Três anos e meio depois de o Brexit ter sido decidido num referendo por 52% dos eleitores, em junho de 2016, o processo provocou uma crise política devido ao impasse no parlamento, que rejeitou três vezes o acordo negociado pela antiga primeira-ministra Theresa May e forçou o adiamento da saída, que irá concretizar-se finalmente esta sexta-feira, às 23h00 de Londres (mesma hora em Lisboa, 00h00 de 1 de fevereiro em Bruxelas).
No sábado, 1 de fevereiro, iniciar-se-á o chamado "período de transição", até 31 de dezembro de 2020, durante o qual as duas partes negociarão a relação futura, e no mesmo dia, em virtude de o Reino Unido tornar-se um país terceiro, abrirá a nova delegação da UE no Reino Unido, que será encabeçada pelo diplomata português João Vale de Almeida.
A agência Lusa ouviu os eurodeputados portugueses Paulo Rangel (PSD), João Ferreira (PCP), José Gusmão (Bloco de Esquerda), Pedro Silva Pereira (PS), Nuno Melo (CDS) e Francisco Guerreiro (PAN), após o Parlamento Europeu votar favoravelmente o Acordo de Saída do Reino Unido, esta quinta-feira, em Bruxelas, naquela que foi a última e derradeira etapa rumo à consumação do Brexit.
PSD com "sentimento de perda" e a querer 'clube atlântico'
O eurodeputado social-democrata Paulo Rangel manifestou um "sentimento de perda" com a saída do Reino Unido e desejou que Portugal participe na criação de um 'clube atlântico' em compensação.
"Em primeiro lugar, um sentimento de grande deceção, de perda. A Europa e a UE precisam muito do Reino Unido. Não há Europa sem os britânicos. Para a instituição europeia é uma grande perda. É uma perda também para a capacidade internacional porque é uma grande potência militar e económica relevante e tem uma rede de implantação global que dava à UE uma alavanca de presença muito grande e se empobrecerá", disse.
Mas, acrescentou, para "Portugal é uma perda muito grave porque, na geopolítica europeia, o Reino Unido era um dos três grandes, juntamente com França e Alemanha, e aquele que representava a visão atlântica, marítima, globalista, extrovertida. Temos rapidamente de fazer um 'clube atlântico', com as pequenas e médias potencias, que têm um eixo de orientação para fora da Europa (Suécia, Dinamarca, Holanda, Irlanda, Bélgica) para defender essa visão".
Paulo Rangel louvou ainda o trabalho do negociador-chefe da União Europeia, o francês Michel Barnier, pela "paciência" e "fleuma praticamente britânica", que permitiu um acordo equilibrado, embora expressando "algum ceticismo" em relação à concretização das próximas negociações pós-Brexit, nomeadamente na área do comércio.
União Europeia pode alargar-se, mas também encolher, destaca o PCP
O eurodeputado comunista João Ferreira sintetizou o processo de saída do Reino Unido com a constatação de que o bloco continental europeu pode alargar-se, mas também encolher, como é o caso.
"Demonstra que a UE se pode alargar, mas também se pode encolher. Em sete décadas de história do processo de integração, houve países que entraram. A partir de agora, há países a sair. É um acontecimento com inegável significado político", disse, sublinhando o respeito pela vontade popular dos britânicos.
"Esta é uma forma de dar concretização à decisão soberana que o povo britânico tomou de saída da UE. Começa por ser uma derrota de todos aqueles que durante os últimos dois anos e meio, cá e lá, tentaram de todas as formas impedir essa vontade, num processo eleitoral que foi o mais participado de sempre do país", destacou João Ferreira.
Bloco de Esquerda salvaguarda respeito por direitos dos cidadãos
O eurodeputado do Bloco de Esquerda, José Gusmão, salientou a importância do respeito pelos direitos dos cidadãos num cenário pós-Brexit, defendendo a criação de instrumentos de monitorização das relações futuras entre as partes.
"Aquilo que é mais importante no momento da saída, que corresponde à decisão que os britânicos tomaram, é a União Europeia (UE) concentrar-se nas negociações do acordo e seu acompanhamento posterior", afirmou, acrescentando que "o Reino Unido tem interesses no seu relacionamento com a UE, que quer manter, e eles devem constituir uma margem negocial para a UE negociar a plena manutenção dos direitos dos cidadãos europeus, nos quais se inclui um importante contingente de emigrantes portugueses".
