"É preciso conhecimentos e treino. Tenho ouvido muitas vezes os magistrados dizerem: 'Mas eu sei falar com crianças, tenho filhos'. São relações e contextos diferentes", sublinha, à Lusa, a docente universitária do ISCTE-IUL e formadora, a par da também psicóloga Joana Alexandre, na sessão que vai decorrer na Procuradoria-Geral da República (PGR), em Lisboa.
O objetivo da formação é "salientar as boas práticas que devem nortear a audição de menores pela Justiça", num contexto nacional ainda "muito afastado" do que é recomendado.
Rute Agulhas recorda o caso de uma criança acompanhada por uma colega que, na semana passada, "foi duas vezes a tribunal" e em ambas aguardou quatro horas para acabar por não ser ouvida.
"Logo aí estamos a antecipar uma situação muito complicada, que é o nível de stresse e ansiedade que estas crianças têm quando estão à espera, muitas vezes [...] em salas comuns, onde podem estar um preso ou uma pessoa aos gritos", lamenta.
A psicóloga alerta para a necessidade de durante a diligência os magistrados compreenderem que não podem começar de imediato a questionar o menor, sendo fundamental que desconstruam "expectativas irrealistas sobre o que é que se vai passar na audiência".
"Os miúdos vão muito com a ideia, que é veiculada pelos pais, que se têm 12 anos tomam decisões, como se querem ir viver com o pai ou com a mãe, se querem ser adotados, essas falsas crenças", exemplifica.
Além de filhos de casais em processo de divórcio, são igualmente inquiridas pela Justiça crianças vítimas e testemunhas de crimes e menores entre os 12 e os 16 anos alvo de processos tutelares educativos.
A falta de adaptação das perguntas à idade e desenvolvimento da criança é outra das falhas apontadas por Rute Agulhas, que é também coordenadora do Grupo VITA criado pela Conferência Episcopal Portuguesa para acompanhar casos de abuso sexual na Igreja Católica.
A docente universitária critica ainda o facto de os técnicos que acompanham as diligências não terem tempo para conhecer os menores, de modo a não serem "mais um adulto estranho" em tribunal, sem capacidade de intervir.
Segundo Rute Agulhas, depois de Lisboa, a formação de seis horas destinada a magistrados do Ministério Público decorrerá no Porto, em Coimbra e em Évora.
"O objetivo depois é haver uma continuidade, criarmos momentos de supervisão, e que estes magistrados de xis em xis tempo estejam connosco para partilhar dúvidas", garante, ressalvando que a ação inicial "é um primeiro passo, mas não chega" para mudar comportamentos.
O procurador-geral da República, Amadeu Guerra, abre a sessão agendada para sexta-feira.
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