Esta será a primeira vez que é divulgada na íntegra a reportagem de Pedro Laranjeira, que morreu em 2015, Paulo Coelho e Adelino Gomes, feita entre o Largo do Carmo e o Terreiro do Paço há precisamente 51 anos.
"É a primeira vez que se ouve, que se 'reouve', que não naquela madrugada em que foi transmitida pelas ondas da Rádio Renascença no programa 'Limite'", salientou Adelino Gomes, em declarações à Lusa.
O início da sessão está agendado para as 18h00, e a escolha não foi um acaso.
"Às 18h00 de há 51 anos, estava o general Spínola a sair de um carro preto e a dirigir-se para o portão do quartel-general da GNR, onde ia encontrar-se com o ainda presidente do conselho [Marcello Caetano], que irá deixar de ser para ele, em nome dos militares que estavam a fazer o golpe, chegar aos portugueses com a legitimidade de estar a representar o novo poder", recordou Adelino Gomes.
Ouvir será como "aterrar na máquina do tempo, precisamente às 18h00".
A reportagem tem quatro horas de duração, que representam um arco do tempo de oito a nove, ao longo das quais há "uma tensão que se renova, porque o próprio dia 25 de Abril congrega em si a revolução toda num só dia", referiu um dos curadores da escuta coletiva, André Cunha, lembrando que "essa característica é rara, em relação a outras revoluções com as quais se possa fazer comparações".
"Vamos começar na manhã do 25 de Abril de 1974 no Terreiro do Paço, passaremos o momento em que o general Spínola sai do carro preto em que chegou, para receber o poder, graças aos militares, para um abrir um novo capítulo da História de Portugal, e vamos até ao momento em que a chaimite Bula sai com o professor Marcello Caetano e os seus ministros a caminho do sítio onde estavam escondidos os homens num posto de comando da Pontinha", contou Adelino Gomes.
Ao longo das quatro horas será possível, por exemplo, ser-se transportado para o momento em que o golpe de estado, levado a cabo pelos militares, se transforma em revolução, com o apoio da população.
"São poucos segundos de rádio e são um dos momentos da história radiofónica europeia onde a ideia de revolução está mais representada, está mais simbolizada, com uma essência tão simples, tão pura, tão virgem quase", salientou André Cunha, lembrando o "sussurro [do 'capitão de Abril' Carlos Beato], que depois Salgueiro Maia confirma '...e temos o povo...'".
O curador conta que o 'sussurro' "é confirmado por insistência do Adelino [Gomes]h 'está aqui o alferes a dizer que além dessas forças todas tem o povo, que é a força maior'".
Ao longo dos anos têm sido divulgadas fotografias do 'dia inicial inteiro e limpo', que "têm um valor documental e histórico fascinante", mas André Cunha acredita que "não há nada que ponha a pele assim", disse apontando para o braço em 'pele de galinha'.
"Não há nada que de facto nos faça sentir que estamos ali, a viver aquele momento, como este documento. A reportagem não é só uma reportagem sobre o acontecimento, com esta distância. A reportagem faz parte do acontecimento. É fascinante ter essa perceção ao ouvir isto", referiu.
Pedro Laranjeira, Paulo Coelho e Adelino Gomes estiveram naquele dia "a documentar a História, fazendo parte dela", e não apenas a relatá-la.
"O repórter também faz parte da História, o jornalista também está a aprender a usar a Liberdade, a conquistar a Liberdade, em direto ao microfone naquele momento. E isso tem uma força inigualável", salientou.
Adelino Gomes acredita que a sessão de escuta não será apenas emocionante para aqueles que, como ele, estiveram envolvidos. "É para toda a gente, dos que gostaram do 25 de Abril e dos que não gostaram. Ali é um bocado de História que está narrada. A História falada no momento em que está a acontecer, e em que o jornalista tenta interpretar o que está a acontecer", disse.
Opinião partilhada pela outra curadora da sessão, Isabel Meira.
"É tanto para as pessoas que viveram o 25 de Abril como para as que não viveram, este momento histórico, este momento em que o jornalismo também se transforma num pedaço de história. Esta capacidade de nos transportar para o dia, de nos fazer reviver tudo aquilo que aconteceu ao longo daquelas horas todas, e que trouxe a Liberdade, é emocionante, e é interessante para públicos diversos", referiu.
Adelino Gomes refere que "não é obrigatório estar o tempo todo" na sessão de escuta coletiva. "As pessoas podem sair. Podem sair para não voltar ou podem sair e depois continuar a ouvir", disse.
Isabel Meira deixa um convite a quem participar no desfile na Avenida da Liberdade, para "continuar a festa e a celebrar a Democracia nas Ruínas do Carmo".
A sessão de escuta coletiva é de entrada livre, tal como o desfile na Avenida da Liberdade, e tem interpretação em língua gestual portuguesa, de modo a que "as pessoas não ouvintes, surdas, possam ter também contacto com estes sons da revolução".
A realização de outras sessões de escuta depende de como esta decorrer.
Caso haja, Adelino Gomes e os curadores gostavam "muito" que uma próxima sessão "contivesse outras quatro horas das quais não se sabe o paradeiro, outras quatro horas de narração".
"É extraordinário se conseguirmos arranjar as cerca de oito horas. O bruto, o original", a partir do qual foi montada, por Pedro Laranjeira, a reportagem que será hoje divulgada pela primeira vez, desde a emissão original há 51 anos.
As bobines da reportagem serão entregues à Comissão Comemorativa 50 anos 25 de Abril, numa cerimónia a realizar em data a anunciar, para serem depois depositadas no Arquivo Nacional do Som, que está em processo de instalação em Mafra.
"Para preservar a história viva, narrada, precisamos de preservar as bonines e de as ter num ambiente em que [a reportagem] possa ser útil aos portugueses em geral, mas também para ser utilizada, discutida, analisada pelos que querem continuar a contar o 25 de Abril", afirmou Adelino Gomes.
Uma versão de 80 minutos da reportagem que será hoje escutada nas Ruínas do Carmo foi editada originalmente em vinil, "O Dia 25 De Abril (Diário Da Revolução 1974)", em 1974, e teve uma reedição em CD na década de 1990.
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