"Nós, mulheres, temos de nos sentar à mesa das decisões"

Filipa Roseta, cabeça de lista do PSD por Lisboa às eleições legislativas, é a entrevistada de hoje do Vozes ao Minuto.

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© Filipa Roseta

Melissa Lopes
18/07/2019 09:00 ‧ 18/07/2019 por Melissa Lopes

Política

Filipa Roseta

Filipa Roseta, arquiteta e professora universitária, encabeça a lista do PSD em Lisboa às legislativas de outubro. Aos 46 anos, a vereadora da autarquia de Cascais com a pasta do urbanismo, quer ter como principal missão no Parlamento a habitação, que considera ser uma “emergência” à qual o Governo foi completamente “invisual” nos últimos anos. O combate à corrupção e uma educação dos zero aos 100 são outras das suas bandeiras. A social-democrata aponta ainda o dedo ao Governo por estar a adjudicar 1.400 milhões de euros para construção de habitação à margem da Lei dos Contratos Públicos. “É um pesadelo”, resume.

José Sócrates é o responsável por Filipa Roseta se ter lançado na política quando, em 2012, venceu as eleições contra Manuela Ferreira Leite. A um líder de um país, sublinha em entrevista ao Notícias ao Minuto, exige-se que seja "confiável". E para Filipa, Sócrates não o era. Inscreveu-se nessa altura no PSD porque acredita que “não podemos ficar em casa a não gostar, a não aceitar e depois não fazer nada”. 

Sobre a contestação interna a Rui Rio, a candidata defende que o PSD é um partido personalista, onde há liberdade de expressão acima do domínio coletivo. “Num partido personalista como o PSD, os críticos estão aí, andam aí por todo o lado. Acabam por ser a nossa maior bandeira porque os outros não permitem que isso aconteça”, diz. 

Era um desafio que à partida não se podia dizer que não porque o estado do país é preocupante 

Começo por lhe perguntar se estava à espera de ser chamada por Rui Rio para ser cabeça de lista por Lisboa nestas legislativas?

Não, não estava à espera. Não estava realmente no meu horizonte, porque estou na Câmara de Cascais a fazer este trabalho na vereação com as áreas do urbanismo, um trabalho bastante envolvente, não estava realmente à espera.

E disse logo que sim ou ainda foi pensar no assunto?

Falei primeiro com o Carlos Carreiras (autarca de Cascais). Obviamente que era um desafio que à partida não se podia dizer que não porque o estado do país é preocupante e uma pessoa tem que contribuir. É mais nesse sentido que não se pode dizer que não a este tipo de desafios. Se for uma ponte e um palco para se poder falar das coisas que parece que estão a correr bastante mal e de que ninguém fala, como a habitação que fica muito omitida em muitos debates, achei que era uma oportunidade de falar destas questões. A habitação, a contratação pública e a educação dos zero aos 100.

A comunicação social destacou a surpresa das escolhas de Rui Rio ao optar por rostos desconhecidos e jovens, embora a Filipa Roseta tenha 46 anos.

Sou jovem de espírito, disso não há dúvida nenhuma (risos). 

Mas o que acha desta renovação?

Acho que é importante haver uma renovação, sempre. Em qualquer democracia saudável tem que haver renovação de nomes. Estamos só ainda a falar dos cabeças de lista, ainda não estão as listas todas definidas. É importante haver um sinal de que toda a gente tem que se envolver no destino do país. É importante esse sinal para nós e para todos os outros partidos. Não podem ser sempre as mesmas pessoas, tem que haver uma participação de todos. E o sinal é mesmo para os outros que estão de fora sentirem que se quiserem participar, se acharem que sabem qual é o destino, se envolverem, participarem. O país é de todos, temos de estar todos envolvidos a encontrar soluções.

O facto de ter apelado ao partido a ir “procurar as mães do partido” e a formar um “exército de mães” contribuiu para ter sido escolhida?

