"Na medida em que temos mais conhecimento e experiência, estamos, em princípio, mais bem preparados. Mas o mundo não tem evoluído para melhor, designadamente na relação entre política e saúde pública", lamenta, à Lusa, o físico e comunicador de ciência Carlos Fiolhais, numa alusão aos Estados Unidos, potência mundial governada pelo negacionista da covid-19 Donald Trump.
A poucos dias de perfazerem cinco anos sobre a declaração pela Organização Mundial da Saúde da covid-19 como uma pandemia, que já matou mais de sete milhões de pessoas entre os mais de 700 milhões de infetados, a Lusa questionou cientistas portugueses sobre se o mundo estaria mais bem preparado para enfrentar uma nova pandemia e qual deveria ser a estratégia de combate futura.
"Primeiro, não cometer de novo o erro do esquecimento e da subestimação. A forma como estamos a ignorar os alertas para a resistência microbiana e o perigo futuro que é o alastrar de bactérias para as quais não dispomos de antibióticos devem fazer-nos refletir sobre até que ponto aprendemos com a pandemia", assinala o bioquímico Miguel Castanho.
Segundo o investigador do Instituto Gulbenkian de Medicina Molecular e docente da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, "é preciso estudar melhor como vírus e bactérias se adaptam aos novos fármacos e vacinas para depois desenvolver novas soluções terapêuticas".
"Mas temos de fazer estes estudos antes das próximas pandemias, como um aluno consciente que faz os seus TPC [Trabalhos Para Casa] antes de ir para a aula", frisa, salientando que com a covid-19 "se pagou muito caro" a "falta de planeamento atempado" e de investimento em medicamentos antivirais com ampla aplicação.
"Existe neste momento um enorme esforço para o desenvolvimento de antivirais de largo espetro, incluindo projetos de consórcios europeus liderados por portugueses (...). Quando este esforço der frutos, estaremos muito melhor preparados para uma futura pandemia viral porque poderemos usar estes medicamentos logo a partir do momento em que surge o primeiro foco de potencial pandémico", sublinha Miguel Castanho.
O investigador destaca como "grande lição" do combate à covid-19, doença respiratória declarada como pandemia em 11 de março de 2020, a de que "a cooperação vale mais do que a competição".
"Enquanto da cooperação científica nos quatro cantos do mundo veio a caracterização do vírus em tempo recorde, permitindo colocar no terreno o desenvolvimento de vacinas e medicamentos, da esgrima das nações sobre quem retirava mais dividendos políticos e mediáticos do lançamento de vacinas pouco se aproveitou", invoca, ressalvando, porém, o facto de a União Europeia se ter revelado um "espaço solidário na aquisição de vacinas e sua distribuição".
Para o físico Carlos Fiolhais, coautor do livro "Apanhados pelo vírus - Factos e mitos acerca da covid-19", por causa dos "atrasos iniciais" na resposta à pandemia "era conveniente estabelecer mecanismos internacionais de pronto alerta para o caso de surgimento de novos microrganismos potencialmente letais para os humanos".
Além disso, os "processos de fabrico de novas vacinas podem ainda ser acelerados agora que os procedimentos técnicos foram aperfeiçoados".
"Na próxima vez, devíamos evitar o que correu mal - atrasos e deficiências na comunicação, egoísmos nacionais que prejudicaram a cooperação - e repetir o que correu bem - normas de saúde pública e a conceção e distribuição de novas vacinas", defende Carlos Fiolhais, professor jubilado da Universidade de Coimbra.
Para a geneticista Luísa Pereira, "a resposta a um desafio global" como uma pandemia "deverá ser concertada e idealmente mais equitativa".
"Tem de haver sequenciação de vírus em várias amostras mundiais para acompanhar o elevado dinamismo da evolução viral. Alguns continentes e países estavam menos bem preparados para o fazer em tempo real. É necessária capacitação tecnológica e de peritos", advoga a investigadora do i3S - Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto.
Para a imunologista Helena Soares, a estratégia de atuação futura pressupõe "reforçar a capacidade de identificar surtos de infeção localmente e de encetar a resposta a nível global", tirando partido de "testes moleculares pelos centros de monitorização" e da análise de material genético de microrganismos patogénicos nos esgotos e de dados de geolocalização de telemóveis.
"Esses dados deverão estar na base de modelos epidemiológicos que permitam antever a possível evolução do surto", refere a investigadora da Universidade Nova de Lisboa, acrescentando que "serão necessários também modelos que informem sobre a adesão de diferentes comunidades a medidas de mitigação e de vacinação", medidas e recursos que "deverão ser partilhados globalmente".
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