A semana ainda vai no início, mas o anúncio de dezenas de medidas no plano das migrações já prometeu marcar os próximos dias. Na segunda-feira, o Governo anunciou 41 medidas – que vão desde o reforço da Agência para a Integração Migrações e Asilo (AIMA) à extinção do procedimento de Manifestação de Interesse –, com o primeiro-ministro, Luís Montenegro, a sublinhar que a política de migrações proposta não é "nem de portas fechadas, nem de portas escancaradas".
"Bem sei que soa a 'soundbite', mas queria que compreendessem que, apesar de soar assim, este princípio encerra em si mesma uma política que tem objetivos e uma filosofia concretos. É preciso regular a migração para dar dignidade às pessoas", explicou.
Para o líder do Governo são precisos mais "recursos humanos" em Portugal, desde a área mais “simples à função mais qualificada”.
Que medidas anunciou o Governo?
- Extinguir o procedimento de Manifestações de Interesse;
- Reforçar a capacidade de resposta e processamento nos Postos Consulares;
- Priorizar canais de entrada para reagrupamento familiar, jovens estudantes e profissionais qualificados;
- Criar Estrutura de Missão para resolver os +400 mil processos pendentes;
- Intervir de forma urgente nas infraestruturas, sistemas informáticos e bases de dados do controlo de fronteiras existentes;
- Recuperar o atraso na implementação dos novos sistemas de controlo de fronteiras;
- Mitigar os elevados níveis de congestionamento e atrasos que se verificam nos postos de fronteiras dos aeroportos de Lisboa e Faro;
- Reforçar o enquadramento operacional do Acordo de Mobilidade CPLP;
- Confirmar e executar os compromissos de reinstalação e recolocação de beneficiários e requerentes de proteção internacional;
- Desenvolver e executar o Plano Nacional para a Implementação do Pacto para as Migrações e Asilo da União Europeia;
- Aumentar a capacidade dos Espaços Equiparados a Centros de Instalação Temporária (EECITs);
- Construir novos Centros de Instalação Temporária (CIT), assegurando o apoio jurídico e da sociedade civil;
- Instituir mecanismos de celeridade processual a aplicar nos processos de recursos judiciais, em sede de imigração e asilo;
- Garantir a eficiência e eficácia do sistema de retorno, unificando estas competências nas forças policiais;
- Criar uma equipa multi-forças de fiscalização para combater abusos (tráfico seres humanos, imigração ilegal, exploração laboral e violação de direitos humanos);
- Auditar os processos de avaliação linguística para a obtenção de nacionalidade portuguesa;
- Instituir um sistema de atração de capital humano alinhado com as necessidades do país;
- Melhorar o processo de reconhecimento de qualificações e competências;
- Promover a formação profissional e capacitação de cidadãos estrangeiros;
- Realizar um Levantamento de Necessidades Laborais, alinhando a oferta e a procura de trabalhadores estrangeiros e o seu acolhimento programado;
- Promover a atração e frequência de alunos estrangeiros nas Instituições de Ensino Superior portuguesas;
- Aumentar as vagas para requerentes de asilo e refugiados nos centros de acolhimento;
- Aumentar a capacidade das Unidades Residenciais especializadas para acolhimento de emergência de menores não acompanhados;
- Aumentar a capacidade de alojamento temporário e urgente para imigrantes, refugiados e beneficiários de proteção internacional;
- Promover a integração profissional de imigrantes no mercado de trabalho nacional;
- Criar Centros de Acolhimento Municipal/Intermunicipal de Emergência para imigrantes, em cooperação com os Municípios;
- Implementar projetos de integração em bairros muito críticos sob coordenação municipal;
- Reforçar oferta, cobertura e frequência do ensino do Português Língua Não Materna (PLNM);
- Disponibilizar materiais e orientações multilíngues, incluindo em português funcional;
- Simplificar o processo de concessão de equivalências no ensino básico;
- Promover e gerir o acesso dos imigrantes ao Serviço Nacional de Saúde;
- Criar instrumentos de canalização de capital privado para investimento social em projetos de integração de imigrantes;
- Criar a Unidade de Estrangeiros e Fronteiras na PSP;
- Restruturação das competências e organização interna da AIMA;
- Reforçar os recursos humanos e tecnológicos da AIMA, criando um incentivo à produtividade e desempenho;
- Transferir a competência de atendimento presencial dos pedidos de renovação de autorização de residência do IRN para a AIMA;
- Alargamento do serviço presencial disponível para o cidadão imigrante pedir os seus identificadores setoriais (NIF, NISS, NNU);
- Restituir o Observatório das Migrações enquanto organismo do Estado para informar política pública;
- Redefinir e autonomizar o Conselho para as Migrações e Asilo, enquanto órgão consultivo do Governo;
- Reforçar o apoio financeiro às associações de imigrantes e da sociedade civil que operam no setor;
- Fortalecer as respostas de proximidade através dos Centros Locais de Apoio à Integração de Migrantes (CLAIM)
"Situação urgentíssima"
Se durante o anúncio Montenegro considerou o tema das migrações “incontornável”, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa não demorou a ir ao seu encontro, considerando que existe por cá uma "situação urgentíssima de regularização" de milhares de processos pendentes de "autorização de residência".
