Foi no final de uma longa sessão de leitura da súmula do acórdão no processo que visa Rúben Oliveira e outros 15 arguidos singulares e três empresas por tráfico de droga, que quando a magistrada Filipa Araújo já tinha dado a audiência por encerrada e todos se encaminhavam para a saída, que um dos arguidos, Vasco Soeiro, se insurgiu contra a decisão e, com notória incredulidade, se dirigiu à juíza, questionando como era possível o julgamento terminar a condená-lo por um crime de tráfico de droga pelo qual nunca esteve acusado.
A questão levou a magistrada a interromper a sessão para avaliar com o restante coletivo a situação, tendo, no regresso à sala, admitido "um lapso" e retificado a condenação que tinha proferido inicialmente a 10 anos de prisão em cúmulo jurídico por tráfico agravado e associação criminosa para uma pena de oito anos por associação criminosa.
Vasco Soeiro foi um dos três arguidos que entraram em situação de liberdade e face à condenação que receberam viram a juíza Filipa Araújo decretar a sua prisão preventiva imediata, uma decisão que a juíza manteve mesmo após a revisão da pena e que o arguido contestou.
A advogada do outro arguido presente para o qual também foi decretada prisão preventiva, Luís Ferreira, contestou a decisão, alegando nulidades insanáveis, contestando a impossibilidade de o seu constituinte se pronunciar, o que levou a juíza a interromper novamente a sessão para deliberação.
No regresso, a procuradora do Ministério Público pronunciou-se afirmando não encontrar qualquer nulidade na situação e defendeu que "a audição do arguido não era exigível nem absoluta neste momento", sublinhando que este mantinha o seu direito a recorrer da medida de coação imposta.
A juíza rejeitou cabimento para qualquer nulidade insanável, insistiu no direito a recurso da medida de coação, mas permitiu aos arguidos que se pronunciassem nesta fase sobre a contestação à medida de coação, o que ambos acabaram por fazer.
Vasco Soeiro disse ao tribunal que "não estava nada à espera" de lhe ser imposta prisão preventiva, alegou ter dois filhos pequenos dos quais não teve oportunidade de se despedir, que a situação seria "um choque enorme" para a sua família e invocou o seu historial no processo de comparência perante as autoridades sempre que solicitado, afirmando não ter qualquer intenção de fugir e pedindo a compreensão do tribunal para a situação.
Depois de ouvir o Ministério Público afirmar que as alegações não eram "de molde a alterar a medida de coação, que se deve manter", o advogado de Vasco Soeiro reagiu negando as alegações do coletivo de juízas para decretar a prisão preventiva - perigo de fuga, perigo de continuidade de atividade criminosa - e argumentou que o que estava a ser aplicado não era uma medida de coação, mas sim "uma antecipação do cumprimento da pena" que o tribunal entende "ser devida" e que "os tribunais superiores podem não ratificar", apontando ainda o caricato de uma "condenação errónea".
O arguido Luís Ferreira, que inicialmente não pretendia prestar declarações, mas que acabou por mudar de ideias, fez declarações no mesmo sentido das de Vasco Soeiro, e sublinhou que por diversas vezes ao longo do processo se ausentou do país em trabalho, regressando sempre, contestando assim qualquer intenção de fuga.
Os argumentos acabaram por não convencer o coletivo de juízas, que no regresso de nova interrupção para deliberação mantiveram a decisão de decretar prisão preventiva.
Filipa Araújo afirmou que tudo o que foi alegado pelos arguidos "já era conhecido do tribunal" quando foi proferido o despacho das medidas de coação e "não diminui as exigências cautelares" que o tribunal entende que existem. A magistrada considerou a prisão preventiva "proporcional e adequada" e declarou que o tribunal mantinha o despacho "nos seus exatos termos".
Rúben Oliveira ('Xuxas') foi hoje condenado a 20 anos de prisão em cúmulo jurídico num processo em que estão em causa acusações de tráfico de droga, associação criminosa e branqueamento de capitais.
O tribunal condenou a penas entre oito e 20 anos de prisão quase uma dezena de arguidos neste processo, tendo absolvido outros quatro, dos 16 arguidos singulares julgados.
Segundo a acusação do Ministério Público, o grupo criminoso, liderado por Rúben Oliveira, tinha "ligações estreitas" com organizações de narcotráfico do Brasil e da Colômbia e desde meados de 2019 importava elevadas quantidades de cocaína da América do Sul.
A organização de 'Xuxas' tinha - ainda de acordo com a acusação - ramificações em diferentes estruturas logísticas em Portugal, nomeadamente junto dos portos marítimos de Setúbal e Leixões, aeroporto de Lisboa, entre outras, permitindo assim utilizar a sua influência para importar grandes quantidades de cocaína fora da fiscalização das autoridades portuárias e nacionais.
Naqueles locais, a Polícia Judiciária realizou apreensões de cocaína que envolvem arguidos que supostamente obedeciam a ordens de Rúben Oliveira.
A cocaína era introduzida em Portugal através de empresas importadoras de frutas e de outros bens alimentares e não alimentares, fazendo uso de contentores marítimos. A droga entrava também em território nacional em malas de viagem por via aérea desde o Brasil até Portugal.
Os arguidos recorriam alegadamente a "sistemas encriptados tipicamente usados pelas maiores organizações criminosas mundiais ligadas ao tráfico de estupefacientes e ao crime violento" para efetuarem comunicações entre si.
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