Em declarações à Lusa, o investigador José Alexandre Ferreira esclareceu que o protótipo da vacina desenvolvido resulta de mais de uma década de trabalho.
Os investigadores começaram por tentar perceber as alterações de padrões de glicosilação, isto é, como é que os açúcares que cobrem as células se alteram com o cancro e com a progressão da doença.
"Identificámos que as células tumorais mais agressivas, num conjunto de tumores, perdem a capacidade de expressar estes açúcares mais complexos e exuberantes, passando a expressar açúcares imaturos e muito mais simples", referiu o especialista do grupo de Patologia e Terapêutica Experimental do CI-IPOP.
Esta descoberta foi o "ponto de partida" do trabalho que, posteriormente, tentou identificar que proteínas estavam associadas a estes açúcares e entender a sua função biológica.
"Achamos que seria interessante criar ferramentas para ensinar o sistema imunológico a responder a células que tinham estas alterações de glicosilação, que são células muito envolvidas no processo de agressividade da doença e de disseminação", contou.
A investigação passou entretanto por uma série de etapas, culminando no protótipo de vacina, entretanto já patenteado.
Cerca de 80% dos tumores sólidos, tanto em fases iniciais como muito avançadas, expressam estas alterações, "o que significa que o espetro de aplicação é muito grande". Esta alteração nos açúcares foi também identificada nas metástases.
"Temos evidências que se pode encontrar estes padrões de glicosilação em tumores de bexiga, gástricos, colorretal, mas muitos outros", elencou.
Neste momento, a vacina encontra-se em fase pré-clínica, tendo já sido testada 'in vitro' e 'in vivo', nomeadamente, em ratinhos.
"O objetivo era perceber se conseguíamos induzir uma resposta imunitária segura, específica e capaz de reconhecer células tumorais", referiu, dizendo que os resultados validaram a eficácia da vacina.
A par de permitir gerar anticorpos que reconhecem as células tumorais, a vacina demonstrou "criar alguma memória imunológica, o que abre portas para pensar numa proteção contra a recidiva".
Apesar dos "resultados promissores", continuam por superar alguns desafios antes da aplicação clínica, sobretudo relacionados com o ambiente imunossupressor induzido pelos tumores mais agressivos.
A equipa está já a explorar novas moléculas para aumentar a resposta imunitária e a combinar a solução com terapias já existentes.
"É importante que as pessoas percebam os avanços que estão a ser feitos, mas também é importante ressalvar que este é um processo longo de validação para que depois a solução apresentada ao doente seja segura, eficaz e uma mais-valia", acrescentou.
Também à Lusa, o coordenador do grupo de Patologia e Terapêutica Experimental do centro de investigação, Lúcio Lara, salientou que serão necessárias "provas e contraprovas" de que a vacina funciona, é útil, não prejudica os doentes e "pode vir a ser uma boa arma".
Só depois de provado o resultado dos ensaios diante das autoridades responsáveis "será possível desenhar um ensaio clínico", adiantou.
"Temos uma ideia de investigação que é lógica, temos todos os ingredientes para que isto venha a funcionar, estamos na fase pré-clínica para garantirmos que aquilo que esperamos vai ser a evidência que nos permite avançar para a parte clínica", acrescentou.
A investigação contou com a colaboração de especialistas do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (i3S), o Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, Faculdade de Ciências da Universidade do Porto e REQUIMTE - Laboratório Associado para a Química Verde.
[Notícia atualizada às 16h18]
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