"Estaria completamente fora de questão integrar qualquer Governo"
O presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas, é o convidado do Vozes ao Minuto desta quinta-feira.
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País Carlos Moedas
Carlos Moedas acaba de lançar um livro onde retrata dois anos de governação em minoria na maior autarquia do país. Na obra - 'Liderar com as Pessoas' - o autarca lisboeta fala do seu passado antes da candidatura à Câmara da capital, mas também da sua "nova forma de fazer política".
Em entrevista ao Notícias ao Minuto, recorda os tempos difíceis da Jornada Mundial da Juventude (JMJ), a mudança na relação com António Costa, mas fala também sobre o novo Governo de Luís Montenegro. Para o qual, diz, não foi convidado - nem queria.
"O primeiro-ministro sabe muito bem que dou muita importância a estar nos mandatos de corpo e alma", afirma Moedas.
Sobre a imigração e o crescente número de pessoas em situação de sem-abrigo, Carlos Moedas defende a imposição de contingentes: "Espero que consigamos ter uma verdadeira política de imigração", faz sobressair.
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O que motivou a escrita deste livro? Tem passagens muito pessoais, como a doença do seu pai, por exemplo. São partilhas pouco habituais por parte de quem ocupa cargos políticos…
Houve três motivações. A primeira foi prestar contas, que é algo que os políticos anglo-saxónicos fazem muito. Portanto, a ideia era prestar contas dos dois anos [à frente da Câmara Municipal de Lisboa] e mostrar aquilo que fizemos, que foi em condições muito difíceis, em minoria. Desatámos muitos nós, muitas situações que estavam embrulhadas na Câmara e era importante escrever isso, prestar contas aos lisboetas.
Mas depois aliou-se a essa primeira ideia duas outras: uma era que realmente as pessoas me conhecessem um bocadinho melhor, de onde vem essa parte pessoal, com algumas histórias mais íntimas - mas que saíram naturalmente. Depois, qual é a minha visão política, porque tudo se junta entre a pessoa, aquilo que se fez, e depois qual é a transformação que a política está a ter, sobretudo neste momento com o populismo. E a partir daí, qual é a minha visão política para combater o extremismo ou o populismo. Como é que os políticos moderados democratas devem posicionar-se, e essa parte foi também interessante.
Por isso conjuga-se num triângulo entre a parte mais autobiográfica, uma parte que eu chamaria do fazedor e de prestar contas, e depois a política.
Eu sou dos que defende que é preciso as pessoas saberem que esse populismo é mau à Esquerda e à Direita
Precisamente sobre o populismo. Diz no seu livro: “Não fui, nem serei, um presidente de Câmara inacessível”. Acredita que aquilo a que chama uma “nova forma de fazer política”, apostando na presença no terreno com os munícipes, é uma forma de combater forças populistas?
É. No fundo, as forças populistas agarraram uma mudança no mundo que foi o digital. O digital veio transformar o mundo físico, mas também veio permitir a essas forças trazerem o pior que existe, o ódio. E eu, quando falo em forças populistas, refiro-me à Esquerda e à Direita. Sou dos que defende que é preciso as pessoas saberem que esse populismo é mau à Esquerda e à Direita. E os atores políticos tradicionais não souberam, de certa forma, entrar também nesse mundo em transformação. Não vamos ser todos digitais e não vamos viver todos no metaverso, mas, ao mesmo tempo, o nosso mundo físico já não é o mesmo. E essa transformação, ao contrário do que nós pudéssemos pensar, poderia levar o mundo a ser mais distante, através do digital. Mas acho que o contacto humano se tornou ainda mais importante. Porque aquilo que é escasso é importante. Portanto, esse contacto com as pessoas, essa intimidade, como lhe chamo no livro, é muito importante. As pessoas querem ver um presidente da Câmara que vai com elas de autocarro, um presidente que ouve e que depois executa e resolve, e querem sobretudo alguém que esteja acima da ideologia.
E acho que a melhor maneira de combater o populismo é mesmo estar acima daquilo que são as lutas ideológicas. Porque, no fundo, as pessoas, hoje, quando se voltam as para ideologias é porque estão desesperadas, desapontadas. Se nós conseguirmos resolver os problemas diretamente com as pessoas, acima dos partidos, penso que as pessoas vão aderir a esses políticos moderados. Moderados agressivos, como lhes chamo, com mais energia e assertividade.
Ainda aqui no contacto com as pessoas, implementou uma ideia que Macron lançou em França, a do Conselho de Cidadãos. Mesmo perante o rol de críticas, vem aí mais um Conselho. Que balanço faz?
