A posição do advogado de defesa de Valdemar Alves foi expressa hoje, durante uma audiência no Tribunal da Relação de Coimbra, requerida pelo próprio, no âmbito do recurso ao acórdão da primeira instância que condenou, há cerca de dois anos, o autarca e outros 13 arguidos em processo relacionado com a reconstrução de casas após os incêndios de junho de 2017, em Pedrógão Grande.
"A 23 de novembro, é publicada uma resolução do Conselho de Ministros, que atribui donativo financeiro para o Fundo [Revita, criado pelo Governo para apoiar as populações afetadas], no valor de dois milhões de euros", para garantir a reconstrução "de todas as habitações afetadas pelo incêndio", afirmou o advogado do antigo autarca, Bolota Belchior, salientando que essa resolução não fazia distinção entre primeiras ou segundas habitações.
Nas alegações, diante do coletivo da Relação de Coimbra, Bolota Belchior vincou que não "há uma única ata" do conselho de gestão do Revita que "aprova as propostas" do arguido e recordou que uma testemunha afirmou que o Fundo executou obras sem sequer ter processo físico a suportar a decisão da reconstrução.
Bolota Belchior questionou ainda o facto de Valdemar Alves ser julgado enquanto autarca, alegando que a sua participação no Fundo Revita não decorre das funções que ocupava, à data, de presidente da Câmara de Pedrógão Grande.
Por seu turno, o advogado que representa a União das Misericórdias Portuguesas, que apoiou a reconstrução de casas afetadas pelo incêndio, frisou que a participação de Valdemar Alves no fundo surge enquanto representante das autarquias locais (Pedrógão Grande, Castanheira de Pera e Figueiró dos Vinhos) e não "como cidadão comum".
O advogado entendeu ainda que "o legislador e os normativos" poderiam ter sido mais "cuidadosos" na definição de que casas deveriam ser apoiadas, mas, no entanto, evidenciou que o próprio formulário para candidatura de apoio à reconstrução dizia "claramente habitação permanente".
Já o procurador do Ministério Público, numa curta declaração, afirmou rever-se nas palavras da procuradora do julgamento da primeira instância, pedindo a manutenção da condenação que ocorreu no Tribunal de Leiria, a 31 de janeiro de 2022.
A leitura do acórdão da Relação de Coimbra está agendada para 07 de fevereiro.
Em 2022, o Tribunal de Leiria condenou 14 arguidos de um total de 28, que estavam acusados no processo relacionado com a reconstrução de casas após os incêndios de junho de 2017.
O ex-presidente da Câmara de Pedrógão Grande Valdemar Alves foi condenado à pena única de sete anos de prisão, tendo sido considerado provada a prática de 13 crimes de prevaricação de titular de cargo político e 13 crimes de burla qualificada, três na forma tentada.
Ao antigo vice-presidente do município Bruno Gomes, o tribunal determinou seis anos de prisão pela prática de 11 crimes de prevaricação de titular de cargo político e 13 crimes de burla qualificada, três na forma tentada.
Dos restantes 26 arguidos, que eram requerentes da reconstrução de imóveis como se de primeira habitação se tratasse, familiares destes ou funcionários das Finanças e de junta de freguesia, o Tribunal condenou 12 a penas de prisão (entre um ano e seis meses e dois anos e nove meses), suspensas na sua execução.
O processo subiu em junho de 2022 ao Tribunal da Relação de Coimbra, com 12 recursos. Dos 14 arguidos condenados, apenas um não recorreu.
Os incêndios que deflagraram em 17 de junho de 2017 em Pedrógão Grande, distrito de Leiria, e que alastraram a concelhos vizinhos, provocaram 66 mortos e mais de 250 feridos, sete dos quais graves, e destruíram meio milhar de casas, 261 das quais habitações permanentes.
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