"Situação delicada". Reservas de sangue tipo B para gatos "estão a zero"

A coordenadora do Banco de Sangue Animal (BSA), Raquel Soares, apelou a mais doações de sangue, principalmente para gatos, que podem "ajudar a salvar a vida de outros animais". Em entrevista ao Notícias ao Minuto, falou sobre o trabalho desenvolvido pelo BSA que, hoje em dia, tem capacidade para exportar dádivas de sangue para "vários países europeus, como Espanha, Bélgica e Reino Unido".

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© Banco de Sangue Animal

Daniela Carrilho
24/10/2023 08:30 ‧ 24/10/2023 por Daniela Carrilho

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Banco de Sangue Animal

Fala-se muito da importância da doação de sangue humano mas, no mundo animal, o procedimento pode ser tão ou mais importante do para as pessoas. Uma transfusão de sangue pode fazer a diferença e salvar a vida dos seus cães e gatos.

A coordenadora do Banco de Sangue Animal (BSA), Raquel Soares, revela que as doações são de um grande "altruísmo". Em média há registo de "mais de 1.120 transfusões" mensais, que salvam "em média 900 animais por mês", mas nunca são demais.

É um processo "gratuito", "seguro, controlado e não doloroso" que oferece inúmeros benefícios aos generosos dadores de sangue de quatro patas, pode ler-se no site do BSA.

Este tipo de procedimento tem contribuído para o aumento da esperança média de vida de cães e gatos, permitindo tratar e, pelo menos, dar mais tempo de vida aos animais de estimação.

Neste momento, há um grande apelo em curso por doações de sangue de gatos tipo B, uma vez que as reservas estão "a zero".

"O B é o tipo de sangue menos provável em Portugal, pertence a cerca de 3 ou 4% de gatos. É muito pouco. As unidades não são suficientes para dar resposta a todos os pedidos que temos tido", lamenta a médica veterinária em entrevista ao Notícias ao Minuto.

Exportamos as doações de sangue para vários países europeus, como Espanha, Bélgica e Reino Unido

Com que objetivo foi criado o Banco de Sangue Animal? Foi considerado uma revolução nos cuidados de saúde para animais.

O projeto partiu do Dr. Rui Ferreira, o nosso diretor clínico. Ele trabalhava como veterinário num hospital e começou a dedicar-se mais à parte de hemoterapia, transfusões sanguíneas em animais de companhia, e começou a perceber que, como há para a medicina humana, podia haver também um banco de sangue para os animais porque eles precisam muito mais do que as pessoas possam imaginar. Só o sabem quando o seu animal tem de levar uma transfusão. E o que ele notava é que, muitas das vezes, eles até poderiam precisar, mas não havia reservas e era preciso um trabalho de manutenção de stock porque o sangue tem uma durabilidade relativamente curta - os concentrados de eritrócitos duram cerca de seis semanas - e é perecível.

As dádivas são unicamente para Portugal ou seguem para fora do país?

A parte da medicina transfusional fora do nosso país não está assim tão avançada, então exportamos já há vários anos para vários países europeus, como Espanha, Bélgica e Reino Unido, que fazem parte do grupo do Banco de Sangue Animal Europeu, ao abrigo de um intercâmbio solitário.

No estrangeiro, eles não têm tanta facilidade e qualidade de produto como nós. Aqui fazemos muitos testes à qualidade para um banco de sangue, que não são necessários, mas já estamos a tentar uma aproximação cada vez maior com a medicina humana, para termos um produto mais seguro e de qualidade. Fazemos transfusões para animais que já estão bastante doentes, em estado terminal muitas vezes, e se dermos um componente que não está 100% seguro, com possibilidade de transmitir qualquer tipo de doença, não é uma boa política e não é essa a nossa pretensão.

Em que situações os animais podem precisar de uma transfusão de sangue?

Depende muito se falarmos do concentrado de eritrócitos ou do plasma. O concentrado de eritrócitos é o que chamamos ao sangue propriamente dito, o 'saquinho vermelho'. É importante para hemorragias, no período antes da cirurgia - pela prevenção de uma possível perda de sangue ou quando o animal não tem o hematócrito [percentagem de glóbulos vermelhos] suficiente que esteja seguro para fazer a cirurgia - e em vários casos de anemias sintomáticas, em que o animal começa a ter as mucosas pálidas, por insuficiência renal ou por patologias relacionadas com a medula óssea, por exemplo.

