As escutas que envolveram o primeiro-ministro, António Costa, e que levaram à sua demissão começam a ser reveladas esta quinta-feira, dia em que cinco arguidos começam a ser ouvidos no Campus de Justiça, em Lisboa.
Os registos, aos quais a CNN Portugal teve acesso, mostram o “melhor amigo” de Costa, Diogo Lacerda Machado (advogado e consultor), a ridicularizar um membro do Governo, assim como deixam claro como se ‘movia’ o agora arguido no processo que levou à saída de Costa. Em caso de necessidade, Afonso Salema - administrador da Start Campus e também arguido - falava com o antigo administrador não executivo da TAP.
Segundo a emissora, Salema procurou Lacerda Machado porque precisava de influência junto da União Europeia para alteração dos códigos de atividade económica para os 'data centers'. O “melhor amigo” de Costa não hesitou e colocou-se à disposição para falar não só com membros do Governo como também com o primeiro-ministro, que conhece há mais de 40 anos.
"Está bem. Eu vou decifrar essa, se é Economia ou Finanças. Vou começar por aí e depois logo lembro como tomamos a iniciativa de suscitar e sugerir”, terá referido, deixando claro: “Se for Finanças, eu falo logo com o Medina ou com o António Mendes, que é o secretário de Estado. Se for Economia, arranjo maneira depois de chegar ao próprio António Costa". Esta conversa terá acontecido a 31 de agosto do ano passado.
Às tantas eu ainda falo com o [Vítor] Escária
Num segundo pedido de ajuda, Afonso Salema, o administrador da Start Campus falou sobre as dificuldades que enfrentava em conseguir vistos de residência para funcionários estrangeiros.
Salema terá perguntado o que se podia fazer e Lacerda Machado pediu-lhe uma lista do que era necessário, ridicularizando mesmo um membro do Executivo.
"É uma lástima este secretário de Estado da internacionalização. Não serve para nada. Não serve para nada, não tem nenhuma capacidade política nenhuma, nem nada. Uma coisa horrível”, considerou, referindo que iria “chatear o vizinho”, ou seja, o secretário de Estado da Cooperação. “Às tantas eu ainda falo com o [Vítor] Escária”, rematou, referindo-se ao então chefe de gabinete do primeiro-ministro - exonerado por Costa esta quinta-feira, e, entretanto substituído pelo general Tiago Vasconcelos. O responsável do Exército servia até agora como assessor militar do chefe de Governo, e ficará no cargo que Escária ocupava até à saída de Costa.
Cinco dos arguidos são ouvidos esta quinta-feira no Campus de Justiça, em Lisboa. Da parte da manhã, os advogados terão estado a ouvir escutas que não foram transcritas. Diogo Lacerda Machado será o último a ser ouvido pelo juiz, seguindo do ex-chefe de gabinete do primeiro ministro, que guardava 75.800 euros no seu escritório.
À chegada do tribunal, o advogado de defesa de Escária, Tiago Rodrigues Basto., referiu que "não era crime deter nenhum quantitativo em numerário".
"É uma quantia que foi apreendida no gabinete do Dr. Vítor Escária, que se relaciona com a sua atividade profissional anterior às funções que exerce. Essas explicações serão dadas ao tribunal e que constam destes autos, neste momento, salvo melhor opinião, apenas para causar uma impressão, para causar esta discussão na praça pública. Se leram a indiciação perceberão que é um facto metido a martelo e que não tem rigorosamente nada que ver com a tese do Ministério Público", referiu o responsável.
Este processo visa as concessões de exploração de lítio de Montalegre e de Boticas, ambos em Vila Real; um projeto de produção de energia a partir de hidrogénio em Sines, Setúbal, e o projeto de construção de um 'data center' na Zona Industrial e Logística de Sines pela sociedade Start Campus.
O primeiro-ministro, António Costa, que apresentou a demissão na terça-feira, é alvo de uma investigação autónoma do MP num inquérito instaurado no Supremo Tribunal de Justiça, após suspeitos terem invocado o seu nome como tendo intervindo para desbloquear procedimentos nos negócios investigados.
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