"Não há nada menos dignificante do que viver à custa do Estado"
Gonçalo da Câmara Pereira é o líder do Partido Popular Monárquico e é um dos entrevistados de hoje do Vozes ao Minuto.
© Gonçalo da Câmara Pereira
Política Gonçalo C. Pereira
A coligação Chega, que reúne o Partido Popular Monárquico (PPM), o Partido Pró-Vida (PPV/CDC) e os movimentos Chega (André Ventura) e Democracia 21 (D21), tem passado por alguns sobressaltos, tendo sido o mais recente o facto de o Tribunal Constitucional não ter aceitado a coligação em função do nome escolhido: Chega.
Ora, esta segunda-feira, André Ventura fez saber que a coligação passará a denominar-se Europa Chega e que tentará nova inscrição.
Em entrevista ao Notícias ao Minuto, Gonçalo da Câmara Pereira falou também de um outro sobressalto, explicando a razão pela qual os conselheiros do PPM chumbaram o nome de André Ventura numa primeira votação, e apontou o dedo à comunicação social como tendo quota parte de culpa.
Apesar de haver em outubro eleições legislativas, o líder monárquico acredita que as eleições para o Parlamento Europeu são mais importantes, pois é necessário combater o modelo de “federalismo” que coloca Portugal numa posição de fraqueza face às outras nações da União Europeia.
Os subsídios, a reflorestação e a descentralização foram outros temas abordados por Gonçalo da Câmara Pereira nesta primeira parte da entrevista.
A corrida do PPM às eleições europeias começou com um convite ao Aliança de Pedro Santana Lopes.
Sim, é verdade. Desafiei-o para uma coligação.
A resposta foi não?
Foi ‘nim’. Ele disse que preferia ir sozinho para saber quanto vale em termos eleitorais.
E como é que aparece o Chega?
Bom, é uma ligação já antiga que vem das eleições autárquicas quando fizemos uma coligação com o PSD e o CDS. Mas depois com as declarações de André Ventura sobre a comunidade cigana o PSD tirou-lhe o tapete e o CDS foi atrás. Mas nós mantivemos o acordo que tínhamos com ele.
As declarações de André Ventura não o chocaram?
Não, não achámos que fossem minimamente xenófobas. Achámos é que era tudo uma campanha orquestrada pelos outros dois partidos contra ele.
E assim a coligação manteve-se…
Não só se manteve como teve bons resultados. E agora quando ele criou o Chega perguntei-lhe se ele queria fazer a coligação. Ele disse-me que já tinha acordo com o Democracia 21 (D21) e como não estamos muito longe das ideias da D21 na questão do liberalismo da sociedade achámos que era uma boa altura para dizer Chega ao que se está a passar no país. E assim fizemos o acordo, foi natural.
Aconselhei-os a chumbarem o nome do André Ventura para que ele fosse ao conselho nacional justificar o que andava a ser dito na comunicação social. E assim ficaram todas as questões sanadas
Os conselheiros do PPM também acharam essa ligação natural?
O problema é que na comunicação social continuava a falar-se na questão da xenofobia, o que os deixou muito céticos em relação à coligação.
Foi essa a razão para o nome de André Ventura ter sido chumbado num primeiro momento?
Exatamente. Depois também se disse na comunicação social que o PPM era a ‘barriga de aluguer’ do Chega e nós achámos por bem vincar uma posição e mostrar que o partido é autónomo e escolhe os seus candidatos de forma independente. Por isso, aconselhei-os a chumbarem o nome do André Ventura para que ele fosse ao conselho nacional justificar o que andava a ser dito na comunicação social. E assim ficaram todas as questões sanadas.
Ficaram mesmo? A vice-presidente do PPM veio a público criticar a aprovação de André Ventura.
Isto é um partido democrático. Cada um faz as declarações que quer.
Como está o ambiente dentro do partido?
Está bom. O nome do André Ventura foi aprovado com 90% dos votos. O que me interessa é a maioria…
Há fações dentro do PPM?
Que eu saiba não.
Não havia pessoas a defenderem uma coligação com o CDS?
Neste momento não houve ninguém. E a vice-presidente, que eu saiba, veio ao congresso e agora a esta reunião, portanto… há um ano e meio que não aparece aqui na sede.
Não costuma falar com ela?
Normalmente discutimos tudo dentro do partido, ela decidiu ter esta atitude. O problema é dela, não é meu!
Neste momento a Europa é mais importante: é de lá que vêm as nossas políticas e a Europa está a seguir o caminho do federalismoAs eleições europeias vão ser uma espécie de primárias para as legislativas?
Eu não queria que fossem, porque neste momento a Europa é mais importante: é de lá que vêm as nossas políticas e a Europa está a seguir o caminho do federalismo.
O que é um bom resultado para a coligação nas europeias?
