Os negócios, os cargos, os compadrios. O complexo caso que derrubou Costa

O primeiro-ministro demitiu-se na sequência de uma investigação aos negócios do lítio e do hidrogénio em Portugal. Perceba, de forma sintetizada, a rede de ligações empresariais e individuais que está sob suspeita.

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© PATRICIA DE MELO MOREIRA/AFP via Getty Images

Notícias ao Minuto
09/11/2023 14:18 ‧ 09/11/2023 por Notícias ao Minuto

País

Demissão de Costa

O país assiste, atentamente, ao desenrolar de uma investigação aos negócios do lítio e do hidrogénio em Portugal, bem como à criação de um 'data center' em Sines, processos que acabaram não só por desembocar na demissão do primeiro-ministro António Costa como na detenção de altas figuras nacionais. 

Entre os detidos figuram o recém-exonerado chefe de gabinete do primeiro-ministro demissionário, Vítor Escária, (a quem foram apreendidos 75.800 euros em numerário, que tinha no seu gabinete) e o empresário e advogado Diogo Lacerda Machado, que mantinha uma relação de proximidade com António Costa.

Mas afinal, que entidades estão envolvidas nesta complexa rede, que supostos crimes estão a ser investigados pelas autoridades e como é que os diferentes detidos, arguidos e suspeitos estão ligados entre si?

As buscas e as detenções

A investigação - alegadamente, apelidada de Operação Influencer - levou, na terça-feira, dia 7 de novembro, as autoridades a realizar pelo menos 42 buscas, de norte a sul do país, que incluíram a residência oficial do primeiro-ministro, o gabinete do seu chefe de gabinete, os ministérios do Ambiente e das Infraestruturas e a Câmara Municipal de Sines.

Em causa, de uma forma global, estarão alegados crimes de corrupção, prevaricação e tráfico de influências.

Foram constituídas arguidas nove pessoas, sendo que, até ao momento, cinco delas foram detidas, por receio de possível fuga:

  • O chefe de gabinete do primeiro-ministro, Vítor Escária (entretanto exonerado por António Costa);
  • O advogado, consultor e empresário Diogo Lacerda Machado - tido como amigo do primeiro-ministro;
  • O presidente da Câmara de Sines, o socialista Nuno Mascarenhas;
  • Dois dos administradores da empresa no centro das investigações, Start Campus: Afonso Salema e Rui de Oliveira Neves;

Foram ainda constituídos arguidos o ministro das Infraestruturas e antigo secretário de Estado da Energia João Galamba, o presidente do Conselho Diretivo da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), Nuno Lacasta, e o advogado e antigo porta-voz do Partido Socialista (PS) João Tiago Silveira.

Apesar de não terem sido constituídos arguidos, são ainda suspeitos o antigo ministro do Ambiente João Pedro Matos Fernandes, e o ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro.

Já o primeiro-ministro António Costa está também a ser investigado, pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ), ainda que autonomamente. Estará envolvido em mais de 20 escutas acrescentadas ao processo, avançou o jornal Observador. 

Que negócios estão envolvidos?

A investigação incide, principalmente, sobre três negócios dos últimos anos: as minas de lítio em Montalegre, os negócios do hidrogénio verde e a criação de um 'data center', ambos em Sines.

O lítio

João Galamba, uma das peças principais neste 'puzzle', cuja residência foi também alvo de buscas, aterrou sob os holofotes das autoridades na sequência da conceção de um contrato de exploração de lítio em Montalegre à Lusorecursos Portugal Lithium, em 2019, altura em que era secretário de Estado da Energia, sob a tutela de Matos Fernandes no ministério do Ambiente. 

A empresa, com um capital social de 50 mil euros, foi constituída três dias antes da assinatura do contrato, avaliado em 380 milhões de euros para um total de 50 anos de exploração.