Por um lado, é positivo que toda a sociedade esteja a responder. Já nas últimas eleições [europeias], as listas foram quase todas paritárias. É importante sentir que as pessoas percebem que as mulheres - que são mais de metade da população, não são propriamente uma minoria - têm que estar representadas. Esse discurso foi feito [no Congresso] para uma plateia que era 90% quase homens, uma plateia que ‘representava’ o partido. Quando 50% das militantes são mulheres, porque é que estamos a falar para uma plateia com 90% de homens? Acho que é uma cultura que naturalmente evolui. As mulheres que são um pouco mais de 50% da população têm que estar representadas, é absolutamente natural que assim seja. É uma força da sociedade toda e das próprias mulheres que estão em todo o lado a dizer ‘nós temos que nos sentar à mesa, não podemos estar fora das decisões, não podemos estar só nos voluntariados e em casa (que é fundamental)'. Também temos de estar à mesa das decisões. Sinceramente acho que [a mensagem] está a passar de uma maneira generalizada para toda a sociedade e acho que é bom para todos. É bom para todos que as coisas sejam naturais e equilibradas.

E o PSD acompanha essa evolução?

Sim, exatamente, acompanha essa evolução. E ainda bem que acompanha. É absolutamente fundamental. É muito dramática a situação das mulheres por esse mundo fora e diz-se sempre que quem vai mudar a situação são as mulheres das democracias liberais. Temos aqui uma responsabilidade acrescida, não só para ter o nosso papel à mesa dos nossos países, mas para olhar para o resto do mundo e ajudar as sociedades a evoluir.

Quando foi anunciado o nome da Filipa como cabeça de lista fez-se logo a ligação por ser filha de Helena Roseta (deputada independente do PS) e de Pedro Roseta (antigo ministro da Cultura de Durão Barroso). Sente que é injusto destacá-la por ser filha de quem é?

Não me afeta de todo. Tenho orgulho dos meus pais. Tive a sorte de conviver com duas pessoas que se dedicaram ao serviço público a vida toda e de quem tenho imenso orgulho, de todos os seus caminhos e percursos. Acho que as pessoas estão um bocado 'queimadas' por estas questões do PS nomear os primos, os tios e os filhos, mas isso é, obviamente, outra história. Isso não tem nada a ver com uma pessoa estar numa família onde a cultura e a discussão política existiu. Não tenho qualquer problema que digam ou que o deixem de dizer [que sou filha de Helena e Pedro Roseta]. Tenho o meu percurso muito alternativo, fiz um caminho muito diferente. Nunca estive na política em paralelo com os meus pais: entro quando a minha mãe está a sair e o meu pai já saiu há muito tempo. Nem sequer há uma coincidência temporal.

Apesar desses caminhos diferentes, que influência tiveram os seus pais no seu percurso político?

É importantíssimo em termos de cultura e discussão política. Havia muita discussão lá em casa. Os meus pais, e como os pais de muita gente, envolveram-se [na política] numa altura em que se faziam comícios com a plateia armada. Eram outros tempos. Davam tudo e iam para sítios em que não sabiam bem o que ia acontecer. Tinham uma coragem. Os meus pais e toda a geração que fez a revolução, que andou país fora a dizer o que é que era a democracia e que nos salvou de termos ficado um satélite da União Soviética. Não tinham nada, apenas t-shirts e as ideias na cabeça. Só posso ter orgulho, não só dos meus pais como de toda essa geração. É uma influência incrível. Eram muito jovens, aí sim jovens, a maioria da Constituinte tinha 30 anos. É um lição de vida que tiro dos meus pais e de toda a geração que fez esse caminho. Imagine, em 1975, o PCP na rua armado e irem jovens para a rua armados fazer comícios só com o megafone. É preciso ter uma coragem desmedida. É preciso sentir que aquele é o caminho certo, neste caso era a defesa das democracias liberais. E é esse o caminho que vou fazer sempre e tentar assumir que não podemos ficar em casa a pensar que os outros o vão fazer. A influência maior dos meus pais é a coragem para tomar decisões difíceis, sempre, dos anos 70 para cá. E seguir aquilo em que acreditavam, sempre, e às vezes até em confronto um que outro. É essa a grande lição.

Há uma crise mundial em 2008 que levou o mundo todo ao fundo, mas quem está à frente dos destinos do país não pode estar a deitar lenha para a fogueira, que era o que o engenheiro José Sócrates estava a fazerHouve, muito mais à frente, um facto que fez com que enveredasse na vida política que foi a vitória de Sócrates nas eleições de 2012, contra Manuela Ferreira Leite.