Foi das melhores iniciativas que fiz e tenho um orgulho imenso. Não é mediática, mas tem sido transformadora. Primeiro, houve muitas acusações porque, no fundo, os políticos querem transformar tudo o que fazemos em algo político. Já temos reuniões de Câmara, temos uma Assembleia Municipal, pelo que para estar a fazer algo igual, não era isso. Aquilo que eu queria era trazer à Câmara pessoas que nunca trabalharam na política e nunca tiveram contacto com a política, para virem trabalhar connosco. E era preciso ir buscá-las, mas pessoas que não costumam vir cá. As associações já vêm cá, já são conhecidas naquilo que é a vida associativa. E havia muita gente que não vinha. E ao trazermos essas pessoas à Câmara, que selecionamos em todos os bairros e freguesias, elas vieram, de certa forma, aprender a conectar-se com a política. E o que ´que eu quero dizer com isto? Quando encontro as pessoas na rua, elas às vezes dizem assim ‘o presidente devia era fazer isto’. Mas fazer ‘isto’ não é automático. Retirar os cartazes políticos do Marquês de Pombal não é fácil. E as pessoas não percebem porque também não sabem como funcionam as instituições. E aquilo que tem permitido o Conselho de Cidadãos é que as pessoas venham, tenham as ideias, mas depois fiquem cá também para as implementar.
Querem plantar uma árvore em cada esquina. Mas como é que isso se faz? É preciso um estudo, uma opinião, um espaço público, não é de repente. Portanto, ao envolverem-se, as pessoas percebem as dificuldades da política e da democracia e das instituições. Mas o mais interessante para mim é que as pessoas que cá trabalham adoraram a iniciativa e começaram a pedir que fizéssemos um Conselho de Cidadãos para os trabalhadores da Câmara, para eles falarem uns com os outros já que, no fundo, vivem muito isolados nos seus próprios serviços.
Mas é verdade que mediaticamente não foi uma coisa que sobressaiu e quando sobressaiu foi pela crítica política. Fizemos isto com pessoas que vieram da OCDE, uma coisa totalmente apolítica. E os políticos ficam muito nervosos quando um político faz coisas assim. Aquilo nem era para marcar pontos, era e é para aproximar as pessoas. E vamos ter, inclusive, este sábado [dia 6 de abril], uma próxima edição.
Teve um início tardio na política - só em 2004 no gabinete de estudos do PSD e mais tarde, em 2011, ao lado de Passos Coelho. Em que momento soube que este era o rumo que queria tomar?
Conto um bocadinho essa parte no livro, que às vezes até quando vou falar a escolas com jovens digo. De certa forma, talvez tenha tido esse sentimento muito cedo, mas por várias razões. Uma delas o meu pai, que era do partido comunista e eu não o queria chocar ao entrar para um partido tão diferente da filosofia comunista. Portanto, acabei por pôr isso um bocado de lado. E às vezes não temos coragem de assumir as coisas das quais gostamos mesmo e queremos mesmo fazer. E isso foi bom e foi mau.
Foi bom porque acabei por só aos 40 anos decidir enveredar pela política e tinha uma bagagem que outros políticos não tinham que é a bagagem da vida. Por outro lado, se entrasse mais cedo teria feito outras coisas na política. Mas penso que essa vontade esteve sempre lá. O que fiz antes da política foram coisas que fiz bem, mas nunca me sentia completamente preenchido.
Foi difícil para o Partido Socialista admitir que tinha perdido e que já não estava a governar a Câmara
No seu livro marca diferenças na sua relação com António Costa, de quando Carlos Moedas era comissário europeu e quando depois se tornou presidente da Câmara. O que acha que mudou?
Penso que nós tivemos uma relação muito positiva, e acho que isso é muito positivo para o país. Porque quando eu estava na Comissão Europeia trabalhámos muito bem juntos. Quando, por exemplo, se queria passar uma multa a Portugal na altura, já pós-troika, mas era relativa aos anos da troika, trabalhámos juntos para evitar essa multa e fizemos um trabalho muito bom.
Depois penso que, obviamente, quando eu tomei esta posição da Câmara de Lisboa, o comportamento [do antigo primeiro-ministro] mudou e efetivamente foi mais difícil porque havia muitas coisas que estavam até combinadas com o executivo anterior, mas depois quando eu me tornei presidente da Câmara, era como se a opinião do Governo e do antigo primeiro-ministro tivessem mudado. Lembro-me que sempre houve uma relação com a Santa Casa, o próprio antigo primeiro-ministro dizia que era uma relação importante que Lisboa tivesse um representante na Santa Casa, mas depois houve uma nova organização que foi posta para governar a Santa Casa e nem sequer houve um contacto connosco. A Câmara não está representada na Santa Casa neste momento e antes estava. E lembro-me de vários pontos em que isso aconteceu. No Hub do Beato… Uma parte daquilo que lá está estava prometida à Câmara e depois já não estava… e, portanto, houve uma mudança de comportamento.