Cerca de três horas depois do anúncio de Montenegro, Marcelo promulgou o diploma do Governo em causa, e numa nota publicada no site da Presidência da República, considerou que o diploma em causa respeita as situações existentes até ao momento, mas também "evita sobrecarregar os processos de regularização em curso com novas manifestações de interesse, admitidas na legislação anterior".
E para além das medidas, que mais diz o Governo?
Já à noite, o ministro da Presidência, António Leitão Amaro, deu uma entrevista à SIC Notícias, onde o tema das migrações esteve em cima da mesa.
O governante recusou “fixar um prazo” para ter a AIMA a funcionar normalmente, dado que não quer "induzir mais frustração de expectativas nas pessoas", mas garantiu que iria ser feita uma “avaliação permanente”.
Leitão Amaro afirmou, no entanto, que é expectável que, "numa matéria de meses", os centros operacionais anunciados pelo Governo para o tratamento dos processos em atraso na AIMA - ao todo, cerca de 400 mil - resolvam "as pendências todas".
O ministro considerou também que os atrasos registados na AIMA eram uma “indignidade” e admitiu pedir "o apoio de pessoas que estavam no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras [organização já extinta] e transitaram para outras instituições".
Leitão Amaro considerou, no entanto, que a responsabilidade da situação não pertencia àqueles que estão na agência, atirando farpas ao anterior Executivo. O ministro afirmou que o atual estado da agência e da imigração em Portugal é "uma herança pesadíssima que os trabalhadores da AIMA têm enfrentado e que agora temos que resolver".
“A responsabilidade da situação a que chegamos hoje, da causa, não é a direção da AIMA nem o seu presidente, é a soma de erros e incapacidade na extinção do SEF e dotação de meios da AIMA do Governo anterior”, afirmou.
E os partidos?
A coordenadora do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, acusou o Governo PSD/CDS-PP de incentivar a imigração indocumentada no país com o novo plano para as migrações, criticando a extinção do mecanismo de manifestação de interesse, mecanismo que reconhece que tinha "problemas na aplicação prática", mas que permite que a um imigrante pedir para obter um visto de residência em Portugal. Na opinião de Mariana Mortágua, esta extinção abre "um vazio legal".
Já o líder do Chega, André Ventura, considerou que o plano revelado pelo Governo "acaba por se revelar frouxo, mal formado, pouco eficaz e pouco conseguido". "Se este plano se mantiver com este nível de inconsequência e ineficácia, não terá nenhuma hipótese de passar na Assembleia da República", indicou.
Já a Iniciativa Liberal espera que o Partido Social Democrata leve o Plano de Ação para as Migrações apresentado até ao fim e "não se fique pelas meias-tintas". "Esperamos que [o plano] não fique apenas pelas meias-tintas como tem sido apanágio do PSD", afirmou o cabeça de lista ao Parlamento Europeu, João Cotrim de Figueiredo.
A líder da Nova Direita, Ossanda Líber, manifestou-se agradada com o Plano de Ação para as Migrações do Governo, porque vai ao encontro de propostas do seu partido e a atual legislação permite abusos. O plano contém "várias medidas bastante adequadas e que provavelmente vão trazer aqui alguma acalmia a toda esta situação relativa à imigração", afirmou a cabeça de lista da Nova Direita às eleições europeias de 9 de junho.
Já o secretário-geral do PCP considerou que o plano para migrações do Governo vai potenciar a imigração ilegal e não responde aos processos de regularização pendentes, e anunciou que o partido vai apresentar um diploma para reforçar a AIMA. Em declarações aos jornalistas na Feira do Livro, Paulo Raimundo considerou que o plano "é igual aos que têm sido apresentados pelo Governo".
Já o secretário-geral do Partido Socialista considerou "vago" o plano do Governo para as migrações e advertiu que o fim da figura jurídica da manifestação de interesse criará um "vazio" legal e novos problemas, dificultando a regularização de imigrantes.
Tendo ao seu lado a líder parlamentar socialista, Alexandra Leitão, e o "vice" da bancada do PS, Pedro Delgado Alves, Pedro Nuno Santos começou por manifestar dúvidas sobre o sucesso de alterações ao nível da lei de estrangeiros no controlo de fluxos migratórios, contrapondo que é na "regulação e fiscalização do mercado de trabalho que as medidas podem ter maior impacto".
Em relação ao plano do Governo, o secretário-geral do PS disse "acompanhar objetivos de reforço dos meios da AIMA (Agência para a Integração, Migrações e Asilo) e dos serviços consulares".
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