Após dificuldades relacionadas com estudos de impacto ambiental, a APA acabou por dar luz verde à exploração em setembro de 2023. Um detalhe que gerou suspeitas no Ministério Público (MP), que, segundo cita a CNN Portugal, acredita que poderão ter ocorrido irregularidades na aprovação da Declaração de Impacto Ambiental, na sequência de contactos entre representantes da Lusorecursos e decisores políticos, como João Galamba. 

O líder da APA, Nuno Lacasta, é um dos arguidos neste processo. Já a sede da Lusorecursos, em Braga, foi também alvo de buscas.

O hidrogénio

A investigação do MP incide também sobre o projeto H2Sines, apadrinhado pelo antigo ministro do Ambiente Matos Fernandes, que pretendia produzir, em grande escala, hidrogénio verde em Sines. Tratava-se de um consórcio entre empresas a EDP, Galp, REN ao qual se juntaram mais tarde a Martifer (da qual Vítor Escária tinha sido administrador não-executivo) e a Vestas. O projeto acabou por não ver a luz do dia.

Só que, segundo a CNN Portugal, há suspeitas de que este consórcio foi favorecido, em 2020, por Matos Fernandes e pelo seu então secretário da Energia, João Galamba, em detrimento do Resilient Group, do empresário neerlandês Marc Rechter.

A criar mais suspeitas está, diz a Lusa, o facto de que Matos Fernandes, após abandonar o Governo, terá colaborado com a Copenhagen Infrastructures Partner, empresa na qual a dinamarquesa Vestas, que chegou a integrar o consórcio da H2Sines, investiu anteriormente. Mais, o antigo ministro do Ambiente foi contratado como consultor pela Abreu Advogados, que presta assessoria jurídica à Copenhagen Infrastructures Partner, e que manteve contactos alegadamente suspeitos com Carlos Martins, chairman da Martifer.

O 'data center'

Este imbróglio de conhecimentos tem ainda um outro ator: o projeto para criar um 'data center' em Sines.

E é neste 'capítulo' que entra Diogo Lacerda Machado, advogado e empresário próximo a António Costa, consultor da Start Campus, empresa por trás do projeto SINES 4.0, cuja sede foi também alvo de buscas.

Lacerda Machado era consultor deste projeto, auferindo um ordenado de 6.500 euros por mês por serviços jurídicos. O MP acredita, no entanto, que não realizou tarefas neste âmbito para a empresa, servindo sim como ponte entre o projeto e o seu amigo próximo, António Costa.

Terão havido, aliás, contactos diretos com Vítor Escária, envolvendo reuniões em São Bento e na sede do Partido Socialista. Nestas reuniões participariam também Afonso Salema e Rui de Oliveira Neves (ambos detidos).

Através de Lacerda Machado, acredita o MP, teriam acesso "direta ou indiretamente" a António Costa e a vários governantes socialistas.

É neste caso do 'data center' que entra também o presidente da Câmara Municipal de Sines, o socialista Nuno Mascarenhas, que foi detido. Foi o responsável por aprovar e licenciar o projeto, pedindo em contrapartida "um patrocínio de 5.000 euros ao festival Músicas do Mundo de Sines, um valor não apurado de apoio às equipas jovens do clube de futebol Vasco da Gama de Sines, e ainda um valor não apurado para um projeto social da câmara", de acordo com o MP.

As redes acabam por, em algumas ocasiões, entrelaçar-se, e que o diga o presidente da APA, Nuno Lacasta, também ele detido pela Justiça. Terá favorecido a criação deste projeto, dispensando um procedimento de Análise de Impacto Ambiental em fases iniciais, o que fez soar alarmes no MP. O MP acredita que se tratará de um favor a Lacerda Machado.

Aliás, o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) acredita que "o ministro das Infraestruturas, João Galamba, e o presidente da APA, Nuno Lacasta, almoçavam e jantavam por isso sem nada pagar".

Leia Também: Dinheiro apreendido a Vitor Escária? "Absolutamente irrelevante"

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