Se tivermos mais um voto já é bom. Estamos a chamar a atenção das pessoas para irem votar. ‘Quem não vota tem de votar e quem vota tem de mudar o voto’, isto é essencial.
Porque é que é André Ventura o cabeça-de-lista da coligação?
Porque ele é uma pessoa mediática, com presença, sabe chegar à população e é isso que é importante num candidato. Pode muito bem transmitir os nossos valores facilmente.
O Tribunal Constitucional (TC) não aprovou o nome da coligação. Como viu esta decisão?
Surpreendeu-me pois o nome não está registado em qualquer local. Há um pedido do nome para um partido que ainda não foi alvo de legalização e, portanto, não se apresenta a eleições e as coligações extinguem-se no próprio dia do sufrágio, pelo que o nome é temporário.
Porque é que decidiram continuar a apostar na coligação com este nome?
Por causa das razões apresentadas pelo Tribunal Constitucional. Continuamos a não concordar com o motivo, mas aceitamos democrática e humildemente.
Se o nome da coligação for negado apresentaremos um novo nome. Se for negado uma terceira vez, ainda apresentamos um quarto nomeAceitam mas contestaram a decisão e até já apresentaram um novo nome para a coligação: Europa Chega. Teme um novo chumbo do TC?
Sim. Depois deste acórdão tememos um novo chumbo.
E se houver um novo chumbo? Qual vai ser a estratégia do PPM?
O PPM fez coligação com o PPV/CDC para concorrer as estas eleições e concordando em convidar André Ventura para cabeça de lista. Se o nome da coligação for negado apresentaremos um novo nome pois temos tempo. Se for negado uma terceira vez, ainda apresentamos um quarto nome.
Não tem receio de o PPM acabar por não ir a eleições?
Não acredito que seremos impedidos de ir a eleições ao fim de 45 anos do 25 de Abril, em que ajudámos a cumprir Portugal. Ao longo destes anos o PPM já deu mostras de personalidade própria e democrática. Fomos o único partido que não concordou com a Constituição de 76 por ela afirmar o caminho para o socialismo condicionando a democracia e futuras gerações, mas continuamos a concorrer e a cumprir. Não concordámos com a formação do Tribunal Constitucional criado com o fim do Conselho da Revolução por acharmos que titulava a democracia, mas aceitamos os seus juízos.
Hoje não há nenhum partido que não fale na ecologia, mas fomos nós os primeiros a tocar no tema, fomos o partido responsável pelo Ministério da Qualidade de VidaO que é que aconteceu desde a Aliança Democrática para o PPM ter perdido terreno na política?
Nós somos um partido de passar ideias e não de andar no campo a pedir votos… e sentimo-nos muito honrados quando os partidos acolhem as nossas ideias. A ecologia, por exemplo, hoje não há nenhum partido que não fale nisso, mas fomos nós os primeiros a tocar no tema, fomos o partido responsável pelo Ministério da Qualidade de Vida quando ainda ninguém pensava nisto.
Então agora é altura de deixar passar ideias aos outros?
Exatamente. Nós, ecologistas e ambientalistas verdadeiros, começámos a não nos sentirmos refletidos nas políticas ecologistas e ambientalistas dos outros partidos que só usam estes temas para fazerem chicana política, em vez de construírem uma sociedade mais livre e aberta com a natureza.
Vai continuar a haver incêndios por causa desta reflorestação e a indústria da celulose está, à custa das criancinhas, dos liceus e dos movimentos ecologistas, a plantar floresta à borla O que é que está a faltar na ligação com a natureza?
Já viu algum partido dizer que a reflorestação está a ser mal feita? Vai continuar a haver incêndios por causa desta reflorestação e a indústria da celulose está, à custa das criancinhas, dos liceus e dos movimentos ecologistas, a plantar floresta à borla e floresta que não é nativa. Sabia que os nossos solos têm milhares de anos de sedentarização e estão esgotados?
Então o que é que se devia fazer?
Os solos têm de ser reestruturados e para isso tem de haver pastorícia que só é possível com as árvores autóctones, são elas que aumentam a capacidade dos solos. Uma floresta onde há pinheiros não há sequer javalis porque a caruma do pinheiro não deixa o sol entrar no solo e, não havendo sol não há regeneração do solo e não há aumento da matéria orgânica.
E isso não está a ser feito porquê?
Porque o que interessa é a massa florestal, que é quase 3% do PIB entre o negócio da celulose e dos madeireiros. E é preciso dizer isto: a má reflorestação contribui para a desertificação.
Em que medida?
Na medida em que esta reflorestação que está a ser feita não cria silvo-pastorícia. Não havendo silvo-pastorícia não há o pastor, não há o pastor não há casa para o pastor, logo o pastor não tem filhos, logo vai embora para as cidades. Repare: quando se planta eucaliptos as terras à volta ficam sem água e isso não permite algo tão simples como manter uma horta. Estes tipos de agora da ecologia não têm noção nenhuma do que se está a passar, são ambientalistas só de nome, só querem ‘tacho’.
