A propósito da agenda anticorrupção, hoje apresentada pelo primeiro-ministro, Luis Montenegro, e pela ministra da Justiça, Rita Alarcão Júdice, o vogal do Conselho Geral da Ordem dos Advogados (OA), Nuno Ricardo Martins, considerou, em reação à Lusa, que este pacote é "no global, uma iniciativa louvável", mas pede atenção à forma como venham a ser implementadas algumas medidas que suscitam "algumas preocupações".
Para Nuno Ricardo Martins, seria importante voltar a ouvir a sociedade civil e os intervenientes judiciais para transformar a agenda apresentada em "bons instrumentos jurídicos e legais, que garantam a transparência, o equilíbrio entre os direitos fundamentais e o direito à presunção da inocência" e que não se vai "mais além do que é necessário".
No alargamento do mecanismo de perda alargada de bens, que o Governo quer alargar em linha com uma diretiva comunitária, o responsável da OA recorda que a perda ampliada já está prevista na lei e pede cuidado com um instrumento que prevê a inversão do ónus da prova, ou seja, não é necessário provar primeiro a culpa para que possa haver uma punição.
"Preocupa-nos como é que isto pode ser feito, o que se quer dizer com este novo paradigma de perda ampliada de bens, portanto, é necessário clareza, explicação cuidada disto, e ter em atenção que esta inversão do ónus da prova não pode ser feita de qualquer forma, vai haver necessidade de uma intervenção legislativa muito meticulosa e muito trabalhada para evitar injustiças e abusos, porque isto facilmente se tornará numa situação de uso muito generalizada por parte dos tribunais quando estivermos perante crimes de corrupção", disse.
Para o vogal do Conselho Geral da AO, reequacionar a fase de instrução processual também não é necessário, sobretudo com o objetivo de acelerar o andamento dos processos, afirmando que "existem já vários mecanismos legais que permitem ao juiz evitar os tais expedientes dilatórios".
"Entendo que esta medida pode até reduzir mais os direitos processuais. A instrução está prevista, porque é efetivamente um direito processual, é útil desde que seja bem utilizada. (...) Há esta pressão mediática de dizer que a instrução é um instrumento dilatório, nós entendemos que não. É um instrumento necessário, essencial, e o juiz tem mecanismos na lei atualmente que permitem afastar todos os expedientes dilatórios, nomeadamente na fase de instrução. Se não o faz é porque entende que não o deve fazer e nesse aspeto não acompanhamos esta posição apresentada hoje", defendeu.
Nuno Ricardo Martins, que é também vogal do Conselho Consultivo do Mecanismo Nacional Anticorrupção (MENAC), concorda com a necessidade de rever o modelo deste organismo, no sentido de o dotar de mais meios humanos e tecnológicos, afirmando que são essenciais para a sua eficácia, dado o "âmbito de atuação de tal forma alargado".
Considerou ainda positivo o princípio da publicitação de todas as decisões dos tribunais, defendendo que "é crucial", e que a eventual colisão com o segredo de justiça, que entende que deve ser exceção e não regra nos processos, pode levar o legislador a ter que olhar novamente para a questão e optar ou por maior restrição no segredo de justiça, ou alargar o princípio da publicidade.
A agenda anticorrupção que o Governo aprovou hoje inclui um "novo mecanismo de perda alargada de bens" em alguns casos sem condenação, medidas de proteção de denunciantes e alargamento de mecanismos premiais.
De acordo com o sumário das medidas, a agenda assenta em três eixos -- prevenção, repressão e educação -, e o executivo pretende aprofundar os instrumentos que levam à perda das vantagens obtidas pela prática de crime, em linha com a legislação comunitária, "assegurando que a perda possa ser declarada relativamente a bens identificados em espécie, por um lado, e que em determinadas condições se possa dispensar o pressuposto de uma condenação por um crime do catálogo", onde se incluem a corrupção, branqueamento de capitais e fraude.
Rita Alarcão Júdice disse que o mecanismo de perda alargada de bens aprovado no âmbito da agenda anticorrupção pode ser aplicado mesmo no cenário de arquivamento de processos.
Ainda no âmbito do processo penal, o executivo admite "reequacionar a amplitude e função da fase processual da instrução, nomeadamente no plano da produção de prova e do controlo incidente sobre a matéria de facto" e reforçar os poderes de condução e gestão do processo dos juízes.
A ministra defendeu também que a fase de instrução dos processos tem de ser revista para evitar que se tornem em pré-julgamentos, considerando que isso é necessário para dar maior celeridade à justiça.
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