O plasma também tem muitos usos e, cada vez mais, a classe veterinária está ciente dos benefícios da sua utilização. Pode servir para tratar parvoviroses nos cães, ou copénea nos gatos, intoxicações, hemofilias ou qualquer deficiência em fatores de coagulação, em casos de septicemia, pancreatite, peritonite ou até em cirurgias mais agressivas.Temos uma média de mais de 1.120 transfusões por mês e calculamos que ajude a salvar cerca de 900 animais

Hoje em dia, falamos de quantas transfusões diárias/mensais? Salvam quantos animais?

São números que vão variando mas, neste momento, temos uma média de mais de 1.120 transfusões por mês e calculamos que ajude a salvar cerca de 900 animais. Lá está, são componentes que vão permitir que o animal se mantenha enquanto recebe outro tipo de medicação, enquanto os veterinários pesquisam que tipo de patologia é que o animal tem e vão dar tempo para que o animal consiga recuperar.

Todos os animais recebem dádivas? Ou só são realizadas transfusões a cães e gatos?

De momento só produzimos hemocomponentes para cão e gato. Não quer dizer que, no futuro, não se produza para outras espécies. Temos uma colega do BSA que está a tirar doutoramento em animais exóticos… Neste momento temos muito trabalho com cães e gatos mas, de futuro, é a nossa intenção, sim.

Notícias ao Minuto Raquel Soares, coordenadora do BSA© Banco de Sangue Animal

Há tipos de sangue diferentes entre cães e gatos. Começando pelos cães, há o DEA 1 positivo e DEA 1 negativo. Há raças com mais predisposição para ter um tipo de sangue específico?

Não, nos cães é um bocadinho diferente. Há raças que têm mais predisposição para terem um tipo de sangue do que outro mas, cá em Portugal, não há tanta diferença haver o tipo DEA 1 positivo e o DEA 1 negativo. Ou seja, temos mais ou menos 50/50, tendo como base os dados existentes dos nossos dadores. O DEA 1 negativo - que é considerado o dador universal - é o que pode doar a ambos e acaba por ser um componente que não requer tipificação da parte do dador.

Em termos de dádivas, está tudo muito controlado.

Encontramo-nos numa situação extremamente delicada: as reservas de sangue felino tipo B estão neste momento a zero

O caso já muda de figura no que diz respeito aos gatos. Têm uma grande necessidade de todos os tipos de sangue (A, B e AB), mas ainda maior do tipo B neste momento...

Infelizmente, encontramo-nos numa situação extremamente delicada e as reservas de sangue felino tipo B estão neste momento a zero. Nos últimos dias, o aumento crescente de pedidos de tipo B para gatinhos internados fez com que as nossas já escassas reservas fossem consumidas e as poucas unidades que vamos conseguindo recolher nem chegam a ser processadas, saem diretamente para os hospitais e clínicas onde estes se encontram a realizar tratamento.

O B é o tipo de sangue menos provável nos gatos em Portugal. Isto tem a ver com localizações geográficas e, no nosso país, a maioria dos gatinhos são tipo A, cerca de 95% (ou mais). Este tipo de sangue raro pertence a cerca de 3 ou 4% de gatos em Portugal. É muito pouco. As unidades não são suficientes para dar resposta a todos os pedidos que temos. Quando está tudo normalizado, corre tudo bem. Temos menos dadores tipo B, mas as necessidades também são menores. Só que há momentos em que há mais necessidade, e estamos num desses momentos.

Os British, os Devon Rex, os Ragdoll, os Abissínio, os Birman, os Burmese, os Somali, os Persas e também os Sphynx são as raças mais propensas a necessitar deste tipo de sangue, mas os gatos europeus comuns também podem ser tipo B.

Na realidade, estão a ser todos necessários, mesmo. Para nós é importante que se inscrevam qualquer tipo de gatinhos. Não tem só a ver com a raça, neste momento qualquer dador é bem vindo, desde que tenham os critérios, e também apelamos aos nossos tutores já inscritos que venham com a frequência que devem.

Quais as características que cães e gatos devem ter para ser dadores?