Não há nada menos dignificante do que viver à custa do Estado, do que dar dinheiro a um casal para ter filhos. Devia era dar-se condições aos casais para terem filhosA propósito da desertificação, a política para combater este flagelo tem passado por atribuir benefícios monetários a quem se queira instalar no interior. Parece-lhe bem?
Não, isso não resolve nada. O casal até pode ter filhos, mas se não houver sítio para plantar alimentos, as famílias não se instalam. E depois? Vai viver à custa do Estado? Não há nada menos dignificante do que viver à custa do Estado, do que dar dinheiro a um casal para ter filhos. Devia era dar-se condições aos casais para terem filhos. Mesmo o agricultor hoje em dia não faz nada, só vive dos subsídios.
Não é a favor dos subsídios agrícolas?
Não se devia subsidiar a agricultura em extensão, não se devia ter um agricultor com 100 cabeças de gado, mas sim 10 agricultores cada um com 10 cabeças de gado. Isto era escolher a produção ao invés da extensão, mas não é isso que acontece. Sabe o que eu fazia: acabava com os subsídios e usava esse dinheiro para pagar a dívida do Estado.
Mas o Estado é obrigado a aplicar o dinheiro dos fundos comunitários nas áreas correspondentes.
É obrigado porque é imposto pela União Europeia, mas não é uma política com a qual concorde, por isso é que sou candidato ao Parlamento Europeu para combater exatamente isso. O problema é que os nossos deputados são cada vez mais federalistas e menos portugueses. PSD, CDS, MPT, PDR... são todos candidatos a um só grupo que é o Partido Popular Europeu (PPE) e que é federalista.
E o Chega?
Nós estamos inscritos nos Democratas-Cristãos. Aliás, até me faz confusão como é que o CDS, que se diz democrata-cristão, está inscrito no PPE que é um partido federalista e que quer reforçar o federalismo, o que faz com que os países limítrofes da União Europeia (UE) desapareçam enquanto nações independentes, porque não têm representatividade. Que representatividade temos nós quando elegemos 21 eurodeputados em 751?
É a regra da proporcionalidade.
Pois é, mas não pode ser. Desta forma perdemos a nossa identidade. Eu quero que a Europa seja uma Europa de nações em termos de igualdade, sou a favor de uma Sociedade de Nações. Como está, a nossa cultura está a desaparecer.
Quem está no poder escolhe os fadistas. E depois há os fadistas do regimeEm que sentido?
Sabe que somos o país mais rico do mundo em termos culturais? O linguajar do Minho é diferente do de Trás-os-Montes, Porto, Alentejo… temos esta diversidade e está a desaparecer. Por exemplo, o fado é uma canção de Lisboa e transformou-se em património mundial, representando Portugal. Então e o folclore do Minho? O corridinho algarvio? E sabe porque é que se fez isto? Porque é mais fácil controlar o fado.
Como?
Quem está no poder escolhe os fadistas. E depois há os fadistas do regime.
Quem são?
É fácil saber quem são… Lançam-nos para os utilizarem nas campanhas eleitorais e depois a diversidade de um povo acaba a ser espezinhada e englobada num espartilho que é o fado com as autarquias a aguentarem, sem um tostão do poder central, as coletividades culturais locais. Isto poderia ser diferente se houvesse uma descentralização que não esta.
Então é contra o atual modelo de descentralização?
Claro, o que está a ser feito é só uma maneira de arranjar mais ‘tachos’ ao eixo PS-PSD. A descentralização só se dá se houver uma regionalização, uma passagem do poder para o poder local. Porque é que eu sou monarca? O rei apoiava-se nos municípios, concedia o pelourinho e os forais para não haver intervenção das forças económicas sobre as populações. E neste momento são as forças económicas que controlam o poder central.
Porquê?
Porque não há rei, porque é o rei que defende as populações, porque o Presidente da República não defende as minorias.
O que nós pedimos a um Presidente é que seja rei, que não intervenha na esfera do poderNão?
Não, ele é eleito por uma maioria, por isso, é normal que quando lá está pague os favores de quem o pôs lá. E está sempre a meter-se na esfera do poder, sempre a opinar. Marcelo Rebelo de Sousa e Jorge Sampaio foram os presidentes mais presidentes que tivemos desde o 25 de Abril porque estão sempre a intervir na esfera do poder.
E isso é mau?
É. O que nós pedimos a um Presidente é que seja rei, que não intervenha na esfera do poder.
Mas se não tiver qualquer tipo de intervenção qual é o papel do Presidente?
A diferença entre a monarquia e a república é exatamente essa. O rei não intervém e defende o povo.
Se não intervém como é que defende?
Deixa o governo governar, que tem o apoio do povo.
*Pode ler a segunda parte desta entrevista aqui.
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