O texto sobre a despenalização da morte medicamente assistida foi aprovado, esta sexta-feira, em votação final global no Parlamento.
Votaram a favor a maioria da bancada do PS, a IL, o BE, o PAN e o Livre e os deputados do PSD Catarina Rocha Ferreira, Hugo Carvalho, Isabel Meireles, André Coelho Lima, Sofia Matos e Adão Silva.
Votaram contra os grupos parlamentares do Chega e do PCP e a maioria da bancada social-democrata.
Houve ainda uma abstenção do socialista José Carlos Alexandrino e de três sociais-democratas: Lina Lopes, Jorge Salgueiro Mendes e Ofélia Ramos.
O PSD já tinha anunciado que daria liberdade de voto aos seus deputados.
No total, estiveram presentes em plenário 210 deputados. Segundo os dados disponibilizados pelos serviços do parlamento no hemiciclo, votaram a favor 125 deputados, 81 contra e houve quatro abstenções.
O decreto segue agora para redação final e ainda tem que ser apreciado pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que o pode promulgar, vetar ou pedir a fiscalização preventiva do texto ao Tribunal Constitucional. Esta quarta-feira, Marcelo garantiu apenas que decidirá rapidamente sobre a lei quando receber o documento em Belém, apontando a altura do Natal como data provável.
A iniciativa tem por base projetos de lei do PS, IL, BE e PAN, e foi aprovada na especialidade na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias na quarta-feira, depois de três adiamentos.
O texto estabelece que a "morte medicamente assistida não punível" ocorre "por decisão da própria pessoa, maior, cuja vontade seja atual e reiterada, séria, livre e esclarecida, em situação de sofrimento de grande intensidade, com lesão definitiva de gravidade extrema ou doença grave e incurável, quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde".
Desta vez, em comparação ao último decreto, os deputados deixaram cair a exigência de "doença fatal".
No texto consta um artigo com a definição de vários conceitos, entre eles, o de "sofrimento de grande intensidade" que é definido como "sofrimento físico, psicológico e espiritual, decorrente de doença grave e incurável ou de lesão definitiva de gravidade extrema, com grande intensidade, persistente, continuado ou permanente e considerado intolerável pela própria pessoa".
Uma "doença grave e incurável" é definida como "doença que ameaça a vida, em fase avançada e progressiva, incurável e irreversível, que origina sofrimento de grande intensidade".
Já "lesão definitiva de gravidade extrema" é considerada pelo texto como "lesão grave, definitiva e amplamente incapacitante que coloca a pessoa em situação de dependência de terceiro ou de apoio tecnológico para a realização das atividades elementares da vida diária, existindo certeza ou probabilidade muito elevada de que tais limitações venham a persistir no tempo sem possibilidade de cura ou de melhoria significativa".
O texto de substituição estabelece ainda um prazo mínimo de dois meses desde o início do procedimento para a sua concretização, sendo também obrigatória a disponibilização de acompanhamento psicológico.
"A variedade terminológica está ultrapassada"
Numa declaração de voto, a deputada socialista Isabel Moreira defendeu que insistir na inconstitucionalidade desta lei "levaria a que se tivesse de ter como inconstitucionais, por maioria de razão, muitas normas atualmente em vigor".
"Não podemos ignorar a gigantesca legitimidade de uma lei que o povo insiste em dizer que quer ver aprovada", formulou, garantindo que "dificilmente encontramos, em termos de direito comparado nacional, conceitos mais densificados do que estes, nem lei mais defensiva".
Para a deputada, "estamos perante um diploma sobre uma matéria que gravou em nós esta certeza - dita pelo Tribunal Constitucional - que "o Direito à vida não pode transfigurar-se num dever de viver em qualquer circunstância"".
Por três vezes, a Assembleia aprovou, por maioria clara, uma lei que, em suma, reconhece que em casos estritamente limitados, justifica-se aceitar a vontade de antecipação da morte de quem experiencia de um fim de vida difícil de adjetivar."
A coordenadora do Bloco de Esquerda defendeu, no Parlamento, que não há "nenhum motivo para que Portugal não possa ter finalmente esta lei".
"É a terceira vez que o Parlamento aprova por uma maioria política diversa, mas ampla, o respeito por cada um e por cada uma até ao final da sua vida", começou por referir, considerando que "esta lei respeita a Constituição" e que o texto hoje aprovado "respeita o Tribunal Constitucional."
Catarina Martins sublinha também que o Presidente da República tinha pedido que, do ponto de vista da terminologia, a lei fosse mais clara, o que o Parlamento atendeu.
Pela terceira vez, o Parlamento aprova esta lei da tolerância, de respeito, e responde a qualquer dúvida do Tribunal Constitucional e a todos os apelos da Presidência da República e, por isso, não há nenhum motivo para que Portugal não possa ter finalmente esta lei. O país não entenderia que existisse agora qualquer razão séria para, ao fim de três aprovações parlamentares, a lei pudesse ainda ser travada", rematou.