Muita gente teve essa sensação quando ele [Sócrates] ganhou porque sabíamos o que ele era. Nem é uma questão de Justiça – não vou discutir casos de Justiça. É a pessoa que ele é. Sinceramente, espero que já ninguém acredite que Sócrates, como pessoa, tivesse a menor dignidade para ocupar a posição que ocupou. Por aquilo que ele diz, pelas entrevistas que dá, não é por aquilo que dizem dele. Senti mesmo, nessa altura, que não era possível ter uma pessoa daquelas à frente dos destinos do país. Não queria fazer um percurso político, estava mais confortável na minha profissão, na academia. Mas foi um momento em que senti que de facto não conseguia estar à margem disto. É uma mensagem importante para todos: ‘Se não gostas do teu senador, candidata-te’. Se se vê que a coisa está a correr mal, há que se candidatar. Portugal é uma economia muito pequena, cujos resultados dependem totalmente da economia do mundo. Está mal quando o mundo está mal, está bem quando o mundo está bem. Ou seja, vai com os ventos da conjuntura geral.

É importante termos alguém à frente do país que sabemos que é confiável. É isto que se pede, não é mais. A pessoa que está à frente do nosso país, infelizmente, não toma decisões de geopolítica mundial, nem vai influenciar a economia mundial. Há uma crise mundial em 2008 que levou o mundo todo ao fundo, mas quem está à frente dos destinos do país não pode estar a deitar lenha para a fogueira, que era o que o engenheiro José Sócrates estava a fazer. O voto no eleito é um voto de confiança. Sabemos que um primeiro-ministro não vai impedir uma crise mundial, que não vai ser responsável pela melhoria económica mundial, sabemos que varia completamente com o envolvente. Mas pelo menos que sejam pessoas de confiança e eu naquele dia sabia que Sócrates não era uma pessoa de confiança. Não podemos ficar em casa a não gostar, a não aceitar e depois não fazer nada.

 O pouco que se fala de habitação é mesmo triste

Ainda assim, os portugueses confiaram em Sócrates nesse ano...

Por isso é que eu fiquei traumatizada e achei que era melhor começar logo a mostrar quais eram as falhas da governação. É um bocado o que se passa agora.

E que falhas aponta ao Governo atual?

É lamentável, por exemplo, que no debate do Estado da Nação não se fale da habitação. E o pouco que se fala é mesmo triste. É uma das evidências das falhas destes quatro anos de governação. Não viram, não fizeram, não aconteceram. Nos últimos quatro anos, é uma mão cheia de nada o dinheiro que puseram na habitação pública. Só se fala em contratar pessoas ou em contas - Centeno quer as contas certinhas no fim do dia- , mas não fizeram coisas tão simples que não custavam dinheiro como rever a política dos Vistos Gold, que já devia ter saído das áreas metropolitanas há muito tempo. É essa mesma política que está a empurrar as pessoas para fora do acesso à habitação. E que nem sequer se fale disso, e que toda gente diga que está tudo bem, é inacreditável. O nosso país acaba por ir à volta das taxas de juro, do BCE, não tem o peso para determinar as grandes decisões económicas, mas tem o peso para olhar pelos seus e os seus estão a ficar sem habitação. Os estudantes não conseguem ir para a universidade porque não conseguem quartos, ou então estão em situações de informalidade complicadas, as famílias estão a ver as rendas a subir e ninguém a dizer nada.  O subsídio de renda, que já estava na lei do anterior governo, nunca foi posto em efeito. Foram quatro anos em que não pôs lá dinheiro nenhum.

Fizeram-se algumas leis. 

Fizeram-se leis é um facto, todas elas excelentes leis, mas dinheiro dinheiro, nada. É um vazio inacreditável. Eu percebo os problemas na Saúde e ainda bem que se está a falar disso mas e a habitação? Porque é que não falamos? É uma emergência europeia. Foi decretado pelas Eurocities – uma rede de presidentes de câmara europeus – como um dos oito pilares fundamentais. Onde é que ele está? Onde é que está uma única evidência de que eles se preocupam? O ministro das obras públicas [Pedro Nuno Santos] veio dizer, quatro anos depois, que determinaram 20 e tal edifícios para fazer habitação. Isto devia ter sido feito no primeiro mês da governação. 

A habitação é um caso de emergência nas áreas metropolitanas

Foi tudo deixado para o fim?

