De acordo com a mesma fonte, a juíza a quem foi atribuído o julgamento recorreu na quarta-feira para o Supremo Tribunal Administrativo de um pedido de escusa do caso - devido a relações pessoais com o representante de uma das partes -, que um tribunal de segunda instância tinha recusado.
O julgamento do pedido de impugnação da autarquia à multa de 1,25 milhões de euros, determinada pela Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) por o município ter divulgado junto de várias entidades dados pessoais de manifestantes e ativistas, decorrerá no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa.
Esta é a instância que o Tribunal da Relação considerou competente para julgar o caso, no seguimento de diversos procedimentos e de recursos que levantaram dúvidas acerca de qual seria o juízo habilitado.
Estes procedimentos, nomeadamente a demora para decidir qual o tribunal competente, podem levar à prescrição de diversos elementos importantes para o processo, explicou fonte judicial à Lusa.
Em janeiro de 2022, a Câmara de Lisboa, dirigida por Carlos Moedas (PSD), impugnou a multa que a CNPD atribuiu ao município por violações do Regulamento Geral de Proteção de Dados ao "comunicar os dados pessoais dos promotores de manifestações a entidades terceiras".
A CNPD identificou 225 contraordenações nas comunicações feitas pelo município no âmbito de manifestações, comícios ou desfiles.
Em causa está um processo aberto na sequência de uma participação - que deu entrada na CNPD em 19 de março de 2021 - relativa à comunicação pela autarquia de Lisboa, quando era presidida por Fernando Medina (PS), à embaixada da Rússia em Portugal e ao Ministério dos Negócios Estrangeiros russo. Foram enviados dados pessoais dos promotores de uma manifestação realizada junto à embaixada.
Os ativistas, dissidentes do regime russo, tinham realizado em janeiro de 2021 um protesto pela libertação do opositor do Governo russo Alexey Navalny, e argumentaram que a Câmara Municipal de Lisboa pôs em causa a sua segurança e a dos seus familiares na Rússia aquando da divulgação dos seus dados.
O caso "Russiagate", como ficou conhecido, foi noticiado em junho de 2021, em plena pré-campanha para as eleições autárquicas, levando a uma série de protestos, desde a Amnistia Internacional aos partidos políticos.
Fernando Medina disse que soube do caso através da comunicação social e pediu "desculpas públicas" pela partilha dos dados, assumindo que foi "um erro lamentável que não podia ter acontecido".
Um mês depois de ser divulgação de dados às autoridades russas, a Câmara de Lisboa aprovou por maioria a exoneração do encarregado de proteção de dados do município.
Na apresentação de uma auditoria interna sobre o assunto, Fernando Medina reconheceu que a autarquia desrespeitou reiteradamente um despacho de 2013, assinado por António Costa, presidente do município à data, no qual dava "ordem de mudança de procedimento no sentido de só serem enviados dados à Polícia de Segurança Pública e ao Ministério da Administração Interna".
Em junho de 2021, o embaixador da Rússia em Portugal, Mikhail Kamynin, afirmou que a embaixada eliminou os dados dos manifestantes, frisando que as informações não foram transmitidas a Moscovo.
Em fevereiro de 2023, os três ativistas visados anunciaram que iriam processar a autarquia, exigindo uma indemnização de 120 mil euros como "reparação dos danos morais sofridos", uma vez que a multa pedida pela CNPD "não beneficiou nenhuma pessoa ou entidade vítima desta prática reiterada de partilha indevida de dados pessoais".
Segundo fonte ligada a este outro processo, o julgamento do pedido de indemnização pelos ativistas ainda não foi agendado e o seu resultado é "independente da decisão relativamente ao pagamento da multa pela câmara, mesmo que este prescreva no todo ou em parte".
Leia Também: Dois menores entre grupo de imigrantes sem-abrigo nos Anjos, em Lisboa