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Não há amor de reality-show como o primeiro: Uma 'febre' sem paralelo

Foi a 3 de setembro de 2000 que a primeira edição do Big Brother começou a ser transmitida na TVI. Ainda se lembra?

Não há amor de reality-show como o primeiro: Uma 'febre' sem paralelo
Notícias ao Minuto

08:40 - 03/09/17 por Pedro Filipe Pina

País Big Brother

Durante meses foram surgindo cartazes pelo país e anúncios na televisão. A TVI estava à procura de candidatos para algo novo, e o plano era tão simples quanto ambicioso: ter 12 desconhecidos, fechados numa casa, durante 120 dias, com as câmaras sempre a rodar.

Quem ganhasse teria direito a 100 mil euros. Ou 20 mil contos, que aqueles ainda eram os tempos da moeda antiga. E o que veio foi inovador e transformador, e não apenas para os 12 escolhidos.

O texto que se segue não é tanto sobre a história desses 12 concorrentes originais, embora a história deles também conte e um deles até nos tenha relatado como foi estar do lado de lá do ecrã. É mais sobre aquele Portugal, sentado no sofá, a espreitar enquanto se fazia história televisiva.

A estreia

Foi a 3 de setembro de 2000 que estreou em Portugal a primeira edição do Big Brother, programa sob chancela da produtora Endemol que tinha feito sucesso na Holanda e que estava em clara expansão. Hoje, o programa já foi produzido em 40 países.

O Big Brother 'roubou' o seu nome ao intimidante grande irmão de '1984', obra ímpar de George Orwell. E fez do reality-show um formato que se tornou sinónimo de audiências, abrindo caminho aos mais variados sucedâneos.

Por cá, este primeiro Big Brother original abriu a porta a mais três ‘Big Brother’ com gente desconhecida e a outros três com gente conhecida. E com a porta já bem escancarada surgiram ao longo dos anos outros programas da TVI, como a 'Quinta das Celebridades' ou mais recentemente 'Secret Story' e 'Love on Top'.

Na altura, a TVI fez história ao garantir a liderança de audiências. A SIC ainda respondeu como programas como o 'Acorrentados', o 'Masterplan' ou o 'O Bar da TV'. Mas, no que ao público português diz respeito, este é um daqueles casos em que 'não há amor como o primeiro'.

Não havia Big Brother como o português

Piet-Hein Bakker é o mais português dos holandeses. Vive em Portugal desde 1994 e liderava a Endemol em Portugal na altura em que o programa começou a ser transmitido.

Em 2000, o 'Big Brother' era um sucesso que continuava a saltar fronteiras. Mas o êxito em Portugal chamou a atenção da própria Endemol na Holanda.

Por cá havia quem fretasse aviões com mensagens para concorrentes na famosa casa. Havia galas com centenas de pessoas à noite na rua em polvorosa com a próxima conversa que a apresentadora Teresa Guilherme ia ter com um dos concorrentes.

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Pelo país fora, em qualquer cidade em que a TVI ligasse as câmaras e perguntasse por favoritos, as pessoas sucediam-se com a resposta na ponta da língua. O 'Big Brother' tornava-se tema de conversa de café entre amigos ou de jantar em família. Nos jornais liam-se críticas ao voueyrismo mas à noite, em especial nas famosas noites das expulsões, uma boa parte do país ficava até tarde acordado à espera de saber quem era o próximo a sair. E houve então um dia em que o fenómeno, já de si gigante, teve um impulso ainda maior, empurrado pela força de um pontapé e de um país em histeria.

O 'tal' pontapé

Ao fim de 48 dias, enquanto os concorrentes ensaiavam 'A Relíquia', de Eça de Queirós, uma discussão entre dois concorrentes redundava em violência: Marco, especialista em kick-boxing e parte de um de dois casais nascidos na casa, atingia Sónia com um pontapé.

O momento aconteceu de madrugada e nessa mesma madrugada, ainda na casa, Marco pediu desculpas. "Quero pedir desculpas à Sónia. Por muito que tu possas ter feito, acho que se tinha alguma razão perdi-a toda a partir do momento em que me descontrolei". As 24 horas seguintes seriam de alvoroço, talvez até tanto no país como na tal casa 'mais famosa de Portugal', na Venda do Pinheiro.

No dia seguinte a notícia começou a circular, já com desenvolvimentos: o Marco fora expulso da casa.