É que nem sequer fizeram nada. Limitaram-se a decretar quais é que eram os edifícios. Quatro anos depois. Sinceramente não consigo achar normal. Os preços da habitação estão a subir 17%/18%/ 19%/20% ao ano em Lisboa, Cascais e Porto. Com dois anos consecutivos com os preços a subir desta maneira não era de decretar estado de emergência e já ter feito alguma coisa? Vão deixar para os meses antes das eleições anunciar que localizaram edifícios onde vão começar a pensar no assunto? É que passaram quatro anos. No tempo do governo de Passos Coelho, os preços da habitação não estavam a subir 20% ao ano, aconteceu em 2017 e 2018, é um problema de agora ao qual o Governo esteve totalmente invisual. Não viu, não fez, não aconteceu, não disse. Já deviam ter feito alguma coisa.

Vistos Gold são um mecanismo que se usa quando o mercado está congelado. Quando está a arder, têm de ir para onde está paradoComo por exemplo?

Reformular os Vistos Gold e colocá-los no Interior não custava nada.  Os Vistos Gold são um mecanismo que se usa quando o mercado está congelado. Quando o mercado está a arder, têm de ir para onde está parado. Devia ser um sintoma o mercado crescer 17% num ano de que o mercado está a arder e, aí, era tirar logo os Vistos Gold. Temos o mercado a arder e continuam a dar-lhe gás. No ano a seguir a mesma coisa. Não é normal. Como é que uma família da classe média consegue aguentar isto? Não consegue. A habitação é um caso de emergência nas áreas metropolitanas.

As pessoas estão a ser empurradas do acesso à habitação. E nestes quatro anos este Governo não pôs lá nada. Fez uma data de decretos sem dinheiro. Para é que isso serve? É útil, é interessante e fundamental, mas onde é que está o dinheiro? E têm dinheiro porque estão sempre a dizer que têm. O Centeno anda sempre a dizer que as contas estão ótimas, saudáveis e fantásticas. Se estão, porque é que não fizeram já isto? Porque é que não reformaram os Vistos Gold? Porque é que não puseram o subsídio de renda a funcionar? O que é que aconteceu? Não consigo ter explicações para isto. E ainda menos consigo perceber que num debate da Nação não se fale praticamente nada disto. A não ser da Lei de Bases da Habitação que é aprovada num último momento quando devia ter sido aprovada há dois anos. É tudo muito fora do prazo. Tudo aquilo que devia ter sido feito há dois anos está a ser aprovado a um mês das eleições, significa que depois não têm tempo de executar. Lançam as bases e depois não executam porque não têm tempo, e não têm tempo porque não querem gastar dinheiro nisto.

Chegados aqui, que propostas tem o PSD para fazer face ao problema da habitação?

Estamos ainda a finalizar o programa. Vamos imediatamente rever o programa dos Vistos Gold. É pura e simplesmente revê-lo e transformá-lo em investimentos produtivos fora das áreas metropolitanas de modo a conseguir tirar logo pressão ao mercado que não pode continuar a subir 17% a 20% ao ano. As famílias não estão a ganhar 20% mais ao ano. Esta será logo a grande decisão, mas temos um pacote de medidas que irá ser anunciado. A habitação vai ser uma prioridade. Aliás, uma das razões por que Rui Rio me convidou é mesmo para que o tema seja prioridade, ele sabe é uma das minhas áreas, uma das coisas em que tenho trabalhado mais. Foi para associar a pessoa ao tema da área metropolitana de Lisboa. Estamos a pensar em medidas a curto, médio e longo prazo.

Há uma lei que serve para assegurar a transparência da contratação pública e nós temos que pura e simplesmente cumpri-la

Outra das prioridades suas é o combate à corrupção. Que esforços fará o PSD nessa área?

Primeiro ponto, seguir a lei do Código dos Contratos Públicos. Isto é uma coisa que me preocupa muito. Para resolver o problema da habitação, o Governo vai no próximo mandato tirar 1.400 milhões do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social e fazer obras com esse dinheiro. Passou os 1.400 milhões para a Fundistamo (Fundo Nacional de Reabilitação do Edificado), fundo que vai fazer obras e daqui a três/quatro anos começar a dar casas às pessoas. Tudo isto se passa à margem dos Contratos Públicos. É uma coisa que me faz uma impressão inacreditável. O ministro [Pedro Nuno Santos] foi chamado pelo grupo parlamentar do PSD ao Parlamento e confirmou quatro vezes que o Fundo Nacional de Reabilitação do Edificado não está sujeito ao Código dos Contratos Públicos. É um pesadelo.

Está a ser feito à margem da lei?

