“Não existe, na afirmação em causa, como aliás se depreende do contexto geral da entrevista, qualquer referência ou até intenção de interferir com a autonomia do Ministério Público ou com a independência do poder judicial. A afirmação tem um sentido prospetivo, visando apenas o futuro”, lê-se num esclarecimento do gabinete da ministra Rita Alarcão Júdice enviado à Lusa.
O Chega quer ouvir a ministra da Justiça no parlamento depois de esta ter dito que o “novo procurador-geral tem que pôr ordem na casa”.
“É uma expressão que não se coaduna com o sistema democrático em que vivemos, é uma expressão que não se coaduna com o sistema de separação de poderes em que vivemos, mas que tem um efeito ainda pior e mais nocivo, é uma expressão que talvez denote de forma involuntária as verdadeiras intenções do Governo e, infelizmente, do Partido Socialista em matéria de justiça”, afirmou o líder do Chega, André Ventura, em declarações aos jornalistas no parlamento.
A nota do gabinete da ministra argumenta que “quando se diz ‘arrumar a casa’ sinaliza-se que em breve se vai iniciar um novo ciclo que contribua para a dignificação da Justiça, eliminando o ambiente de crispação e de tensão causado pelas polémicas e controvérsias em torno das instituições judiciárias, mesmo que, por vezes, sem fundamento. Qualquer outra interpretação é uma deturpação do sentido da entrevista, cuja versão integral está publicamente disponível”.
O gabinete de Rita Alarcão Júdice refere ainda que, independentemente de o pedido de audição ser ou não formalizado pelo Chega, já está prevista uma audição regimental na comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias em 17 de julho, o que impede qualquer outro agendamento nos 15 dias anteriores.
Um eventual requerimento pode ter como resultado o acrescentar de mais uma ronda de perguntas dos grupos parlamentares à ministra às regimentalmente previstas na audição.
Na entrevista à Rádio Observador, hoje divulgada, a ministra admite que há uma "certa descredibilização" do Ministério Público e quer que o próximo Procurador-Geral da República inicie “uma nova era” e “ponha ordem na casa”.
No programa Justiça Cega, da Rádio Observador, a ministra garantiu que o Governo não tem dúvidas sobre o perfil para o novo procurador-geral da República (PGR), que terá de ser de liderança e de comunicação.
Já depois da divulgação da entrevista, Rita Alarcão Júdice reiterou numa publicação na rede social X (antigo Twitter) que o próximo procurador-geral da República deve ter capacidade de comunicação, mas também contribuir para a “dignificação da Justiça”, para eliminar “ambiente de crispação” e exercer funções “em linha com a Constituição”.
Depois de o presidente do SMMP, Paulo Lona, ter rejeitado a necessidade de “por ordem na casa”, mas reconhecido a necessidade de o Ministério Público comunicar melhor, o Chega anunciou a intenção de chamar a ministra ao parlamento para explicar as declarações e a expressão “pôr ordem na casa”, que considera que “não se coaduna com o sistema democrático” nem “ com o sistema de separação de poderes”.
Vários partidos pediram nos últimos dias a ida da PGR, Lucília Gago, ao parlamento, depois de terem sido divulgadas escutas que envolvem o ex-primeiro-ministro António Costa no âmbito da Operação Influencer, mas não diretamente relacionadas com esse processo, que levou à queda do Governo e a eleições legislativas antecipadas em março.
E o que dizem os partidos?
Em Bruxelas, na Bélgica, o secretário-geral do Partido Socialista, Pedro Nuno Santos, sublinhou que não tinha visto a entrevista em particular, eu que por isso não a queria comentar. "Mas há uma coisa que para mim é óbvia. O ambiente de suspeita, o clima de desconfiança face ao Ministério Público, só favorece quem é verdadeiramente corrupto", referiu.
Já o líder do Chega, André Ventura, quer chamar a ministra com "caráter de urgência" ao Parlamento, criticando a expressão "pôr ordem na casa", utilizada pelo responsável. "É uma expressão grave, que para nós não pode passar em claro. Reforça a importância que tem que ter a nomeação da próxima ou próximo Procurador-Geral da República, debate a que o Chega não se furtará - precisamente para evitar que seja nomeado alguém, como tivemos noutros tempos, que estava lá não para fazer o seu trabalho de investigação criminal isenta e independentemente, mas para fazer fretes ao poder político", afirmou.
Já o Bloco de Esquerda criticou a falta de transparência e comunicação que marcou o mandato de Lucília Gago, apresentando também um requerimento para que a responsável possa ser ouvida no Parlamento. "É muito importante que a Procuradora-Geral da República possa aceitar este convite da Assembleia da República e que antes do fim do seu mandato possa vir explicar as opções que foi fazendo, tendo uma política de transparência e abertura com a sociedade e Parlamento", apontou.
Também a porta-voz do PAN, Inês Sousa Real, o silêncio que Lucília Gago foi deixando ao longo do seu mandato. "Não podemos ter um ministério Público em roda livre, isolado na sua bolha de silêncio e que não seja nem transparente, nem próximo do cidadão, e que não comunique aquelas que são também as suas tomadas de decisões", afirmou.
Já o Livre considerou que a expressão foi "excessiva" e referiu que acredita que a ministra "não quis dar a entender qualquer tipo de interferência naquilo que é o trabalho do Ministério Público".
"Não usaríamos necessariamente a expressão pôr ordem na casa, mas que tem havido nos últimos anos e meses, em especial, algumas incompreensões sobre o trabalho do Ministério Público, isso é verdade. Achamos que para esclarecimento das pessoas o tal perfil de comunicação, abertura, prestar contas ao país é importante e pode ajudar a reforçar o papel da justiça", defendeu Paulo Muacho.
[Notícia atualizada às 19h22]
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