Na altura, a Endemol ainda não tinha tido registos de casos semelhantes de agressões. Mas houve algo que fascinou ainda mais a produtora na Holanda: "era impensável haver uma abertura de telejornal com notícia do Big Brother em qualquer jornal do mundo, menos em Portugal", recorda Piet-Hein Bakker ao Notícias ao Minuto.

O impensável, porém, não se limitou a acontecer. Foi mesmo um sucesso de audiências.

A TVI abre o telejornal da tarde com a notícia, faz o mesmo à noite, e em ambos os segmentos acaba como líder. Entretenimento e informação misturavam-se logo na abertura de um telejornal e o 'tal' pontapé assumia-se como 'o caso do dia'. E era mesmo, ditavam as audiências. Para segundo plano ficava o anúncio da recandidatura de Jorge Sampaio à Presidência da República.

Marco acabaria ser substituído e o programa haveria de fazer o seu caminho até à vitória final de Zé Maria, numa gala de final de ano que bateu recordes que perdurariam anos e anos: 23,9% de audiências e uns impressionantes 76,7% de share.

Curiosamente, a 'febre' dos primeiros quatro meses não terminou aí. Rapidamente a TVI preparou uma segunda edição. Ao mesmo tempo organizava o casamento dos dois casais que nasceram no programa.

O mesmo Marco, curiosamente, já tinha protagonizado outro momento alto do formato, ao envolver-se sexualmente com Marta, numa cena entre lençóis, com pouca luz, que chegou a fazer soar os alarmes da Alta Autoridade para a Comunicação Social (atual ERC), que chegou a alertar para o respeito pela privacidade. Privacidade, porém, não era de todo o forte do programa. Na verdade, terá sido esta ideia de que tínhamos uma janela aberta para as vidas de gente comum a qualquer hora do dia que alimentou a ‘febre’ que contagiou o país.

Viver a "febre"

Mário Ribeiro era o mais novo dos concorrentes desta primeira edição. Tinha 18 anos quando se candidatou. "Nessa idade estamos mais propícios para experimentar coisas novas", conta-nos.

"Hoje em dia vamos ao Google, fazemos uma pesquisa e encontramos tudo". Naquela altura já havia Internet mas não era o mundo que é hoje. Mário tinha ouvido falar da versão holandesa e tinha espreitado uns episódios da versão espanhola. Achou "porreiro" e lá foi à descoberta, porque era mesmo de descoberta que se tratava.

Acabou por ser dos últimos concorrentes a sair. Foram mais de três meses naquela casa, sem saber ao certo o que já estava a acontecer.

"Depois aconteceu aquele choque: entras numa casa anónimo, e quando sais sabem tudo sobre ti, sabem o nome do teu cão, do teu gato, das tuas namoradas, onde moras, é assustador porque não tens um tempo de preparação".

Antes de entrar, recorda, fizeram testes físicos e psicológicos. "Eu costumava brincar a dizer que parecia que ia para os Comandos". Mas quando saíram havia mesmo muito para o qual não estavam preparados. "Mesmo para a Endemol, acho que foi um processo desconhecido", assinala.

Normalmente uma figura pública vai tendo o seu tempo de habituação à fama. "É gradual. Mas para nós não. Entramos anónimos e quando saímos toda a gente sabe tudo".

Lá dentro, recorda, não dava para ter noção das proporções que o programa estava a tomar. "Nós ouvíamos pessoas à volta da casa, a chamar, sobretudo pelo Zé Maria, que era um fenómeno". Pensavam que eram pessoas que moravam ali perto, amigos que estariam pelas redondezas. "Quando abríamos a porta em dia de expulsões, víamos muita gente, fotógrafos, mas identificávamos sobretudo familiares ou amigos. Estávamos completamente longe sequer de imaginarmos o boom que era".

No seu caso, o primeiro contacto com a fama deu-se logo na primeira viagem de carro, após sair da casa. Seguia com o primo quando pararam numa área de serviço, a caminho do Porto. O primo insistia que o país inteiro falava no programa. O Mário achava que era exagero. Mas estava prestes a perceber que o primo tinha razão.

