O juiz de instrução da Operação Influencer considera "vagas" e até "contraditórias" as suspeitas do Ministério Público (MP) contra António Costa, primeiro-ministro demissionário, avança, esta quinta-feira, o Expresso. Esta posição surge numa resposta do juiz Nuno Dias Costa ao recurso do MP contra as medidas de coação aplicadas aos arguidos deste caso.
Segundo o semanário, que teve acesso ao documento, o juiz recorda que a investigação do MP entende que os arguidos "recorreram aos serviços de Lacerda Machado", para "contactar, (…) o Primeiro-Ministro, com vista a pressionar a Secretária de Estado, Ana Fontoura Gouveia" e que uma reunião entre os suspeitos teria resultado em "pressões sobre a dita Secretária de Estado, exercidas pelo Primeiro-Ministro ou por Vítor Escária, mas necessariamente com o conhecimento e concordância do primeiro". Os "contactos encetados por Lacerda Machado junto de Vítor Escária e do Primeiro-Ministro visaram - e lograram - que um Decreto-Lei fosse aprovado e publicado o mais rapidamente possível e com o conteúdo normativo favorável aos interesses da Start Campus", segundo o MP.
Contudo, o juiz considera que "o alegado pelo Ministério Público revela-se vago quanto a qual seria a entidade pública junto de quem iria ser exercida a influência (o Governo, por via do contacto do suspeito Lacerda Machado junto do Primeiro-Ministro? A Secretaria de Estado da Energia, por via de Vítor Escária?)".
Além disso, no documento, no qual o juiz rebate as alegações da equipa de procuradores liderada por João Paulo Centeno, a "descrição factual" do MP é "contraditória" uma vez que "ao mesmo tempo que alega que a atuação dos arguidos teve em vista pressionar a referida Secretária de Estado”, refere também que "os contactos encetados por Lacerda Machado junto de Vítor Escária e do Primeiro-Ministro visaram - e lograram - que o referido Decreto-Lei fosse aprovado e publicado o mais rapidamente possível", apesar de se saber "que a competência para elaborar decretos-lei cabe ao Governo e não a uma Secretaria de Estado".
João Galamba "mentor"? Juiz desfaz teoria
No documento, avança ainda o Expresso, o juiz também desfaz a teoria de que João Galamba, ex-ministro das Infraestruturas, foi o "mentor" do plano para beneficiar a Start Campus, defendendo que "a realidade é que dos factos descritos" pelo MP só é possível concluir que o então governante "pretendeu" que a Start Campus "fosse abrangida por um determinado regime legal em preparação".
Juiz critica MP por recorrer de medidas com novos factos
Já a agência Lusa, que também teve acesso ao documento, refere que o juiz também criticou que, no recurso das medidas de coação aplicadas ao cinco arguidos, o MP invoque novos factos que não apresentou no primeiro interrogatório judicial.
O magistrado alega que "o Ministério Público teve necessidade, para sustentar a sua posição, de invocar novos factos que não alegou na promoção de aplicação aos arguidos" de medida de coação diferente do termo de Identidade e Residência (TIR).
"Portanto, o tribunal não podia ter em conta na decisão recorrida" tais novos factos invocados no recurso do MP para o Tribunal da Relação de Lisboa.
Reitera o juiz que o recurso do MP, à exceção dos factos que consubstanciam os crimes de tráfico de influência e de recebimento indevido de vantagem, que considerou estarem "fortemente indiciados" os restantes factos apresentados pelo MP, "não preenchem os elementos típicos" de qualquer crime.
De notar que este despacho é uma formalidade e o recurso do MP seguiu para o Tribunal da Relação.
A operação levou à detenção do chefe de gabinete de António Costa, Vítor Escária, do advogado Diogo Lacerda Machado, dos administradores da empresa Start Campus Afonso Salema e Rui Oliveira Neves, e do presidente da Câmara de Sines, Nuno Mascarenhas, que o juiz colocou em liberdade após o primeiro interrogatório judicial.
Além destes, há outros quatro arguidos no processo, incluindo o agora ex-ministro das Infraestruturas João Galamba, o presidente da Agência Portuguesa do Ambiente, Nuno Lacasta, o advogado, antigo secretário de Estado da Justiça e ex-porta-voz do PS João Tiago Silveira e a empresa Start Campus.
O processo está relacionado com a exploração de lítio em Montalegre e de Boticas (ambos distrito de Vila Real), com a produção de energia a partir de hidrogénio em Sines, Setúbal, e com o projeto de construção de um centro de dados (Data Center) na zona industrial e logística de Sines pela sociedade Start Campus.
O primeiro-ministro, António Costa surgiu associado a este caso e foi alvo da abertura de um inquérito no MP junto do Supremo Tribunal de Justiça, situação que o levou a pedir a demissão e o Presidente da República marcou eleições para 10 de março.
[Notícia atualizada às 18h50]
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