Mas como disse sempre, a verdade é o que é, e a verdade é essa: dei-me institucionalmente muito bem quando estava na Europa e depois aqui as coisas mudaram porque, no fundo, são muitos anos em que o Partido Socialista esteve no Governo e na Câmara de Lisboa. E foi difícil para o Partido Socialista admitir que tinha perdido e que já não estava a governar a Câmara. E no livro descrevo essa situação, que nem sequer é uma crítica - com todo o respeito pelo agora ex-primeiro-ministro.
Em algum momento se arrependeu de ter dado ‘o corpo às balas’ na JMJ? Diz no seu livro que a polémica do altar-palco foi o pior momento da sua carreira, mas o sucesso da JMJ acabou também por ser um dos mais expressivos…
Foi sem dúvida o momento mais difícil porque era preciso que tudo corresse bem. A responsabilidade nestas jornadas, em termos logísticos, era de facto da Câmara de Lisboa. Não era do Governo ou da própria Igreja. Quando chegámos era primeiro preciso decidir quem faz o quê, e nem isso estava feito. Foi tudo muito difícil. E eu sabia que aquele palco era necessário. Estávamos a gastar em casas de banho 8 milhões de euros, e depois questionou-se o valor do altar. Foi surpreendente para mim esse momento, mas achei sempre que foi dos momentos mais extraordinários que vivemos.
Vivi esse momento de forma muito solitária, mas achei que tinha de dar o peito às balas no sentido de dizer ‘eu assumo, digam que é minha culpa, mas agora temos de ir para a frente’. Fui para a frente e assumi o que era meu e dos outros, mas não me arrependi. E trouxe muito ânimo às pessoas, principalmente aqui da Câmara, que estavam todas alinhadas. Nunca se organizou um evento assim em Lisboa e acho que nunca mais se vai organizar.
Pode-se dizer que uma das grandes lições que retira da JMJ é a da importância da comunicação?
É de facto muito importante na política o fazer e o comunicar. Porque comunicar sem fazer também não vale a pena - e corre sempre mal a quem faz isso. De facto, não podemos nunca descurar a comunicação que tem de ir também além da bolha mediática. Tem de ser feita com as pessoas diretamente e por isso uso tanto as minhas redes sociais. As pessoas já não veem televisão da forma tradicional, já o fazem pela sua televisão, que é o seu telemóvel.
Portanto, sim. Nessa altura, como noutras, foi muito importante comunicar bem.
Espero que consigamos ter uma verdadeira política de imigração porque é um tema sobre o qual temos mesmo de falar
Aborda no seu livro a questão da imigração económica ilegal no nosso país e apresentou recentemente o Plano Municipal para a Pessoa em Situação de Sem-Abrigo. As medidas são concretas e estão a ser implementadas, mas quem anda na rua o que vê é um aumento exponencial de pessoas nessa situação. Em termos nacionais, que medidas considera essenciais?
Fui um dos primeiros políticos a falar sobre a imigração e sobre aquilo que eu considerava que era um descontrolo. E fui também muito atacado - não como na questão do palco altar, mas também.
Fui emigrante e a minha mulher é imigrante, e eu acho que os países têm de ter políticas de imigração onde se tratam as pessoas com dignidade. Mas não pode ser a Câmara Municipal a tratar do assunto. Às vezes vejo pessoas na rua que até quero ajudar, mas elas não têm sequer papéis - e isto não pode ser uma responsabilidade da Câmara.
A política de imigração tem de ser clara. Países como a Alemanha, o Canadá, os EUA, têm contingentes, sabem precisamente o número de pessoas que querem e o tipo de imigração que querem. Mas outra coisa diferente são os refugiados. Isso nem se põe em questão, é um dever. Mas nas imigrações económicas é preciso ter as coisas bem geridas. E o que é que fizemos? Destruímos o SEF por razões incompreensíveis. Falo com muitos imigrantes na rua que estão à espera de uma reunião há dois anos. E isso é inaceitável. E eu resolvi ter uma posição pública sobre isso, porque vivo isso na cidade. Quando nós abrimos centros para pessoas em situação de sem-abrigo, mais de metade não são portugueses e estão em situações dramáticas.
Espero que consigamos ter uma verdadeira política de imigração porque é um tema sobre o qual temos mesmo de falar. E sim, os extremistas também falam nele, e por isso é que nós temos de falar, com coragem, dignidade e sem problemas.
