Em conferência de imprensa, a coordenadora do BE, Catarina Martins, afirmou que o diploma, que se inspirou em parte no exemplo espanhol, será entregue já na próxima semana na Assembleia da República e apresenta basicamente 13 medidas de alteração à legislação em vigor.
Perante os jornalistas, Catarina Martins lamentou que o Governo ainda não tenha apresentado qualquer proposta de legislação para a regulamentação do teletrabalho - uma realidade que abrangerá cerca de um milhão de trabalhadores portugueses e que aumentou drasticamente no último ano com a pandemia de covid-19.
O anteprojeto de lei, de acordo com a coordenadora do Bloco de Esquerda, "tenta responder às debilidades existentes" no teletrabalho "e combater os abusos laborais, desde o horário de trabalho, à quebra de privacidade, ao pagamento das contas que crescem em casa, ao mesmo tempo que as empresas estão a poupar".
"Garantir que a forma como o teletrabalho é regulado se faz por um instrumento coletivo de trabalho para que os trabalhadores não estejam isolados representa um passo fundamental. Julgamos que já vamos um pouco tarde. Embora se compreenda que no primeiro período pandémico tenha sido difícil legislar imediatamente sobre o teletrabalho, agora, em que temos trabalhadores há um ano em teletrabalho, estamos atrasados na proteção de direitos", sustentou Catarina Martins.
Entre as 13 medidas classificadas como essenciais pelo BE estão propostas para uma revisão global do conceito de teletrabalho e a clarificação do direito ao descanso, já que, na perspetiva dos responsáveis desta força política, a legislação atual faz "uma confusão perigosa".
"As pessoas que estão em teletrabalho não estão necessariamente com isenção de horário. E muitas estão em teletrabalho com o seu horário laboral. Por essa razão, não pode ser exigido que se trabalhe a qualquer hora", argumentou.
Nesse sentido, o Bloco de Esquerda exige a proibição de as empresas entrarem em contacto com os trabalhadores fora do seu horário de trabalho e adverte que não basta estabelecer a possibilidade conferida ao funcionário de não responder ao empregador, porque a experiência demonstra que isso prejudica a evolução do trabalhador na respetiva carreira, ou coloca mesmo em causa a sua continuidade na empresa caso se trate de um trabalhador precário.
Catarina Martins frisou depois que, para esta nova regra ter consequências, "propõe-se que a violação reiterada do direito à desconexão seja considerada indício de assédio laboral".
"Quando um superior hierárquico, de forma reiterada, contacta o trabalhador fora do horário de trabalho, tal passa a ser indício de assédio no trabalho. E terá de ficar claro que quem está em teletrabalho tem direito ao subsídio de refeição", referiu.
Ainda de acordo com a coordenadora do BE, o teletrabalho "tem de exigir um acordo coletivo de trabalho, porque quando cada um que está apenas em sua casa fica isolado dos outros, com menor capacidade de organização no sentido de se avançar com reivindicações comuns".
"Se cada trabalhador assinar individualmente os termos do teletrabalho com a entidade empregadora, não terá força para fazer valer os seus direitos. Por exemplo, para estabelecer os custos do teletrabalho, como o aumento de despesas com água, energia, comunicações, precisamos sempre de ter um instrumento coletivo", reforçou Catarina Martins.
O BE quer ainda incluir na lei que o empregador só possa ir ao domicílio do trabalhador com aviso de pelo menos 48 horas e com motivo devidamente fundamentado, preservando-se assim a privacidade individual e familiar.
Por outro lado, o futuro projeto dos bloquistas prevê que continue a existir uma prática de contacto presencial, estabelecendo-se uma periodicidade mínima no que respeita ao contacto dos trabalhadores com as suas empresas e colegas.
"É importante, inclusivamente, do ponto de vista da saúde mental", assinalou Catarina Martins.
O BE entende ainda que o regime de teletrabalho deve ser reversível, concedendo-se ao trabalhador um prazo para esse efeito de 90 dias e não de 30 dias.
"Os trabalhadores têm ainda de ter o direito à representação sindical e às respetivas estruturas representativas. Cada trabalhador em casa, isolado, não tem capacidade para negociar as suas condições contratuais com o seu empregador", completou a coordenadora bloquista.
Catarina Martins advogou ainda que a nova lei deverá incluir uma proteção de acidentes para quem está em teletrabalho, já que os seguros estão concebidos para empresas e não para domicílios, assim como uma repartição de despesas entre empregador e trabalhador.
"As empresas têm de pagar o acréscimo de custos no domicílio do trabalhador", designadamente "instrumentos indispensáveis" para o exercício da atividade laboral, caso de computadores, auscultadores, telefone ou outros materiais.