"Linha Saúde 24 será uma inutilidade. Todos os portugueses terão médico"

Álvaro Beleza, um dos quatro candidatos à Ordem dos Médicos, é o entrevistado de hoje do Vozes ao Minuto*.

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Notícias Ao Minuto
18/01/2017 08:30 ‧ 18/01/2017 por Notícias Ao Minuto

País

Álvaro Beleza

Licenciado em Medicina pela Universidade do Porto, Beleza foi presidente do Instituto Português do Sangue e da Transplantação. Atualmente, é diretor do Serviço de Sangue do Centro Hospitalar Lisboa Norte – Hospital de Santa Maria. Função que acumula com a docência, na Faculdade de Medicina de Lisboa.

Foram, no entanto, os últimos anos no Partido Socialista que lhe conferiram mediatismo. Rotulado, por muitos, como 'Segurista', por ter estado sempre ao lado do "amigo" António José Seguro, enquanto este era secretário-geral, Álvaro Beleza prefere agora 'arrumar' a política a um canto.

Enquanto candidato à Ordem dos Médicos, defende que são os médicos que devem estar nos lugares de gestão e quer atestar o "selo de qualidade" nos serviços de saúde. Concorda com o ainda bastonário José Manuel Silva quanto à "inutilidade" da Saúde 24. No que à falta de médicos no país diz respeito, desmistifica: "Não há falta de médicos, há até a mais". O problema, sublinha, é falta de contratação. Quanto à sua bandeira, será sempre a da "solidariedade", assegura. E por isso, nenhum colega, "ficará para trás". 

É candidato a bastonário da Ordem dos Médicos, nas eleições esta quinta-feira. O que o levou a candidatar-se?

Ponderado o facto de o meu amigo e bastonário José Manuel Silva não se recandidatar, e ouvidas as opiniões de vários colegas que me procuraram, decidi que tinha um projeto de liderança da Ordem dos Médicos que merecia ser submetido ao sufrágio dos médicos. Em termos pessoais devo quase tudo à Medicina. Como profissional e enquanto doente oncológico. Por isso entendi que era chegada a hora de lhe retribuir um pouco, dando o meu contributo como bastonário, se essa for a vontade dos meus colegas.

O que pretende ver de diferente na Ordem?

Força, dinamismo, proximidade e participação.

E que propostas tem então para consegui-lo?

O meu projeto estrutura-se em 10 pontos fundamentais, que estão desenvolvidos e que todos podem consultar na minha página de candidatura. Dos 10 pontos destaco:

Tornar a Ordem dos Médicos a verdadeira entidade reguladora da Saúde, emitindo normas de qualidade e auditando serviços clínicos, por forma a que os doentes saibam que, quando entram numa unidade de saúde e virem o “selo de qualidade” da Ordem dos Médicos, podem confiar na qualidade dos serviços clínicos ali prestados;

A Ordem dos Médicos tem de ser cuidadora. Nenhum dos nossos pode ficar para trás porque foi vítima de um qualquer infortúnio

Colocar os médicos na liderança das equipas e das unidades de saúde. Os médicos são quem mais sabe de saúde, pelo que devem colocar esse conhecimento ao serviço das instituições; a atenção a dar à formação médica pré-graduada, em articulação com as Faculdades de Medicina, bem como na fase pós-graduada com desenvolvimento de novas áreas de especialização, como por exemplo a Gestão, a peritagem médica na avaliação do dano e na segurança social, a medicina tropical, etc.

Por último, a solidariedade interpares. A Ordem dos Médicos tem de ser cuidadora. Nenhum dos nossos pode ficar para trás porque foi vítima de um qualquer infortúnio. Comigo, não ficará, porque uma das minhas bandeiras de toda a vida tem sido a solidariedade.

Que legado deixa José Manuel Silva?

Deixa uma Ordem mais aberta à sociedade, menos autocentrada. Coube-lhe gerir a Ordem num dos momentos mais difíceis da nossa história recente – e fê-lo de forma brilhante. Por isso merece o reconhecimento de toda a sociedade.

Os problemas não se resolvem só por atirar dinheiro para cima delesJosé Manuel Silva manifestou-se recentemente contra a linha de Saúde 24, considerando-a uma "inutilidade". Concorda com o ainda bastonário da Ordem neste ponto?

