"98% da área que se diz protegida em Portugal não está implementada"

Os Açores têm agora a maior rede de Áreas Marinhas Protegidas da Europa. Emanuel Gonçalves, da Fundação Oceano Azul, esteve à conversa com o Notícias ao Minuto sobre o tema.

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© Fundação Oceano Azul

Natacha Nunes Costa
11/11/2024 15:25 ‧ 11/11/2024 por Natacha Nunes Costa

País

Oceanos

A Região Autónoma dos Açores aprovou, recentemente, a maior rede de áreas marinhas protegidas do Atlântico Norte e da Europa.

 

O Governo regional decidiu proteger desta forma 30% do mar do arquipélago, o que corresponde a cerca dee 300 mil quilómetros quadrados.

A decisão está a ser aplaudida pelas organizações internacionais, mas é contestada pelos pescadores.

O Notícias ao Minuto foi tentar perceber, junto da Fundação Oceano Azul, o que implica esta decisão e os benefícios da mesma.

Portugal tem agora a maior rede de Áreas Marinhas Protegidas (AMP) da Europa, nos Açores. Como é que isso foi possível?

O Programa Blue Azores nasce em 2019, de uma parceria entre o Governo Regional dos Açores, a Fundação Oceano Azul e o Instituto Waitt, que se uniram em torno de uma visão comum – proteger, promover e valorizar o capital natural marinho dos Açores. Esta visão tem como base a ambição de assegurar um oceano saudável como base para uma economia azul sustentável e próspera. Através dessa parceria, liderada pelo Governo Regional dos Açores, e com o envolvimento da Universidade dos Açores, foram apoiados estudos científicos e expedições que resultaram numa identificação de prioridades de conservação.

Estas prioridades foram baseadas em décadas de estudo dos cientistas dos Açores que compilaram e analisaram a informação existente. Foi estruturado um processo participativo e um aconselhamento científico a esse processo onde as prioridades de conservação foram cruzadas com os usos do mar e foram discutidas soluções de proteção que maximizassem os objetivos de conservação, minimizando os impactos nas atividades económicas, nomeadamente na pesca.

As propostas resultantes foram analisadas pelo governo regional que aprovou, para submissão ao parlamento, uma revisão da Rede de Áreas Marinhas Protegidas dos Açores (RAMPA). O Parlamento aprovou agora essa rede que protege 30% da área oceânica do mar dos Açores.

15% das águas dos Açores estão agora designadas como totalmente protegidas e outros 15% altamente protegidas, o que totaliza 287 mil quilómetros quadrados. O que significa isso para a região? O que vai acontecer a partir de agora?

Os Açores posicionam-se agora como a região da Europa que lidera os objetivos internacionais de proteção do mar, que foram acordados pelos Estados no âmbito da Convenção sobre a Diversidade Biológica, a Estratégia Europeia da Biodiversidade e a Estratégia Nacional para o Mar. 

Após a aprovação pelo Parlamento desta lei, segue-se agora a sua implementação que inclui a definição de uma estratégia, meios e recursos para a sua implementação, procedimentos de vigilância, monitorização e financiamento, e uma reestruturação do setor da pesca, bem como apoios a impactos da implementação desta rede.

Resumidamente, o que são as Áreas Marinhas Protegidas da Europa e como é que elas melhoram a saúde dos oceanos? 

As áreas marinhas protegidas são a melhor ferramenta para a proteção e recuperação do oceano e consistem em áreas delimitadas com o objetivo de proteger a natureza, onde as atividades humanas são geridas de forma a minimizar os impactos e a permitir a recuperação dos ecossistemas marinhos e das suas funções essenciais. Entre essas encontra-se a capacidade de esses ecossistemas produzirem benefícios como sejam a fixação de carbono, contribuindo para a mitigação das alterações climáticas, ou o aumento dos stocks de espécies comerciais, contribuindo para o aumento da produtividade pesqueira fora das áreas protegidas.

E são eficazes?

A maior parte das áreas marinhas protegidas na Europa não funcionam nem produzem benefícios. Isto deve-se a razões muito concretas que impedem a sua eficácia. Por um lado, conflitos com o setor das pescas que impedem a sua implementação. A maioria não tem planos de gestão nem financiamento próprio que permita essa gestão, a contratação de recursos humanos ou a mobilização de recursos financeiros. Muitas não seguem as melhores práticas científicas nem protegem estas áreas das principais ameaças, permitindo que se continuem a extrair recursos.

As falhas de regulamentação e implementação são também frequentes. Em Portugal, 98% da área que se diz protegida não está implementada, ou seja, não tem planos de gestão, ou não está protegida, ou seja, permite atividades destrutivas para os habitats e espécies marinhas. Ou seja, existe um instrumento que funciona e providencia benefícios concretos para as atividades económicas, incluindo a pesca, mas que é não é eficaz devido às falhas de gestão, regulamentação e implementação.

Assim, implementar áreas marinhas protegidas seguindo as melhores boas-práticas internacionais, sem atividades extrativas, ou seja, de proteção total, dotar as mesmas de recursos humanos e financeiros, implementar mecanismos de vigilância e planos de monitorização, definir formas de financiamento sustentável, são as condições necessárias para a sua eficácia. Isso mesmo é demonstrado em áreas eficazmente implementadas.

Por exemplo, a pesca do atum aumentou para o dobro nas áreas que envolvem o Monumento Nacional Marinho das Ilhas do Noroeste do Havai, beneficiando a natureza dentro da reserva e a pesca fora da mesma. Na área marinha protegida de Cabo Pulmo, no México, a proteção total desta área levou a um aumento de mais de 400% da biomassa de espécies comercialmente exploradas, o que permitiu um aumento do turismo de natureza dentro da reserva e das capturas para a pesca fora da mesma.

Os Açores, ao dotarem a legislação agora adotada das melhores práticas internacionais e dos elementos fundamentais para a sua eficácia, estão a mostrar o caminho à Europa de como se pode beneficiar simultaneamente a natureza e as pessoas, e estão a construir o caminho para a valorização do seu capital natural azul. 

De que forma é que este aumento da AMP vai ajudar a Europa a alcançar o objetivo da ONU de proteger 30% dos Oceanos e da Terra até 2030?

O mar ao redor dos Açores representa mais de metade da zona económica exclusiva de Portugal e cerca de 15% da Europa. Igualmente significativo é o facto da maior parte das áreas marinhas protegidas na Europa não terem ainda adotado as melhores práticas internacionais, que a rede de áreas marinhas protegidas dos Açores agora adota. Assim, esta designação é o contributo mais significativo alguma vez adotado para a proteção do oceano na Europa.

Leia Também: Oceanos a aquecer, menos gelo e ondas de calor generalizadas

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