A contradição consta no processo hoje consultado pela agência Lusa e que revela que o agente acusado do crime de homicídio descreveu o que aconteceu na madrugada de 21 de outubro do ano passado de forma diferente à Polícia Judiciária e no auto de notícia elaborado na PSP e enviado para a PJ e para o Ministério Público.
No auto elaborado às 14h55, como consta no documento, o agente descreve com detalhe o que terá acontecido desde o início da perseguição até à chegada do INEM e é referido que Odair terá tentado agredir os agentes, terá tentado tirar o bastão que os mesmos usavam e insultado os dois homens.
Em relação à arma branca, o agente conta que Odair Moniz colocou a mão na cintura e levantou a camisola com a intenção de agarrar um objeto que parecia ser uma arma branca. É então que, relata o agente no auto, vê um objeto semelhante a uma lâmina de uma faca, supondo, por isso, que se tratava de uma faca. O agente referiu, no entanto, que não conseguia dar mais detalhes sobre a faca.
Depois de ter percebido que se tratava de uma arma branca, o agente disse que Odair levantou o braço que segurava a faca, baixando-o na sua direção. Nesse momento, o polícia protegeu-se com o antebraço, recuou ligeiramente e disparou duas vezes para, relatou, a linha da cintura apenas com o propósito de neutralizar Odair Moniz e com a certeza de que o objetivo de Odair era atingi-lo mortalmente na cabeça.
Ainda segundo o auto, os dois disparos foram feitos um a seguir ao outro e o primeiro não terá visado Odair Moniz, uma vez que este não terá alterado o seu comportamento. Esta informação, no entanto, é desmentida pela acusação do Ministério Público, que alega, com base na autópsia feita, que a morte de Odair Moniz foi provocada pelo primeiro tiro.
Outra informação desmentida pela acusação refere-se à localização de Odair e do agente: o auto refere que Odair estava em cima do agente quando foi disparado o primeiro tiro e a acusação, que se baseia nas imagens de videovigilância, descreve que os dois estavam a uma distância entre os 20 e os 50 centímetros.
Em relação aos tiros, o agente acrescenta também no auto que só com o segundo tiro é que Odair Moniz caiu no chão e que nessa altura foi possível ver o punhal que Odair largou quando caiu e que correspondia ao objeto que o agente viu Odair tirar da bolsa.
Esta informação foi enviada para a Polícia Judiciária no mesmo dia em que o agente foi interrogado. No entanto, aos inspetores, o agente poupou muitos dos detalhes dados no auto e explicou que, depois da perseguição policial, que terminou dentro do bairro da Cova da Moura, Odair terá oferecido resistência e que também os terá agredido.
Depois, sobre a existência de uma faca, disse apenas ter visto numa das bolsas que Odair usava à cintura um objeto parecido com uma lâmina de uma faca e que Odair terá tentado alcançar a faca.
O agente disse que temeu pela sua vida e pela vida do agente que o acompanhava e que foi chamado como testemunha deste processo. E disse que, além dos dois disparos feitos para o ar, fez dois disparos na direção de Odair Moniz, mas que tentou direcionar a arma para baixo, para evitar a sua morte.
No mesmo dia, a PJ ouviu ainda o outro polícia que o acompanhava naquela noite no carro de patrulha, na qualidade de testemunha, que disse que os dois foram agredidos, mas não confirmou a existência de uma tentativa de agressão com faca, tal como consta no auto. Este polícia avançou não ter visto o primeiro disparo feito na direção de Odair Moniz, uma vez que estava a apanhar o seu rádio do chão, que tinha caído.
Este polícia disse à Polícia Judiciária que só viu um punhal quando o corpo de Odair Moniz foi rodado pelos elementos do INEM, que foram chamados ao local e que transportaram o homem para o hospital.
Sobre o auto da PSP, o Ministério Público determinou a extração de certidão para investigar a alegada falsificação do documento, elaborado no âmbito da morte de Odair Moniz.
Na semana passada, o Ministério Público deduziu acusação contra o agente da PSP, acusado de homicídio. E defendeu que Odair Moniz tentou fugir da PSP e resistir à detenção, mas nunca descreve qualquer ameaça com recurso a arma branca.
O Ministério Público indica não ter encontrado provas de que Odair Moniz tenha utilizado uma faca para ameaçar os dois agentes, na madrugada de 21 de outubro de 2024.
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