Há cada vez mais alunos a requerer bolsa de estudo e são cada vez mais os estudantes apoiados, no entanto, estas só chegam aos jovens considerados "muito pobres", o que faz com que muitos sejam impedidos de estudar.
De acordo com a Direção-Geral do Ensino Superior (DGES), citada pela Lusa, este ano registou-se o maior número de pedidos de bolsa de estudo da última década. 108.891 mil alunos do ensino superior candidataram-se este ano a este apoio, o que representa quase mais mil pedidos do que no ano passado e mais 4 mil do que os registados há dois anos, mostrando uma clara tendência de aumento ao longo dos anos.
O Governo tem vindo a alargar o universo de alunos elegíveis para a bolsa, sendo que atualmente o limite de rendimento anual per capita está próximo dos 12 mil euros (antes rondava os 9 mil) e também passara a ser elegíveis mais estudantes trabalhadores, uma vez que o seu rendimento também subiu para pouco mais de 12 mil euros.
No entanto, nem todos os pedidos são validados, já que quase um em cada 10 processos acaba por ser indeferido, segundo dados da DGES, a maior parte devido ao facto do rendimento do agregado familiar ser superior ao limite definido ou porque chumbaram no ano anterior.
Segundo dados da tutela, o valor das bolsas atribuídas aos estudantes carenciados - que é em média de 136 euros - também tem vindo a aumentar, mas as associações de estudantes dizem ser insuficiente para fazer face às despesas que são cada vez mais elevadas.
"É preciso ser-se muito pobre para ter uma bolsa de estudo"
Além disso, segundo Alberto Amaral, coordenador científico do Conselho Consultivo do Edulog, que divulga esta quinta-feira o estudo 'Cartografia e dinâmicas socioeconómicas dos estudantes do ensino superior do Grande Porto e da Grande Lisboa', "é preciso ser-se muito pobre para se ter acesso a uma bolsa de estudo".
Nos últimos anos, as regras para aceder às bolsas de estudo têm vindo a ser alargadas, abrangendo cada vez mais alunos, mas os investigadores defendem que os critérios "continuam muito restritivos" e os valores "insuficientes para fazer face a todas as despesas".
Atualmente, as famílias com um rendimento anual per capita superior a 12 mil euros são excluídas, deixando "muitos estudantes de fora, às vezes, só por cem euros", alertou a investigadora Maria José Sá e uma das autoras do estudo, em entrevista à Lusa.
Quatro em cada 10 alunos estudam longe de casa e os custos de estar deslocado podem chegar facilmente aos mil euros mensais, segundo o estudo que analisou as condições socioeconómicas dos estudantes que em 2023 frequentavam instituições de ensino superior (IES) das regiões de Lisboa e do Porto.
Com base em entrevistas realizadas a alunos e a responsáveis dos serviços das IES, como foi o caso dos serviços de ação social, a investigadora conclui que "o ensino superior continua a não ser acessível a todos", uma vez que quem não tem direito a bolsa não tem dinheiro para estudar longe de casa e "fica de fora".
"É fácil não obter a bolsa, porque o limiar para a atribuição da bolsa é muito baixo. As famílias com pais empregados facilmente ultrapassam esse limiar. Muitos dos que desejam seguir estudos não têm possibilidade de o fazer ou fazem-no tendo um emprego em part-time", sublinhou.
Metade dos alunos deslocados vive em quartos sem contrato
O mesmo estudo revelou ainda que metade dos alunos deslocados do ensino superior vive em quartos sem contrato de arrendamento e não têm hipótese de recorrer a apoios financeiros.
Os investigadores detetaram que, entre os estudantes deslocados, 48% não possuem contrato formal de arrendamento e 51% afirmam que o senhorio não emite recibos de renda.
Em cada 10 alunos, quatro vivem longe de casa e por isso precisam de arrendar um espaço. Sem contratos, estes estudantes não conseguem aceder a apoios como o complemento de alojamento, ficando numa "situação de grande vulnerabilidade", realça o mesmo estudo.
"Um aluno a estudar longe de casa pode facilmente representar um custo para a família de mil euros mensais, sendo a maior fatia para pagar o alojamento"”, contou à Lusa uma das autoras do estudo, a investigadora Maria José Sá, acrescentando que "a maioria dos alunos paga entre os 200 e os 400 euros de renda mensal, mas há quem gaste 600 euros em habitação", ou seja "poucos são os que têm a sorte de conseguir um quarto numa residência universitária".
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