Fotógrafo profissional há 50 anos, tantos quantos a revolução do 25 de Abril de 1974, Jorge Dias vive e trabalha, desde então, naquela cidade do litoral do distrito de Coimbra. Na noite de 24 de abril, cerca de duas horas antes de as tropas saírem dos quartéis e avançarem para Lisboa, o então furriel miliciano, que prestava serviço no antigo Regimento de Artilharia Pesada (RAP 3) deteve, acompanhado pelo capitão Dinis de Almeida, o comandante da unidade militar.
"O quartel estava fechado, o comandante entrou às 21h00 e nós fomos deter o comandante logo às 21h30, o que era um contrassenso, uma vez que a ordem para avançar era a partir das 22h30 ou 23h00", disse Jorge Dias à agência Lusa.
No quartel da zona da Lapa, onde depois esteve instalada a Escola Prática de Serviços e Transportes do exército português e que, nos dias de hoje, alberga o Centro de Formação da GNR, Jorge Dias tinha sido contactado por Dinis de Almeida, que, sabendo da inclinação política do jovem militar natural da Marinha Grande - era próximo do PCP -, o desafiou para o acompanhar.
O fotógrafo, que haveria de retratar a movimentação de tropas no RAP 3 na madrugada de 25 de Abril, bem como os festejos dos dias seguintes e as manifestações de 27 de abril e do 1.º de Maio, conta que desarmou a sentinela da messe dos oficiais e, ato contínuo, acompanhou Dinis de Almeida aos aposentos do comandante, onde o capitão deu voz de prisão ao oficial, depois de também o desarmar.
"Nós, de facto, atuámos às nove e pouco da noite. Entre as 21h30 e as 22h00, tínhamos o assunto resolvido, a primeira situação estava resolvida", realçou.
Questionado pela Lusa se essa atuação levada a cabo antes de serem transmitidas as senhas radiofónicas da revolução - a primeira, a música 'E Depois do Adeus', de Paulo de Carvalho, transmitida às 22h55, e a 'ordem' de saída dos quartéis com 'Grândola Vila Morena', de Zeca Afonso, às 00h20 - pôs em risco os executantes, Jorge Dias concordou.
"Possivelmente, estaríamos a pôr a nossa vida em risco, mas os riscos são sempre coisas que temos de correr. Mas tínhamos quase a certeza de que, efetivamente, isto [a revolução] não ia falhar. Se tivesse dado para o torto, não estaríamos aqui hoje da mesma forma", observou.
A 27 de abril, a Figueira da Foz viria a assistir, nas palavras de Jorge Dias, a uma manifestação muito participada, exponencial, com milhares de pessoas nas ruas a celebrarem a liberdade.
A concentração de cidadãos começou com o regresso ao RAP 3 dos militares que tinham ido para Lisboa e o cortejo percorreu a baixa da cidade (nomeadamente a comercial rua da República) e zona ribeirinha, antes de passar junto ao outro quartel então existente na cidade, o Centro de Instrução e Condução Auto (CICA 2), cujas instalações serviram, mais tarde, para alojar a PSP e a extinta Universidade Internacional.
A manifestação terminou no largo fronteiro ao RAP3, onde se reuniu uma multidão que aplaudiu os militares, muitos dos quais estavam numa varanda do primeiro piso, conforme demonstra uma fotografia precisamente captada por Jorge Dias.
"Foi uma coisa inesquecível, que só as fotografias podem provar e não deixar que as pessoas se esqueçam", argumentou o ex-militar.
Hoje, aos 73 anos - cumpre 74 no Dia da Cidade da Figueira da Foz, em 24 de junho - Jorge Dias admite que os acontecimentos do 25 de Abril "mudaram em parte" a sua vida, já que optou por seguir o 'chamamento' da fotografia (que já vinha de miúdo) na cidade onde retratou a revolução.
"Mas a minha vida continua num impasse. Eu entendo que o 25 de Abril está por cumprir e há muitas coisas que têm de ser feitas, como, por exemplo, sermos mais honestos para que isto funcione o melhor possível, que as pessoas não vão empobrecendo, os jovens deixem de emigrar e o país tenha uma melhoria a olhos vistos", enfatizou.
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