É à margem da lei mas não quer dizer que seja ilegal. É à margem da Lei dos Contratos Públicos. Não é ilegal porque de facto aprovaram esta exceção em Conselho de Ministros. É à margem da Lei dos Contratos Públicos. Sou completamente contra isto. Há uma lei que serve para assegurar a transparência da contratação pública e nós temos que pura e simplesmente cumpri-la. Não podemos criar exceções cada vez que queremos fazer um programa qualquer de obras públicas. É uma exceção jurídica. Eventualmente há 50 advogados a dizer que aquilo até é possível mas no fim do dia não vai passar pelo Tribunal de Contas, não passa pelo Código dos Contratos Públicos. Aflige-me brutalmente porque aquilo, no final do dia, é um programa de obras públicas feito pelo dinheiro do Fundo de Estabilização da Segurança Social. Não percebo como é que não se fala nisto. [Proponho]  mais uma vez uma medida simples: faça-se cumprir o Código dos Contratos Públicos, não criem estas exceções, que são preocupante, que vão trazer maus lençóis para a frente, já vimos este filme. Digo ao senhor ministro que estou totalmente contra ele. Este cenário jurídico é completamente errado face àquilo que são as boas normas da justiça. Fico mesmo angustiada com isto. 1400 milhões é sete vezes o valor do Parque Escolar. Não estou a fazer comparações com o método, é só para se perceber a dimensão.

Acredita que esta opção política do Governo vai levar a falta de transparência? De que forma?

É, obviamente. A base da corrupção é haver exceções. A partir do momento em que pode haver exceções, abre-se uma porta à corrupção. Uma exceção cria-se, por exemplo, quando há um terramoto, uma situação de emergência pública. Tiveram quase quatro anos sem fazer nada e agora têm a lata para abrir uma exceção.

E o caso da habitação não é uma emergência?

É uma emergência, até concordo, mas já era uma emergência há dois anos. Não lembra ao diabo. É falta de transparência porque acaba por ser uma exceção ao normal funcionamento das obras públicas. É difícil as pessoas perceberem, eu própria estou dentro da área e tive dificuldade. Agora que percebo bem acho aquilo arriscadíssimo a vários níveis. Arriscadíssimo colocar uma porta gigantesca de possibilidade de exceções, que é uma coisa que não queremos, que dá azo a mais pressão sobre os eleitos. E depois, o Governo acredita que vai fazer estas obras todas e que vai ter uma rentabilidade de 4% ao ano com rendas 20% abaixo do mercado [quando o mercado sobe 20% ao ano]. É um raciocínio económico que é muito difícil de argumentar. Têm uma fé capitalista, é uma aventura especulativa.

Outra das suas bandeiras é a educação dos zero aos 100. Que propostas já tem desenhadas e que possa adiantar?

Ao longo deste ano de reuniões do CEN, apuramos que as universidades têm que se abrir a todos, tem de haver este conceito de universidade cidade, em que as pessoas ao longo da vida, se quiserem, podem ter formação. Ou seja, a formação deixa de ser um coisa apenas até aos 25 anos. Já há exemplos muito interessantes de universidades que abriram alguns módulos à sociedade civil, em que as pessoas compravam cadeiras específicas que eram possíveis fazer sem o background do curso. Isto abre as universidades à cidade e a cidade à universidade. É absolutamente fundamental nesta era digital de inteligência artificial porque o conhecimento evolui de tal maneira que é completamente impossível achar que a pessoa até aos 25 vai aprender tudo sobre o que vai fazer para a frente. Provavelmente, o que vai acontecer é que as pessoas vão voltar a ter algumas formações e as universidades vão ter que estar abertas a isso. Também é bom para as universidades que assim recebem mais pessoas e que precisam de alargar a sua base e de se abrir à sociedade.

Tem de haver uma interatividade maior entre sociedade e universidade. Sou professora universitária, tenho essa outra vertente, e estou muito animada com o que este futuro pode trazer às universidades e será muito interessante para o país se conseguir ter esta visão, flexibilidade e esta ideia de que a educação tem que ser pensada de outra maneira. Não vamos por em causa o que está, vamos é abrir, flexibilizar e permitir que as pessoas, noutras alturas, possam voltar a fazer módulos mais específicos. Já podem. Mas ainda há dificuldade que seja uma exceção.  Esta ideia foi pensada também para as mães, a força mais subaproveitada do nosso país. Digo as mães mas também há pais, mas tradicionalmente são as mães que acabam por ficar nos primeiros anos dos filhos em casa. São mulheres incríveis, com imenso potencial, que se dedicam aos filhos – e bem – mas que depois quando querem voltar ao mercado de trabalho têm imensa dificuldade. Sejam mães, sejam pais, seja quem for, quando tentam voltar ao mercado perguntam-lhes o que estiveram a fazer nos últimos anos. A educação e formação pode também estar muito virada para estas pessoas.