Alma Riviera, do PCP, afirmou que a legalização da eutanásia traz novos riscos e voltou a apelar à criação de uma rede de cuidados paliativos com carácter universal.
"Não se discute aqui a dignidade seja de quem for. É a questão de saber se um Estado que nega a muitos cidadãos os meios para viver dignamente lhes deve oferecer os meios legais para antecipar a morte", sublinhou. "O Estado português não pode continuar a negar à maioria dos seus cidadãos os cuidados de que necessitam, particularmente nos momentos de maior sofrimento. A criação de uma rede de cuidados paliativos com carácter universal tem de ser uma prioridade absoluta."
A deputada admitiu ainda que, apesar de o PCP manter o seu sentido de voto, não coloca em causa "a legitimidade inatacável da Assembleia da República para decidir sobre esta matéria"
"O texto aprovado nesta Assembleia, contra o qual o PCP votou, foi declarado institucional e do que se trata aqui hoje é da votação de um ajustamento a esse texto, feita pelos proponentes, com o objetivo de ultrapassar as objeções de constitucionalidade", apontou, questionando se esses ajustamentos serão suficientes.
Para o Chega, "hoje é um dia triste para a nossa democracia". O líder do partido critica que, enquanto "centenas de milhares não têm acessos a cuidados paliativos", o Parlamento opte "pela legalização da morte e não pelo trabalho em prol daqueles que mais sofrem".
"Este foi um processo de atropelos ao longo de um processo longo, burocrático, não muitas vezes despido de ilegalidades e inconstitucionalidades e que ainda hoje teve novo foco nesses atropelos", insistiu André Ventura.
O presidente do Chega afirmou ainda que este foi "um processo feito à medida da maioria". "Uma maioria que talvez já nem represente o povo português de forma fidedigna à data em que estamos e de uma maioria que se recusou ouvir os portugueses sobre esta matéria", rematou, acusando a Esquerda de "ter medo de perder esse referendo".
Para o deputado, o processo de discussão da legalização da eutanásia "teve falhas na sua democraticidade" já que os principais partidos que o aprovam não o colocaram no seu programa eleitoral.
"Esta casa não tem legitimidade para votar sobre uma matéria tão sensível", considerou, reiterando também que "a Esquerda tem medo de ouvir os portugueses", uma vez que estes jamais compactuariam com "a lei infame" hoje aprovada.
Por fim, André Ventura dirigiu-se a Passos Coelho, a propósito do seu artigo de opinião publicado no Observador, onde pede que os deputados que estão contra a eutanásia se comprometam com a reversão da lei quando conseguirem maioria no Parlamento, garantindo que é isso que irá fazer.
O PAN também tomou a palavra para congratular a aprovação da lei e pedir que "não se confunda o debate sobre a morte medicamente assistida com os cuidados paliativos".
"O PAN felicita o esforço que foi feito entre as diferenças forças políticas para que, de uma vez por todas, as pessoas que estão em profundo sofrimento por força de uma doença grave e irrecuperável possam recorrer a este mecanismo em condições de igualdade e não terem de ir a outro país", afirmou Inês de Sousa Real.
Esta semana, paralelamente a este processo, o PSD apresentou um projeto de resolução para um referendo sobre a despenalização da eutanásia mas a iniciativa foi rejeitada pelo presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, por "não existirem alterações de circunstâncias" em relação à iniciativa anterior já apresentada sobre a mesma matéria, pelo Chega, chumbada em junho.
Os sociais-democratas já formalizaram um recurso da decisão.
Os dois vetos
Na anterior legislatura, a despenalização em certas condições da morte medicamente assistida, alterando o Código Penal, reuniu maioria alargada no parlamento, mas foi alvo de dois vetos do Presidente da República: uma primeira vez após o chumbo do Tribunal Constitucional, na sequência de um pedido de fiscalização de Marcelo Rebelo de Sousa. Numa segunda vez, o decreto foi de novo rejeitado pelo Presidente depois de um veto político.
O Chefe de Estado vetou este decreto em 26 de novembro, realçando que o novo texto utilizava expressões diferentes na definição do tipo de doenças exigidas e defendeu que o legislador tinha de optar entre a "doença só grave", a "doença grave e incurável" e a "doença incurável e fatal".
Na nota justificativa do veto, Marcelo escreveu que no caso de a Assembleia da República querer "mesmo optar por renunciar à exigência de a doença ser fatal, e, portanto, ampliar a permissão da morte medicamente assistida", optará por uma "visão mais radical ou drástica" e questionou se isso corresponde "ao sentimento dominante na sociedade portuguesa".
Desde o início do processo, o Chefe de Estado defendeu que deveria haver um amplo e longo debate na sociedade portuguesa, mas recusou sempre revelar a sua posição pessoal e antecipar uma decisão antes de lhe chegar algum diploma.
O sítio da Assembleia da República na internet criou uma página exclusivamente dedicada ao tema, com o histórico legislativo sobre a eutanásia e ainda um dossiê de direito comparado disponível para consulta.
[Notícia atualizada às 15h18]
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