A mãe das gémeas, Daniela Martins, vai prestar declarações já na sexta-feira, na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre o caso das gémeas luso-brasileiras, que foram tratadas em 2020 com o medicamento Zolgensma, enquanto o filho do Presidente da República, Nuno Rebelo de Sousa, não está disponível para fazê-lo. O ex-secretário de Estado Adjunto e da Saúde, António Lacerda Sales, foi o primeiro a falar na segunda-feira.
A polémica 'estalou' nos meios de comunicação social e o caso está a ser investigado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e a Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) já concluiu que o acesso à consulta de neuropediatria destas crianças foi ilegal.
As duas crianças gémeas são residentes no Brasil. Adquiriram nacionalidade portuguesa e receberam o medicamento Zolgensma, para controlar a atrofia muscular espinal, que tem um custo de dois milhões de euros por pessoa.
Filho do Presidente da República recusou ser ouvido (por ser um dos visados no processo-crime)
Nuno Rebelo de Sousa disse 'não' à CPI. O advogado terá comunicado ao Parlamento que o seu cliente não está disponível para prestar declarações, nem enviar documentos, uma vez que é um dos visados no processo-crime sobre o tratamento administrado às meninas, segundo notícia avançada na terça-feira pela CNN Portugal.
Assim, o filho de Marcelo Rebelo de Sousa pretende apenas prestar esclarecimentos ao Ministério Público (MP), referiu Rui Patrício.
"Não pretenderá o Senhor Dr. Nuno Rebelo de Sousa prestar qualquer depoimento na Comissão Parlamentar de Inquérito em causa ou fornecer qualquer esclarecimento ou ponderar fornecer qualquer documento, e, aliás, não apenas perante a CPI, mas perante qualquer outra entidade que não a entidade dominus do inquérito criminal que, como é público, o Ministério Público está a conduzir", lê-se na carta assinada por Rui Patrício, advogado do filho do Presidente da República.
No entanto, o filho de Marcelo Rebelo de Sousa, que reside no Brasil, "não exclui, evidentemente, poder vir a Portugal em momentos futuros e, sendo tal possível, conveniente e útil para os trabalhos dessa Comissão, estar presente em audição".
Hoje, às 14h00, a comissão parlamentar de inquérito vai analisar, em reunião de mesa e coordenadores, a resposta de Nuno Rebelo de Sousa à convocatória para audição.
Quem é o próximo a depor na CPI? A mãe das gémeas (e "por videoconferência")
Em sentido contrário, Daniela Martins vai (mesmo) depor na CPI na próxima sexta-feira, 21 de junho, às 14h00. A mulher estará presente através de videoconferência por ser "a única cuidadora das duas filhas".
Segundo o seu advogado Wilson Bicalho, para estar presencialmente em Portugal, Daniela "teria que se ausentar de casa quatro a cinco dias, longe das filhas, [e] não considera que seja pertinente algo que possa fazer sem prejuízo das crianças".
Até ao momento, não está agendada qualquer audição ao pai das meninas, uma vez que o Parlamento ainda não teve resposta.
Quem são os próximos a prestar declarações à CPI sobre as gémeas?
Constituída por 17 deputados, a comissão terá quatro meses para concluir o seu trabalho, tendo sido definido que as audições deverão acontecer pelo menos duas vezes por semana.
No âmbito deste processo, a CPI ainda aprovou os pedidos de depoimento do Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa - que poderá depor por escrito -, do chefe da Casa Civil da Presidência da República, Fernando Frutuoso de Melo, e da assessora do chefe de Estado para os assuntos sociais, Maria João Ruela.
Entre outras, também foram aprovadas as audições da jornalista Sandra Felgueiras, da ex-ministra da Justiça Catarina Sarmento e Castro, da ex-secretária de Estado das Comunidades Portuguesas Berta Nunes e da ex-presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte e atual ministra da Saúde, Ana Paula Martins.
O advogado da família e a presidente do Instituto dos Registos e Notariado, Filomena Rosa, também poderão ser ouvidos no âmbito do processo de naturalização das crianças.
Lacerda Sales já falou e invocou (maioritariamente) o "direito ao silêncio"
Lacerda Sales foi o primeiro a ser ouvido no Parlamento e, numa declaração inicial, deu conta de que o relatório da IGAS "tem pontas soltas", com "várias contradições" que "colocam em causa as mais variadas conclusões. Considerando que é fundamentado com base em meros indícios e suposições", garantiu não poder "aceitar as conclusões" do documento.
Reiterou ainda que "não houve favorecimento destas crianças" e que "ninguém passou à frente de ninguém, pois não havia sequer lista de espera", salientando que "a administração dos medicamentos é sempre em função do critério clínico". "No meu gabinete não entrou nenhum ofício vindo do primeiro-ministro, do Presidente da República ou da ministra, nem de ninguém que pudesse hierarquicamente estar acima de mim", afirmou.
O ex-governante decidiu usar o seu "estatuto de arguido" que lhe confere "o direito de manter o silêncio" para não se autoincriminar. Nesse sentido, considerou que "o relatório do IGAS mais parece uma tentativa de responder à pressão mediática" e realçou não estar "disponível para servir de bode expiatório num processo político e mediático a qualquer custo".
"Estou proibido de fazer qualquer declaração sobre factos. Vou manter-me em silêncio em todas as questões", asseverou Lacerda Sales, recordando que decorre um inquérito do Ministério Público que se encontra em segredo de justiça.
De salientar que o presidente da Comissão Parlamentar, o deputado Rui Paulo Sousa (Chega) indicou que os trabalhos vão decorrer até 26 de julho, são suspensos durante o mês de agosto e retomam a 10 de setembro.
[Notícia atualizada às 11h50]
Leia Também: Do "silêncio" ao "bode expiatório". O que disse Lacerda Sales na CPI?