No fundo é a ideia de facilitar e eliminar barreiras …

É tirar obstáculos a que as pessoas possam continuar a aprender ao longo da vida. Regressar à universidade para frequentarem módulos específicos. Em vez de uma coisa fechada e estagnada, a ideia é abrir a universidade à sociedade, criar pontes para responder muito mais aos desafios da sociedade de hoje.

É favorável à ideia de quotas para negros e ciganos no Ensino Superior?

Genericamente sou favorável à ideia de quotas. Acho que funcionam para resolver distorções na sociedade, em termos gerais, tem de se ver caso a caso o que é que pode fazer sentido ou não. Está provado cientificamente, por mais que as pessoas deem voltas e pinos, que o único mecanismo que fez com que as mulheres tivessem mais visibilidade e presença na sociedade foram as quotas. Sem as quotas teria sido muito difícil lá chegar. As quotas são um bocado como os Vistos Gold, são mecanismos que se usa quando há um estado de emergência – isso depois tem de ser avaliado se há ou não - , que depois se retira quando deixa de existir e voltar a usar caso seja preciso. Aquilo a que sou seguramente favorável é que os representantes da Nação têm que representar realmente as pessoas. As mulheres são a maioria da população e têm que estar representadas. Se as quotas forem um mecanismo, tudo bem. Não quer dizer que seja o único. Quando as coisas estão a funcionar naturalmente, as quotas não têm que existir. Agora as coisas até estão a funcionar naturalmente, a maior parte das listas tinha mais do que as quotas mínimas. As quotas são fundamentais quando há distorções graves.

 Não queremos que as pessoas entrem artificialmente para o Ensino Superior

E nas universidades?

O que temos estado a discutir é o modelo de financiamento do Ensino Superior. Em vez de as universidades receberem por cabeça, deviam receber o dinheiro por aluno e ser bonificadas se tivessem a promover a coesão social, a promover grupos que são por alguma razão excluídos tradicionalmente. Ficou como um dos nossos objetivos. Pode ser uma forma diferente das quotas de fazer com que as universidades promovam a igualdade de oportunidades para todos, em que há uma definição de qual é o grupo que está a ficar fora do acesso ao Ensino Superior. O aluno que está na universidade e que representa um grupo que tradicionalmente não está representado pode dar mais dinheiro à própria universidade. O nosso modelo de financiamento do Ensino Superior pressupõe que as universidades possam receber também pelo papel social e territorial que podem ter no país. É fundamental haver uma ligeira bonificação. É uma coisa diferente para falar do mesmo problema. Mas acima de tudo é tentar perceber o que é que é realmente um problema. Tenho uma mentalidade científica, estudar os problemas, analisar e decidir.

Da experiência que tem como professora universitária, reconhece que há problemas no acesso ao Ensino Superior destas minorias que as tornam sub-representadas nas universidades?

Tenho muita dificuldade em falar em abstrato, em aberto e sem dados. Havendo um problema, ele tem que ser corrigido. Sim, é possível, mas tenho de ver a percentagem da população e perceber porque é que não estão a chegar lá. Acho que sim, que há um problema, mas como é que fazemos com que cheguem lá? Essa é que é pergunta. Eu acho, mas isto não pode ser um ‘achismo’, tem que ser fundamentado com dados. Tem que existir para cada grupo dados para se perceber que há um problema que tem de ser resolvido. O princípio base é sempre o mesmo, igualdade de oportunidades para todos. Todos é todos. Vemos que existem grupos que estão a ficar para trás, existem, confirmo. Então o que é que podemos fazer para chegarem lá? É conseguir garantir que essas pessoas tenham acesso a uma educação melhor e que consigam entrar naturalmente. A nossa ideia nunca é baixar a qualidade do Ensino Superior. Não queremos que as pessoas entrem artificialmente para o Ensino Superior, temos é de ter a certeza que têm educação suficiente para conseguirem lá chegar e bonificar as instituições que trabalham para que isso aconteça. É muito importante que o Ensino Superior mantenha o objetivo de excelência e de mérito.