Não vou fazer comentários sobre a formação de um Governo, porque sei a dificuldade que deve ser encontrar as pessoas certas para o cargo
Uma das suas bandeiras de governação é a habitação, com a entrega de mais de 1.600 casas desde o início do mandato. Contudo, no Governo de Luís Montenegro, este ministério desapareceu… Concorda?
Tudo o que é ministérios é o primeiro-ministro que deve pensar como os quer organizar. Se olharmos para estes anos, houve um ministério e nós vimos os resultados. Por isso, quero é que este Governo dê respostas. Nós pusemos 300 milhões de euros no IHRU (Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana), que depende do Governo, em propostas para habitação. Só tivemos ainda aprovação para 100 milhões. Estou preocupado é que não me aprovem o resto. Se for um ministro ou um secretário de estado, eu quero é que se resolva.
Portanto, não vou fazer comentários sobre a formação de um Governo, porque sei a dificuldade que deve ser encontrar as pessoas certas para o cargo. O primeiro-ministro deve ter total liberdade, mas aquilo que nós podemos julgar como cidadãos são os resultados. Quero é os resultados e vou bater-me por eles. Mas sou sempre pelos lisboetas. Se o Governo é da AD, fico muito feliz. Aliás, felicitei ontem o primeiro-ministro pelas ideias claras e o foco, mas estarei ali para chatear os ministros para resolvermos os problemas que temos.
Governa em Lisboa sem maioria e o seu exemplo tem sido usado no contexto nacional atual. Que conselhos daria ou deu a Luís Montenegro?
Não tenho de lhe dar conselhos. Aliás, aprendo muito com ele. Somos amigos há muitos anos e não dou nenhum conselho especial porque não se pode comparar o país com a cidade. Mas ele sabe as dificuldades que tenho tido. Governar em minoria faz parte de um exercício constante de negociação, de ouvir, de muitas vezes ter de pôr gelo nos pulsos, mas é um exercício enorme. E tenho mostrado que é possível. Estar em minoria é o novo normal nos países europeus. Ontem estive com a embaixadora da Holanda - eles nem governo conseguiram eleger. Nós conseguimos eleger o presidente da Assembleia da República em dois dias, acho que não é mau. Portugal não estava tão habituado, mas isto é o normal dos tempos que correm.
Estaria completamente fora de questão estar dentro de qualquer Governo
Gostaria de ter integrado este elenco governativo? Houve algum convite?
Nem pense nisso. Não houve nem poderia haver. O primeiro-ministro sabe muito bem que dou muita importância a estar nos mandatos de corpo e alma. E estar de corpo e alma não é estar sempre a pensar no que vem depois. Isso é o pior dos políticos. Estou aqui. Por isso estaria completamente fora de questão integrar qualquer Governo. E, aqui entre nós, é muito melhor ser presidente da Câmara de Lisboa.
A oposição também tem uma resposabilidade de estabilidade
Conhecendo bem a Europa, e face aos resultados das eleições legislativas, acha que o Chega pode vencer as eleições europeias? Como viu este arranque atribulado na Assembleia da República?
Em primeiro lugar, tenho muita esperança que nas eleições europeias a AD ganhe, porque é um dos partidos com maior tradição em termos europeus, com pessoas muito competentes. Aliás, é interessante ver como essas pessoas vieram agora para ministros: Graça Carvalho, por exemplo, e já nem falo de Paulo Rangel ou José Manuel Fernandes. E o PSD, com a AD, obviamente, tem aqui uma hipótese enorme de ganhar e de mostrar o que vale.
E claro que há populismo, claro que há. E agora com o Chega, que teve este resultado. Mas espero bem que a AD ganhe. Vou fazer de tudo por isso. Penso que é um momento muito crucial para as pessoas... Votar em partidos populistas na Europa explica-se com a teoria da ferradura, onde tanto a extrema-direita como a extrema-esquerda votam exatamente nas mesmas coisas. E vivi isso durante cinco anos.
Portanto, votar nos extremos nas europeias é um erro. Porque é uma instituição que só funciona com os moderados. A União Europeia é a base disto tudo e o porto de abrigo do mundo. Espero que os populistas não consigam ganhar, quer sejam eles de Esquerda ou Direita. E é aqui que é preciso mudar, liderar com as pessoas e não para. Mas estou confiante de que a AD vai ganhar. Se estiver enganado estarei aqui para me retratar.
Sobre o impasse na Assembleia da República. Como disse, dois dias não me parece que seja uma coisa tão terrível como isso em termos europeus. Mas acho que houve responsabilidade da AD e do PS, e acho que essa responsabilidade deveria ser aproveitada. A oposição também tem uma responsabilidade de estabilidade, de fazer este Governo durar para que possa exercer o seu mandato.
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