Presidente do Supremo Administrativo critica abuso de recursos

O presidente do Supremo Tribunal Administrativo criticou hoje a "indústria da litigância" ao serviço de interesses particulares e administrativos e o abuso dos recursos até à última instância processual, "expressão evidente" de um "estado de insanidade institucional".

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Lusa
03/12/2024 23:15 ‧ há 12 horas por Lusa

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Supremo Administrativo

No discurso de encerramento da cerimónia comemorativa dos 20 anos do Tribunal Central Administrativo Sul (TCA Sul), que hoje decorreu na Fundação Calouste Gulbenkian, o presidente do Supremo Tribunal Administrativo (STA), o conselheiro Jorge Aragão Seia, apontou problemas da jurisdição administrativa e fiscal, "vítima do sucesso" da sua própria reforma.

 

Para o presidente do STA, a justiça administrativa foi vítima "das diversas vias processuais que abriu, de um oportunismo processual que abriu e não consegue combater de modo eficaz, e também da funcionalização do uso e abuso do processo administrativo e tributário para a prossecução de interesses alheios ao objeto do litígio e que explicam também uma parte dos lugares-comuns da crise, com especial destaque para a morosidade".

Para Aragão Seia a questão explica-se em parte por alguns atores judiciários não terem "devidamente internalizados" alguns "deveres funcionais e deontológicos", mas também "um modelo de sociedade que desvirtuou a essência dos litígios judiciais".

"Hoje litiga-se, porque a litigância em si é uma indústria que se alimenta e retroalimenta. É por isso que o litígio só consegue terminar com a decisão da reclamação da última decisão judicial antes do trânsito em julgado e não é porque a questão seja complexa, ou particularmente difícil, ou duvidosa. É assim porque em boa parte dos casos interessa ser assim, interessa aos sujeitos privados e interessa às entidades administrativas. É assim porque culturalmente se convencionou que menos do que isso é desinteresse dos mandatários representantes legais ou má administração", criticou o juiz conselheiro.

Aragão Seia apontou às partes, "entidades administrativas incluídas", ou seja, também o Estado, "uma espantosa criatividade na exploração dos meios processuais", desde providências cautelares a processos principais, a todos os tipos de recursos e incidentes, e aos tribunais e às decisões judiciais "citações doutrinais estéreis, fundamentações laterais e prolixas, que consomem tempo funcional em excesso e alguns casos acabam até por não esclarecer de forma clara as partes".

"Garantir que todas as decisões judiciais têm que ser recorríveis é uma exigência do Estado de Direito. Verificar que uma percentagem esmagadora das decisões judiciais são recorridas e muitas até à última instância processual possível é uma expressão evidente do estado de insanidade institucional a que chegámos. É por causa deste contexto cada vez mais dificil fazer e propor reformas, porque é também mais dificil fazer diagnósticos racionais do sistema da justiça administrativa e fiscal", disse o presidente do STA.

O juiz conselheiro considerou necessário "reformas processuais que travem a insanidade da 'recorrite'", reformas estatutárias que aumentem os "poderes de gestão" dos tribunais de forma transparente, mais produtividade, mas também que "não se avolumem erros de política legislativa que desprestigiam e apoucam esta jurisdição", meios estruturais e materiais "condignos com a sua função".

Considerou ainda "condição necessária e imprescindível" à melhoria da jurisdição "que o regime de recrutamento e formação de juizes e a configuração da carreira permitam selecionar profissionais com perfil adequado e elevadas qualificações em vez de potenciar que este processo se transforme num regime de 'novas oportunidades' para quem não singra em outras carreiras jurídicas".

O presidente do STA apelou ainda para que "o poder político não seja complacente com o que está mal, para abrir novos caminhos para a privatização e desinstitucionalização no âmbito da arbitragem dos litígios administrativos e fiscais", considerando-o um "imperativo de dignidade institucional".

"Infelizmente, a justiça administrativa e fiscal parece hoje capturada por um discurso quantitativo que chega a ser confrangedor se quisermos atentar no facto que o que está em causa é uma função estadual essencial ao bom funcionamento do Estado de Direito e não uma linha de produção industrial", criticou.

Ressalvou que "os números importam, claro", mas o aumento das pendências deve levar a que "o legislador se interesse pelo problema com o objetivo de o resolver e não de o utilizar como argumento para construir soluções extrajurisdicionais".

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