Entrou e não viu ninguém na área de serviço. "Eram já duas ou três da manhã e entretanto vem uma senhora da cozinha para me atender. Ela abre a porta, olha para mim, volta a fechar a porta e desaparece. E quando regressa vem já com outras três pessoas". Tinha chamado as colegas todas, "desencantou lá uma máquina fotográfica", pediram autógrafos, fizeram a festa. "Para que é que esta senhora quer um papel com o meu nome assinado", questionava-se.

No dia a seguir a sair da casa, Mário ia estar no telejornal na TVI. "Algum dia alguém de um reality-show vai ao telejornal? Desde quando é que isso é notícia?", pergunta entre risos. "Mas naquela altura fazia sentido, porque aquilo era uma febre", uma que perdurou como poucas.

17 anos depois

"Passado uns seis ou sete anos tive oportunidade de ver o meu Big Brother, estava tudo em VHS", eram cassetes e cassetes que a família tinha gravado e guardado. "Houve cenas que vi e nem me lembrava que tinha feito".

Um reality-show, é importante não esquecer, é também um concurso. Há prémios para quem vence e gente que sabe ao que vem, à procura de fama e dinheiro. Aquela primeira geração, porém, talvez fosse bem mais ingénua, ainda inconsciente das proporções que o fenómeno tomaria.

Por estes dias, Mário é personal trainer e tem ainda dois centros de solário no Norte do país. Confessa que acaba por não ter tempo para ver os reality-shows de hoje em dia. Mas ainda viu alguns e é com outro olhar que os analisa. "Os 18 ou 19 anos de idade agora não têm a ver com o que era em 2000. Para já tínhamos outro respeito, só pelo facto de estarmos a ser vistos pelos nossos pais [risos]. Éramos muito inocentes nesse aspeto".

Piet-Hein Bakker concorda: "Desse ponto de vista podemos sentir quando estamos a ver um programa que alguém esteja a jogar, enquanto na primeira edição isso não acontecia. Iam vivendo a vida. Sabiam que podiam ganhar um prémio mas não sabiam muito bem como".

Olhando agora para trás, Mário fala à vontade sobre o porquê de este formato de reality-show ter sucesso. Ele, que viveu a primeira edição por dentro, saiu de lá curioso em entender o outro lado do programa, enquanto espectador.

"Eu tinha a curiosidade de consumir o produto Big Brother porque eu não tinha visto o meu. E uma das coisas a que achei piada foi isso: as pessoas acabam por se interessar porque são curiosas. Nós somos 'cuscos'", sentencia.

Aos 36 anos, Mário não põe de parte um dia voltar a participar num programa semelhante. Conta-nos até que chegou a ser convidado no passado. Disse que não e a razão é simples: uma questão de compensação financeira. "Não há dinheiro, não há palhaços, como costumo dizer".

Ainda assim, não tem dúvidas sobre o que viveu: "acho que é daquelas experiências únicas na vida. Ninguém se fecha em casa durante quatro meses com estímulos exteriores para fazer o que quer que seja". Ele, e os que partilharam com ele teto semanas e meses a fio, fizeram-no. E assim viveram durante um tempo, ao sabor dos desafios que vozes de rostos que não viam lhes lançavam.

"Aquilo acaba por ser uma micro-sociedade, é tudo muito controlado. Este conceito é um bocadinho de 'rato de laboratório', tu estás ali um bocado sujeito ao que a produção quer. Eles querem que estejam animados, então dão-te bebidas e há música, porque sabem que depois se bebe uns copos, se ouve música, e a seguir vai dar confusão. Ou então dão-te um filme para ver mas há três filmes para escolher, que é para haver zaragata”. Assim há enredo, assim há "novela". E não se estranhe se às vezes aquilo parecer um pouco "manipulado".

"Faz-me confusão até hoje como nos reality-shows existem votações e nunca ninguém sabe ao certo quantas pessoas votaram", diz-nos.

Seja como for, não se arrepende de ter feito parte daquele primeiro programa, o tal que veio mudar a forma como se via televisão em Portugal. Com tudo o que essa participação acarretou.

"Podes fazer sempre mil e uma coisas, mas vais ser sempre o Mário do Big Brother. Não tens hipótese. E ao princípio é confuso, depois acaba por ser incomodativo e depois já te apercebes de que aquilo é assim. E mesmo ao fim de 17 anos, ainda há muitas pessoas que se lembram de nós".

Recorde no vídeo acima alguns minutos da entrada dos concorrentes na primeira edição do Big Brother.

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