Dias após o jantar com a Associação da Imprensa Estrangeira em Portugal, as declarações polémicas do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, continuam a dar que falar. No sábado, o chefe de Estado veio explicar a questão da reparação às ex-colónias, considerando que esta é uma "realidade que já começou há 50 anos" e que Portugal tem de ter "formas de reparar" as consequências do colonialismo. No entanto, o Governo já fez questão de esclarecer que "não está em causa nenhum processo para a reparação do passado colonial".
A polémica, recorde-se, estalou na passada quarta-feira quando as declarações de Marcelo vieram a público. Num jantar no dia anterior, afirmou que Portugal tem de "pagar os custos" do colonialismo.
"Há ações que não foram punidas e os responsáveis não foram presos? Há bens que foram saqueados e não foram devolvidos? Vamos ver como podemos reparar isto", afirmou Marcelo Rebelo de Sousa, frisando que Portugal "assume toda a responsabilidade".
Já no sábado, à margem da inauguração do Museu Nacional da Resistência e da Liberdade, em Peniche, o Presidente da República foi instado a esclarecer as suas declarações, tendo sublinhado que, ao longo da sua presidência, tem defendido que Portugal tem de "liderar o processo" em diálogo com as ex-colónias.
Para o chefe de Estado, a "reparação" passaria, por exemplo, pelo perdão de dívidas, cooperação e financiamento. "Não podemos meter isto debaixo do tapete ou dentro da gaveta. Temos obrigação de pilotar, de liderar este processo, porque se nós não o lideramos, assumindo, vai acontecer o que aconteceu com países que, tendo sido potências coloniais, ao fim de x anos perderam a capacidade de diálogo e de entendimento com as antigas colónias", alertou.
Governo esclarece: "Não esteve e não está em causa nenhum processo"
Após a explicação de Marcelo, o Governo esclareceu que "não esteve e não está em causa nenhum processo ou programa de ações específicas com o propósito" de reparação pelo passado colonial português e defendeu que se pautará "pela mesma linha" de executivos anteriores.
"A propósito da questão da reparação a esses Estados e aos seus povos pelo passado colonial do Estado português, importa sublinhar que o Governo atual se pauta pela mesma linha dos Governos anteriores. Não esteve e não está em causa nenhum processo ou programa de ações específicas com esse propósito", referiu o executivo, em comunicado da Presidência do Conselho de Ministros.
O que dizem os partidos?
O secretário-geral do Partido Comunista Português (PCP), Paulo Raimundo, não esclareceu se concorda ou não com a posição do Presidente da República, mas reconheceu que "há um espaço de cooperação e há uma disponibilidade muito grande desses países para a cooperação em várias áreas, em várias frentes".
O comunista afirmou ainda, em Peniche, que "há uma história que não pode ser esquecida" e que essa "é uma grande exigência que o povo português e o povo da das ex-colónias têm para com a verdade e para com as gerações futuras".
Já o candidato às eleições europeias da Iniciativa Liberal (IL), João Cotrim Figueiredo, afirmou que se tratavam de declarações "absolutamente inaceitáveis" e alertou que quanto "mais fraco" e menos respeitado for o Presidente da República, mais dificuldade terá em ser fiel do regime.
"Vocês não acham que as apreciações étnicas ou sociológicas de outros titulares de cargos públicos, presentes ou passados, são absolutamente inaceitáveis? Vocês não acham que as tentativas desastradas de fazer uma espécie de reinterpretação criativa da história enfraquece a instituição da Presidência da República, enfraquecem a democracia e fragilizam a liberdade?", questionou, num jantar comício em Almada, Setúbal, para dizer de imediato que "a resposta é sim".
Este domingo, o Chega anunciou que vai apresentar na próxima semana, na Assembleia da República, um voto formal de condenação ao Presidente da República por considerar que as palavras de Marcelo Rebelo de Sousa representam "uma traição ao povo português e à sua História".
Ainda antes das explicações de Marcelo e do esclarecimento do Governo, o líder do Chega, André Ventura, afirmou que apresentará uma moção de censura ao Governo caso Luís Montenegro avance com algum tipo de indemnização às ex-colónias.
"Não sei se as declarações do Presidente foram infelizes ou foram só declarações politicamente infundadas. Mas há uma coisa que eu quero que fique clara no país: no dia em que este Governo português der a compensação que seja, ou a indemnização que seja a um antiga colónia, desonrando brutalmente a nossa História, podem ter a certeza de uma coisa: a moção de censura ao Governo entra nesse dia", afirmou, no Parlamento, na passada sexta-feira,
Para o líder do Chega, esta possibilidade violaria "brutalmente os deveres que o Governo e o Presidente têm com a sua pátria".
[Notícia atualizada às 10h27]
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