Todos os cães e gatos aparentemente saudáveis podem ser dadores de sangue. No caso dos cães, devem ter peso superior a 20 quilos, enquanto os gatos têm de ter mais de três.

Em ambos os casos devem ter idade de 1 a 10 anos, não ter evidência de doenças infecciosas, estar vacinado e desparasitado, não tomar qualquer medicação (além dos desparasitantes), não ter historial de doença grave, não apresentar sopro cardíaco e não ter realizado qualquer transfusão.

Fazemos recolhas ao domicílio. Temos veículos de trabalho com todo o equipamento, mas tem de haver um número mínimo de 10 animais

Para fazer a dádiva, os dadores têm de se deslocar até um laboratório ou centro de recolha?

Temos várias formas de o fazer. Temos a sede no Porto e uma filial em Lisboa e em ambas temos laboratórios aos quais as pessoas se podem deslocar com os seus animais para fazer a dádiva, consoante agendamento. No entanto, já temos muitas equipas de dádivas externas em várias zonas do país, no Algarve, no Alentejo, em Trás-os-Montes…

E há recolhas ao domicílio?

Sim, em Lisboa, no Porto e nos locais onde temos equipas externas fazemos recolhas ao domicílio. Temos veículos de trabalho com todo o equipamento, mas tem de haver um número mínimo de 10 animais, mesmo que não sejam da mesma pessoa, para justificar a deslocação.

Fora de Lisboa e Porto, também temos clínicas a colaborar connosco e é mais fácil a deslocação das pessoas até lá. Além disso, temos quatro estafetas - dois em Lisboa e dois no Porto - que podem ir buscar os animais a casa e estão só dedicados a esse transporte. A longo prazo, fomos tomando medidas para tentar chegar ao máximo de pessoas e tentamos tratar cada um dos tutores individualmente, reconhecendo-os, falando com eles, é importante. Por exemplo, 48 horas após a dádiva nós contactamos para saber se está tudo bem, temos sempre esse cuidado e isso transmite confiança.

E também têm protocolos com associações de animais, não é?

Cada vez mais temos tentado ter do nosso lado as associações. Fazemos testes a todas as dádivas e conseguimos também ajudar mais essas entidades. O Banco de Sangue transmite segurança por parte das certificações que tem, fazemos um trabalho seguro com os nossos dadores.

Os riscos associados são extremamente baixos e os efeitos adversos são raros

Há vantagens em ser dador?

Além do altruísmo de tentar ajudar a salvar a vida de outros animais, os dadores têm ainda vacinação anual gratuita, é feita a tipificação do sangue, a aplicação de microchip, são realizadas análises de sangue - hemograma e bioquímico geral -, é feito um PCR a hemoparasitas, é feita uma desparasitação (interna e externa) e um exame físico geral.

Há riscos em fazer a dádiva? Quais são?

Os riscos associados são extremamente baixos e os efeitos adversos são raros. De qualquer forma, fornecemos sempre uma autorização de inscrição ao dador de sangue, antes até do dador se inscrever, onde está tudo explicado, desde o procedimento, os benefícios e as possíveis reações adversas. Também tem a responsabilidade e uma declaração de doação voluntária. Cada tutor tem toda informação disponível com a bibliografia dos artigos existentes.

De quanto em quanto tempo se pode fazer a dádiva?

Tanto nos cães, como nos gatos, a doação de sangue pode ser realizada de três em três meses. Na realidade, os animais regeneram o sangue muito mais rapidamente do que as pessoas e, em aproximadamente um mês, já regeneram a sua parte sanguínea. Damos sempre mais dois meses por facilidade do dador e por segurança.

No fundo, a vossa missão é dar a maior qualidade de vida aos animais e promover o seu bem-estar.

Somos uma empresa certificada, temos tudo protocolado e registado. Cada vez mais fazemos estudos tendo em conta o bem-estar animal, que é uma das coisas que mais nos preocupa. Assim como a nossa relação com os tutores e com os nossos clientes. Há hospitais que têm as nossas unidades, com um frigorífico que é mesmo controlado por nós. Em caso de dúvida, estamos disponíveis 24 horas por dia, todos os dias mesmo, não há noites, nem fins de semana.

Leia Também: "Unidades não são suficientes". Sangue de gato tipo B precisa-se

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