A linha Saúde 24 será uma inutilidade a curto prazo, por isso concordo com o meu bastonário quando diz que se deve pensar a sua extinção. Em breve, fruto do esforço da Ordem para arranjar capacidades formativas e do bom nível que a especialidade de Medicina Geral e Familiar (MGF) atingiu – o que a tornou atrativa para os colegas mais novos – teremos um número suficiente de especialistas em MGF para garantir a cobertura integral do país, dando um médico de família a cada português. Se combinarmos isto com uma política de criação de unidades de saúde familiar e equipas de saúde, teremos a solução para que cada português tenha uma rede de cuidados primários de saúde, baseada em profissionais que conhecem o doente, e não em contactos impessoais e fortuitos, sejam telefónicos, como a linha Saúde 24, sejam pela ida à urgência em situações não urgentes.

Parece quase uma inevitabilidade o caos nas urgências, sobretudo a cada inverno. Como olha para essa realidade dramática?

A aposta nos cuidados primários de saúde, com mais e melhores recursos humanos e técnicos, com uma medicina em proximidade, é a solução. Acrescentaria um bom programa de literacia em saúde.

Recentemente, a Ordem dos Enfermeiros recebeu uma denúncia que dava conta de que um hospital havia estado dias sem comida, medicamentos e profissionais. Veio também a público um caso em que consultas eram dadas recorrendo a um guarda-chuva (em unidades de saúde familiar no Algarve). O que lhe apraz dizer sobre casos como estes? 

Lamento todos os casos em que a dignidade humana não é respeitada. Sendo que os problemas não se resolvem só por atirar dinheiro para cima deles, é natural que, se o dinheiro existente está a ser bem gerido, então, claramente faz falta mais dinheiro.

Está satisfeito com a verba disponibilizada pelo OE para a área da saúde para este ano (superior ao de 2016)?

O aumento do Orçamento do Estado a que se refere será, em boa parte, consumido para pagar a mudança para as 35 horas e para contratar mais médicos que o Governo não pode deixar de contratar. O que sobra para manutenção, substituição e novas aquisições de material e tecnologia?

A questão de um médico de família para cada português de que falou foi uma bandeira do Governo anterior. Não cumpriu. António Costa também já fez a mesma promessa, dizendo que estará cumprida a 100% no final deste ano. Acha que esta questão tem sido negligenciada?

Graças ao esforço da OM em arranjar mais locais de formação e à evolução positiva que os médicos de MGF imprimiram à sua especialidade, foi possível aumentar o número de médicos em formação, pelo que o governo que estiver em funções dentro de um ano, ano e meio, terá as condições técnicas para dar um médico de família a cada português. Espero que o faça.

Há falta de médicos no país. No entanto, muitos não têm lugar em Portugal e decidem emigrar. Como é que este problema pode ser resolvido?

Mais uma vez importa desmistificar essa afirmação. Não há falta de médicos no país. Se consultar todas as bases de dados credíveis, verá que Portugal tem um número dos mais altos da Europa no que concerne à relação médico/habitante. Por isso, vou repetir: Não há falta de médicos no país. Há, até, médicos a mais, que estão a emigrar. O que há é falta de contratação de médicos para o Serviço Nacional de Saúde, ou seja, para o setor público.

Portugal tem um número dos mais altos da Europa no que concerne à relação médico/habitanteImporta perguntar porque não contrata o Estado os médicos de que necessita. Se calhar porque não quer pagar-lhes condignamente. Assim, e porque têm outras alternativas, os médicos emigram ou vão trabalhar em exclusivo para o setor privado.

Que incentivos devem ser dados aos médicos para que seja atrativo trabalhar em Portugal e, em especial, no interior do país?

Há, tem de reconhecer-se, um esforço que está a ser feito nesse sentido. Do meu ponto de vista haverá medidas que passam pelo apoio à formação, facilidades para a fixação da família e regalias sociais que devem ser consideradas. Estarei disponível para ajudar a encontrar soluções viáveis.

E que opinião tem acerca da eutanásia?

Ao bastonário cabe cumprir e fazer cumprir o Código Deontológico, o qual proíbe a eutanásia tal como o suicídio assistido e o encarniçamento terapêutico. O assunto da eutanásia foi relançado com o surgimento do Manifesto [que o próprio assinou].

E de que forma quer, ou não, trazer o tema para debate?

O país precisa discutir a sua rede de cuidados continuados e paliativos, os apoios sociais, a figura do cuidador informal, etc. A classe médica, como parte esclarecida da população, tem de estar na liderança dessa discussão. 

*O Notícias ao Minuto entrevistou os quatro candidatos à Ordem dos Médicos, a saber: Miguel Guimarães, João França Gouveia e Jorge Torgal.

 

 

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