"O acordo deve assegurar a manutenção de direitos e a criação de mecanismos permanentes de acompanhamento do respeito por esses direitos no futuro. Não basta assinar um pedaço de papel. É preciso mecanismos das instituições europeias para um relacionamento permanente", argumentou José Gusmão.
"Não é um qualquer que sai", destaca o CDS-PP
O eurodeputado do CDS-PP, Nuno Melo, afirmou tratar-se de um dia "muito simbólico e significativo para a União Europeia (UE)", pois "não é um [país] qualquer que sai", referindo-se ao abandono do Reino Unido.
"Depois de sucessivos alargamentos, pela primeira vez um país sai e não é um qualquer", salientou, descrevendo a importância do Reino Unido no que toca ao poderio militar e comercial, além do papel histórico no Velho Continente.
"Do ponto de vista estratégico, foi sempre um aliado fundamental deste espaço geográfico. Dos britânicos dependeu a vitória dos Aliados na I e na II Guerras Mundiais. Se pensarmos que a UE é um projeto de paz, a saída do Reino Unido é a de uma das principais potências beligerantes e vitoriosas. O Reino Unido é um aliado fundamental de países do sul, nomeadamente de Portugal, numa estratégia atlântica. Desse ponto de vista, o que hoje aqui temos é uma má notícia", lamentou.
Para Nuno Melo, "o que se vota é o mais fácil, é a saída" e "o que se vai ter de negociar até final do ano é o mais difícil - as exatas circunstâncias em que Reino Unido e UE se relacionarão".
PS descreve uma "página muito triste na história da UE"
O eurodeputado socialista Pedro Silva Pereira declarou que a saída do Reino Unido da União Europeia (UE) "é uma página muito triste na história da UE", mas que é preciso "reduzir danos" na transição.
"Este é um exercício necessário de controlo de danos. Não há bons Brexit. O Brexit é um prejuízo para o Reino Unido, para a UE e para a nossa capacidade de conjuntamente enfrentarmos os problemas globais, mas é a escolha dos britânicos. O que está ao nosso alcance é reduzir os danos, proteger os direitos dos cidadãos, assegurar um período de transição para que as coisas corram de uma forma mais suave e olharmos para a frente para preparar uma relação futura que seja no interesse de todos", disse.
"As coisas não começam bem quando o Reino Unido começa por dizer que não haverá prorrogação do prazo de negociação ou não vamos cumprir o que já está no acordo de saída em matérias de controlos fronteiriços entre a Irlanda do Norte e o Reino Unido. Isso é essencial. Espero que o bom senso prevaleça e possamos trabalhar em conjunto para reduzir os danos do Brexit. Agora, que ninguém duvide que o 'Brexit' é sempre mau, é uma página muito triste na história da UE", continuou.
Segundo Silva Pereira, "é absurdo excluir à partida a possibilidade de qualquer prorrogação do período das negociações".
"Sabemos que os acordos comerciais, em circunstâncias por vezes mais fáceis, podem demorar muito tempo. Este acordo tem muita complexidade e a preocupação deve ser salvaguardar a integridade do mercado único para não haver restrições nas fronteiras, assegurando os nossos padrões de proteção ambiental, social e até de direitos dos consumidores", concluiu.
PAN lamenta saída e está curioso sobre a Escócia
O eurodeputado do PAN, Francisco Guerreiro, lamentou a saída do Reino Unido da União Europeia (UE) e mostrou-se curioso sobre o que se seguirá, nomeadamente a possibilidade de um novo referendo na Escócia.
"Todos perdemos com a saída dos britânicos. Estes últimos quatro anos assim o têm demonstrado e perdemos eurodeputados que têm trabalhado muito", lastimou o parlamentar do PAN.
"Temos de olhar em frente. Temos até final do ano para chegar a um acordo definitivo com o Reino Unido e estamos curiosos para ver como será o caso da Escócia, se irão avançar com um referendo e se conseguirão ou não. O resultado demonstrado no último referendo foi de que eles querem estar na União Europeia. Creio que se voltará a baralhar o tema", considerou.
Francisco Guerreiro estimou ainda que "o Brexit não termina hoje nem terminará nos próximos anos", prevendo mais e prolongadas negociações entre as partes.