Chegou a Portugal para fugir ao ISIS. Para trás ficou vida "muito boa"

Após lançar livro com a sua história de vida, Daud falou ao Notícias ao Minuto e mostrou dificuldades em pensar no futuro.

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Inês André de Figueiredo
06/11/2016 09:31 ‧ 06/11/2016 por Inês André de Figueiredo

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Refugiados

Daud Al Anazy, de 24 anos (faz 25 anos dia 13 de novembro), chegou a Portugal em dezembro do ano passado, depois de uma viagem que parecia não ter fim, em que a esperança chegou muitas vezes a ser posta em causa. O medo e o instinto de sobrevivência estiveram sempre lado a lado, desde a saída de Mossul até à chegada a Alfeizerão, em Alcobaça.

Em apenas seis mil palavras, no livro ‘De Mosul a Alfeizerão’, o refugiado natural do Iraque explicou os últimos anos em Mossul, a forma como vivia, como sonhava com um futuro promissor e como a chegada do Estado Islâmico à cidade mudou o rumo de uma “vida muito, muito boa”.

Em entrevista o Notícias ao Minuto, Daud explicou que fugiu do Iraque porque a vida que tinha “acabou com a chegada do Daesh”, com ele vieram apenas sentimentos de “impotência, de incapacidade de lutar, a violência e o absurdo da situação”.

No livro, Daud conta que a sua vida estava encaminhada até ao início da guerra. Começou por trabalhar no talho dos pais, mas rapidamente conseguiu dinheiro para investir num negócio seu. Comprou um táxi e, passado pouco tempo, conseguiu concretizar um sonho e abrir um café.

“A vida seguia o seu curso. O café prosperava e, com o meu táxi, eu era um homem livre e feliz. A minha vida tinha um rumo. Fazia sentido”, conta no seu livro. “Mas, sem que desse conta, os radicais do Daesh tomaram Mossul e fizeram da capital o seu auto-proclamado Califado”.

O café de Daud em Mossul era um ponto muito ativo da cidade e os elementos do Estado Islâmico resolveram chantagear o jovem para conseguirem informações sobre os clientes, muitos deles elementos das autoridades.

“Disse-lhes que não. (…) Então, sob as acusações de ser fumador, vestir à ocidental e outras coisas do género, fui preso e sumariamente condenado a oitenta chicotadas. Não sei quantas contei antes de perder, por fim, os sentidos”, recorda no livro.

Após uma semana inconsciente, “com a carne dilacerada e sem qualquer resto de pele nas costas”, Daud relembra que o processo de recuperação foi longo. “O médico mal sabia por onde começar”.

O jovem admite ter ficado “sem capacidade de reação” e, perante tal cenário, já depois de ter perdido vários familiares, o pai pediu-lhe que fosse embora, que deixasse Mossul, para não ver outro filho morrer nas mãos do ISIS.

Daud conta como chegou à Europa, as provações, uma viagem de horas num camião cisterna sem espaço para mais ninguém, onde o cheiro e o calor eram insuportáveis e as pessoas faziam as necessidades fisiológicas sem se levantarem. Mas mais do que o momento indescritível, Daud falou da “mais desamparada solidão, a indiscutível falta de humanidade que se viveu dentro daquele inferno sobre rodas, e o silêncio”.

O refugiado seguiu ainda num barco que fazia a travessia para a Grécia e que se afundou. Morreram dezenas de pessoas, mas Daud foi um dos sobreviventes e foi colocado num campo de refugiados na fronteira da Macedónia, Idomeni.

“Foram dias difíceis”, mas seguir-se-ia uma réstia de esperança com a chegada a Portugal. Daud ficou à responsabilidade da Santa Casa da Misericórdia de Alfeizerão e, apesar dos primeiros tempos terem sido complicados, o refugiado aprendeu a língua portuguesa e já trabalha.

De Portugal só sabia que Lisboa era bonita e dois nomes: Cristiano Ronaldo e Pepe.

“O processo é difícil. E o encontrar 'a casa' não tem sido assim tão fácil pois tenho andado de um lado para o outro, de acordo com as escolhas da Misericórdia e sem poder tomar as minhas próprias decisões . A 'casa' é uma conquista muito difícil de conseguir”, garantiu ao Notícias ao Minuto.

Neste momento, Daud trabalha, estuda para tirar a carta de condução e pretende manter-se sempre informado em relação a Mossul. Apesar disso, não consegue pensar a médio ou a longo praz mas deseja “ter um trabalho onde possa ter um bom ordenado para poder viver bem”.

A vida de Daud está longe de ter a qualidade que a guerra lhe tirou, mas é um dos casos de refugiados que foram recebidos em Portugal, sendo considerado um exemplo de sucesso, também pelo esforço que fez para se integrar e para tentar dar um rumo à vida.

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