Depois do chefe da Casa Civil do Presidente da República, também a consultora para os Assuntos Sociais, Sociedade e Comunidades, Maria João Ruela, foi ouvida em Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre o alegado favorecimento no caso das gémeas luso-brasileiras tratadas com um medicamento milionário no Hospital Santa Maria, em Lisboa.
Perante os deputados, esta quarta-feira, a responsável garantiu que o caso foi "tratado de forma idêntica" a outros e que cessou a troca de correspondência com Nuno Rebelo de Sousa, filho do Presidente da República, em poucos dias.
Posteriormente, admitiu que poderá ter contactado o Hospital Dona Estefânia sobre o caso, mas recusou ter falado com o Hospital Santa Maria, onde as meninas acabariam por receber o medicamento Zolgensma.
"Todo o processo foi por mim tratado de forma idêntica a todos os outros que tenho acompanhado ao longo dos últimos oito anos na Presidência da República", sublinhou a ex-jornalista, explicando que recebeu um e-mail de Frutuoso de Melo a 21 de outubro para que promovesse "esforços para tentar enquadrar a situação".
"Tomei duas iniciativas, creio que em 21 de outubro de 2019. A primeira contactar Nuno Rebelo de Sousa para perceber onde se encontravam as crianças, se em Portugal ou no Brasil", e "uma segunda iniciativa visou obter informação genérica sobre o encaminhamento que estava ou poderia ser dado a casos semelhantes", esclareceu, assinalando que nunca teve o contacto telefónico do filho do Presidente da República.
Dois dias depois, a troca de e-mails entre Ruela e Nuno Rebelo de Sousa terminou, e o filho de Marcelo passou a falar diretamente com Frutuoso de Melo. "Lamentou-se ao meu chefe da minha percecionada inação", contou.
"Escreveu um e-mail ao meu chefe queixando-se de que eu não fiz nada", afirmou mais em frente, em resposta ao PAN.
Contacto com hospital? "Para o Santa Maria não teria sido de certeza"
A consultora do Presidente da República admitiu ainda que poderá ter contactado o Hospital Dona Estefânia sobre o caso, considerando "natural que as informações" que transmitiu "tenham sido obtidas junto do hospital".
Maria João Ruela disse que poderá ter contactado o Dona Estefânia porque a informação que tinha sido enviada por Nuno Rebelo de Sousa para a Presidência da República era que o processo das duas crianças encontrava-se nesse hospital e que "só soube que as bebés tinham sido tratadas no Santa Maria" em novembro do ano passado, quando viu as notícias sobre o caso.
Antes, em resposta ao CDS-PP, a assessora do Presidente da República indicou que, por isso, "para o Santa Maria não teria sido de certeza" feito nenhum contacto naquela altura.
Houve "um lapso" na informação transmitida a Marcelo
Maria João Ruela falou ainda sobre a conferência de imprensa do Presidente da República de 4 de dezembro, durante a qual Marcelo Rebelo de Sousa revelou que tinha recebido um e-mail do filho. A responsável adiantou que houve "um lapso" na informação transmitida ao chefe de Estado antes da comunicação, nomeadamente quanto ao hospital contactado.
Na sequência das respostas dadas ao PS sobre o hospital que terá sido contactado, o deputado André Ventura, do Chega, referiu que o relatório da Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) "fala de contactos feitos" pela assessora "com o Santa Maria" e questionou se "é falso".
Maria João Ruela disse desconhecer o relatório e questionou a fonte. Após ter sido informada que a fonte seria a comunicação de Marcelo Rebelo de Sousa, a consultora indicou que "houve um lapso" na informação que foi passada nessa altura.
"Não foi um lapso do Presidente da República, foi da comunicação que foi passada ao Presidente da República sobre o hospital que tinha sido contactado. Quando o Presidente da República fez aquela conferência de imprensa um bocadinho de improviso, com base nuns papéis que estavam ali com informação que não estava correta, disse isso", afirmou.
"Não me acuse de mentir porque isso atinge a minha honra"
Durante a audição, André Ventura acusou Maria João Ruela de "mentir" ou de "não dizer a verdade" em várias ocasiões. A ex-jornalista defendeu-se, afirmando que "não tem por hábito mentir", "muito menos numa Comissão Parlamentar de Inquérito".
"Senhor deputado, não me acuse de mentir porque isso atinge a minha honra", alertou.
Na sua intervenção final, Maria João Ruela lamentou a "polémica" causada em torno do tratamento das gémeas, mas alertou que tal "não pode decorrer" das suas ações.
"Lamento a polémica, mas acho que atuaria exatamente da mesma maneira. A polémica não pode decorrer que eu fiz. Portanto, faria tudo da mesma maneira", disse, numa resposta à IL.
"Não houve qualquer contacto com o Governo. Meu Deus, se tivesse havido... Não houve. Não fiz qualquer contacto com o Governo e, que tenha conhecimento, também não houve, exceto o e-mail que foi depois transmitido para o gabinete do primeiro-ministro e à secretaria de Estado das Comunidades", acrescentou.
O que está em causa?
Na base da polémica está o tratamento, em 2020, de duas gémeas residentes no Brasil, que adquiriram nacionalidade portuguesa, com o medicamento Zolgensma. Com um custo total de quatro milhões de euros (dois milhões de euros por pessoa), este fármaco tem como objetivo controlar a propagação da atrofia muscular espinal, uma doença neurodegenerativa.
O caso foi divulgado pela TVI em novembro passado e está ainda a ser investigado pela Procuradoria-Geral da República (PGR), tendo a Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) já concluído que o acesso à consulta de neuropediatria destas crianças foi ilegal.
Também uma auditoria interna do Hospital Santa Maria concluiu que a marcação de uma primeira consulta hospitalar pela Secretaria de Estado da Saúde foi a única exceção ao cumprimento das regras neste caso.
A 4 de dezembro do ano passado, na sequência de reportagens da TVI sobre este caso, o Presidente da República confirmou que o seu filho, Nuno Rebelo de Sousa, o contactou por e-mail em 2019 sobre a situação das gémeas.
Nessa ocasião, Marcelo Rebelo de Sousa deu conta de correspondência trocada na Presidência da República em resposta ao seu filho, enviada à Procuradoria-Geral da República, e defendeu que deu a esse caso "o despacho mais neutral", igual a tantos outros, encaminhando esse dossiê para o Governo.
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