Ricardo, Francisco, Gabriel, José: Quem são as vítimas do naufrágio
Cada uma das vítimas do naufrágio em Troia pagou 50 euros pelo passeio.
Marta Amorim | 09:18 - 09/04/2024© Autoridade Marítima Nacional
País Naufrágio em Tróia
Um grupo de operadores marítimo-turísticos, da zona de Setúbal e Sesimbra, juntou-se para denunciar aquilo que considera uma prática "perigosa", além de ilegal. São "várias" as embarcações que, não tendo licença ou segurança, levam pessoas à pesca, cobrando-lhes um valo monetário.
A tragédia em Troia - que fez duas vítimas mortais e dois desaparecidos - dizem, pode ocorrer mais vezes se nada for feito.
"São embarcações de recreio, como é o caso desta, que cobram dinheiro e levam pessoas à pesca. É recorrente, é o prato do dia. Não têm licenças. As únicas embarcações que o podem fazer são as que estão afetas à marítimo-turística. E ter demorado tanto a acontecer um acidente como este foi uma sorte", revela ao Notícias ao Minuto Márcio Monteiro, porta-voz do grupo.
De há meses para cá, um grupo de 12 operadores marítimo-turísticos, homens e mulheres, tem denunciado às autoridades o nome de várias pessoas e embarcações que atuam ilegalmente na zona. Consideram que além de acarretar perigos de segurança para os passageiros, uma vez que não têm seguro ou registo para a prática profissional, estas embarcações comprometem a reputação do setor na região. Para lá disso, excedem muitas vezes o limite diário de 25kg de pescado.
Manuel Coelho, o timoneiro da embarcação que naufragou em Troia no domingo, naufrágio este que provocou duas vítimas mortais e dois desaparecidos, é "conhecido" deste grupo. Apesar de não ser um nome dos já denunciados pelo grupo de operadores, sabe-se que o mestre tinha por hábito anunciar "vagas" para a pesca na sua página de Facebook - entretanto desativada.
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"Isto está a tornar-se um bocadinho contraditório, e o comandante da Polícia Marítima esteve muito mal nas declarações que fez quando veio dizer que o grupo eram todos amigos e que não havia contrapartida. Isso é mentira. Inclusive, essa pessoa fazia publicidade na Internet em como tinha vagas para ir à pesca", acusa Márcio Monteiro.
De facto, e segundo informações de familiares das vítimas ao jornal Setubalense, o passeio, que deveria ter resultado numa farta pescaria e não em mortes, custou 50 euros a cada passageiro.
"Estas pessoas não têm seguro. No caso de uma fatalidade destas, ninguém se responsabiliza. Ninguém se vai responsabilizar neste caso. Já denunciámos à Polícia Marítima, à Autoridade Tributária, ASAE e Turismo de Portugal", insiste o porta-voz do grupo, que assinala a frustração por nunca ter obtido resposta por parte destas entidades.
"Ainda a semana passada chamámos a Polícia Marítima, devido a uma embarcação que estava à pesca com seis pessoas", lamenta Mário.
Frise-se que para o exercício de pesca lúdica é obrigatória a licença, que pode ser obtida em qualquer caixa Multibanco, nos serviços da Direção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos (DGRM) ou nas Direções Regionais de Agricultura e Pescas. A dispensa só acontece no caso de menores de 16 anos, explica a DGRM, quando acompanhados por um titular de licença de pesca lúdica.
Além disso, as embarcações têm de estar obrigatoriamente registadas no recreio ou na atividade marítimo-turística.
O exercício da pesca lúdica sem ser possuidor da respetiva licença é punível com coima de 200 a 2000 ou de 500 a 20.000 euros consoante o agente seja pessoa singular ou coletiva (alínea h) do nº 1 do artigo 14º do DecretoLei nº 246/2000 na redação dada pelo Decreto-Lei nº 101/2013 de 25 de julho).
O Notícias ao Minuto contactou a Polícia Marítima, a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) e o Turismo de Portugal para mais esclarecimentos e ainda aguarda respostas.
Colete não era obrigatório e embarcação tinha registo polaco
Apenas Francisco Neves, de 11 anos, levava colete naquela fatídica manhã. Nenhum dos três passageiros adultos a bordo usava colete salva-vidas e, em Portugal, o uso permanente do colete não é obrigatório. Apesar das recomendações das autoridades, é obrigatório apenas durante a atividade da pesca.
Note-se ainda que o 'Lingrinhas', o barco naufragado, tem registo em Gdansk, na Polónia. A prática permite que o proprietário tenha menos exigências do que aquelas que teria ao abrigo da lei portuguesa, sendo os registos mais baratos.
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O naufrágio da embarcação, na qual seguiam quatro homens e um rapaz, que iam à pesca de choco, terá acontecido por volta das 7h00 de domingo, mas a Polícia Marítima só recebeu o alerta às 10h05.
O timoneiro e proprietário do barco, um homem de 62 anos, foi resgatado com vida do mar por outro barco que passou na zona, e, ainda no domingo, foram retirados do mar os corpos do rapaz, de 11 anos, cujo pai, com cerca de 45 anos, ainda está desaparecido, e o de um adulto, de 30 anos, cujo irmão, de 21, é o outro desaparecido.
Esta quarta-feira, avançou a Polícia Marítima, as buscas foram alargadas "a 12 milhas náuticas".
Ministério Público abriu inquérito
O Ministério Público (MP) iniciou uma investigação criminal na sequência do naufrágio, revelou esta terça-feira a Procuradoria-Geral da República.
"O mesmo é dirigido pelo Ministério Público de Grândola", avançou a mesma fonte.
À Lusa, o capitão do Porto de Setúbal e comandante-local da Polícia Marítima, Serrano Augusto, explicou que, além do "inquérito de sinistro marítimo" que mandou instaurar, como o naufrágio provocou vítimas mortais também comunicou esses dados ao MP.
"A partir do momento que há um morto", e neste caso há já duas vítimas mortais e ainda duas pessoas que estão desaparecidas, "há um processo-crime", disse.
Neste caso, "foi extraída uma certidão e comunicado ao MP" por si próprio, "enquanto comandante-local da Polícia Marítima".
Já o inquérito de sinistro marítimo, que foi mandado instaurar por Serrano Augusto enquanto "capitão do Porto de Setúbal", está "a correr termos e pretende averiguar as causas do acidente marítimo".
"Sempre que há um acidente com uma embarcação, é instaurado um processo destes para investigar as respetivas causas", fez sobressair.
Posteriormente, continuou, "na sequência das causas que vierem a ser apuradas, pode ou não haver matéria contraordenacional no cumprimento de algumas normas, regras, editais e leis estabelecidas". "Por norma, essas contraordenações, caso sejam decididas, são aplicadas pelo capitão do porto ao proprietário ou ao timoneiro da embarcação", afirmou.
Mas, no caso do naufrágio ocorrido a cerca de milha e meia (aproximadamente três quilómetros) de Troia, no domingo, em que o timoneiro e proprietário da embarcação afundada foi resgatado com vida, ainda não há conclusões: "Está tudo em averiguações", frisou Serrano Augusto.
"Decorrem os trâmites de averiguações e vão ser feitas todas as diligências necessárias que visam apurar os factos, as quais podem incluir perícias técnicas, se necessário perícias policiais e uma série de diligências", precisou.
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