Tradicionalmente o PS é um partido com muito menos críticos porque é uma estrutura marxista de funcionar

Espera ter num PSD muito mais unido do que está agora?

O PSD é um partido personalista onde cada pessoa tem liberdade de expressão. É a nossa bandeira. Tradicionalmente, é o partido que tem mais individualidades porque é a nossa própria estrutura ideológica: a pessoa acima do coletivo. Num partido marxista como o PS, um manda e os outros calam-se e se não se calarem desaparecem. Num partido personalista como o PSD, os críticos estão aí, os críticos andam aí por todo o lado. Portanto, acabam por ser a nossa maior bandeira porque os outros não permitem que isso aconteça. Foi assim historicamente e é assim agora. O PSD é um partido que defende a liberdade, o personalismo e a individualidade. Vamos ter sempre mais críticos do que qualquer outro partido. Eu já nem falo do PCP. Nunca vamos ter um partido em que um manda e os outros obedecem e nem é desejável que assim seja porque deixaríamos de ter um partido personalista. Elegemos democraticamente o líder e é ele que tem de tomar as decisões, mas somos um partido personalista, vamos ter sempre mais críticos que os outros. Isso para mim é uma fonte de orgulho. Temos liberdade para que todos se possam expressar. Este partido tem esta liberdade, os outros não.

O PS silencia os críticos, é isso?

Eles não aparecem. Ou pensam todos da mesma maneira – isso então ainda é mais assustador – ou deixam de aparecer. Tradicionalmente também é um partido com muito menos críticos, por definição, porque é uma estrutura marxista de funcionar. Não é uma crítica, não é um insulto. O PS tem uma estrutura como o PCP e o BE. Os pensamentos marxistas estruturados admitem menos a liberdade de expressão. O PSD é um partido que defende a liberdade de expressão e o individualismo. Naturalmente, por matriz ideológica. Não estou a fazer nenhuma acusação nem nenhuma defesa, é a própria estrutura de pensamento que é assim. A minha opinião pessoal é que a ideia de haver tantos críticos é sinal que o partido os acomoda porque eles estão todos cá. Enquanto que no PS não existem, o que fazem com eles não sei, se calhar pensam todos da mesma maneira. Uma pessoa tem que ser sujeita às críticas e ao escrutínio desde que seja frontal e justo. Defendo liberdade de expressão acima de tudo. É uma das minhas bandeiras, só tenho duas assim fundamentais: além da  liberdade de expressão, dar voz a quem não tem.

Mas essa liberdade de expressão que se tem materializado na contestação pública a Rui Rio não tem enfraquecido o partido?

Não vejo assim. Acho que as pessoas têm liberdade para se pronunciar. Toda a gente dizia que Rui Rio ia fazer isto e aquilo aos críticos, não fez nada, os críticos estão aí, continuam a fazer críticas, têm liberdade, cada um faz o seu caminho. Para mim a grande questão é que o PSD é um partido que defende a liberdade e, à partida, vai ter muito mais pessoas a falarem livremente sobre todos os temas porque defende a liberdade acima dos outros. Vai ter sempre mais diferenças de opinião, agora e depois. E isso não enfraquece, para mim não é uma fraqueza, é uma força. Não é uma força ter um líder que manda e os obedecem. É a minha visão das coisas, por isso é que estou no PSD e não noutro partido.  Sou frontal e francamente a favor da liberdade e dignidade da pessoa acima do domínio coletivo. Haver muita gente disponível a contribuir para o debate público é uma força, não é uma coisa negativa. É claro que agora estamos virados contra o António Costa no sentido de ser o nosso adversário nestas eleições. Estamos virados contra uma pessoa que tem uma visão diferente, o coletivo acima do indivíduo. É um debate político que se faz. Estamos todos do mesmo lado, não há aí dúvida nenhuma, nem me parece que seja uma questão.

Como avalia o desempenho do PSD como principal partido da oposição?

O António Costa Silva fez agora um bom trabalho com o ministro. Depende um bocado das áreas. Este debate sobre as obras públicas aconselho as pessoas a irem ver. Às vezes as coisas também não têm uma expressão na comunicação social que podiam ter. Isto do Fundo Nacional de Edificado que eu acho um escândalo não aparece nos jornais. E o António Costa Silva, na oposição no Parlamento, está a defender batalha. Deem-lhe voz, deem-lhe palco.

 

 

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