.
Para António Costa, "é muito importante que instituições como a Igreja tenham força, tenham vitalidade, tenham energia para que esses valores se frutifiquem e ajudem a fortalecer o sentido de comunidade".
"É um motivo de grande orgulho termos a maior representação de sempre de cardeais [portugueses]"
O primeiro-ministro considerou ser "um motivo de grande orgulho termos a maior representação de sempre de cardeais [portugueses], quatro deles eleitores, dois deles bastante jovens".
"Seguramente serão cardeais por muitos e bons anos, por muitas décadas. É um sinal importante que o Papa Francisco tem dado no sentido de renovação e de rejuvenescimento da Igreja", continuou António Costa, que, após o encontro com o Papa, foi recebido em audiência pelo secretário de Estado do Vaticano, cardeal Pietro Parolin, com quem disse ter estado já reunido em várias ocasiões no passado.
"Foi, essencialmente, uma viagem de agradecimento ao Papa Francisco, em primeiro lugar, por ter escolhido Portugal para a realização da JMJ. Foi um trabalho extraordinário que, ao longo destes cinco anos, fomos desenvolvendo, porque aquela semana requereu muito trabalho durante muitos anos e foi um trabalho muito intenso entre o Governo e Santa Sé, com a Igreja Portuguesa e com todas as instituições, com as autarquias que trabalharam muito para que fosse possível esta Jornada", resumiu António Costa.
O chefe do Governo viajou para o Vaticano acompanhado do ministro dos Negócios Estrangeiros, João Gomes Cravinho, e a ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes, para além do embaixador de Portugal junto da Santa Sé, Domingos Fezas Vital. A delegação portuguesa incluiu ainda o assessor diplomático do primeiro-ministro, Fernando Morgado, e a ministra conselheira junto desta embaixada, Lúcia Portugal Núncio.
[Notícia atualizada às 14h45]
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