"Era importante que os autores desta lei refletissem sobre uma proposta que têm vindo a fazer e que suscita algumas preocupações, que temos manifestado, embora nós não colocámos a questão do ponto de vista constitucional, aguardámos serenamente pela decisão do Tribunal Constitucional", afirmou o membro do Comité Central do PCP António Filipe em declarações aos jornalistas em Beja, onde decorrem as jornadas parlamentares do partido.
O ex-deputado da Assembleia da República - que, na última legislatura, acompanhou o processo legislativo sobre a eutanásia - afirmou que o PCP regista a decisão do Tribunal Constitucional, que declarou inconstitucional o diploma sobre a morte medicamente assistida.
"Esta decisão está tomada e aquilo que importa dizer é que importa não perder tempo relativamente a questões que são fundamentais, que é o reforço do Serviço Nacional de Saúde (SNS), criar condições para que as pessoas que estejam em sofrimento tenham acesso a todos os cuidados paliativos a que têm direito e também prevenir práticas de obstinação terapêutica", salientou.
António Filipe considerou que, agora que o diploma vai ser devolvido ao parlamento, "é o momento para refletir sobre esta matéria" e sublinhou cabe agora aos proponentes decidir "se insistirão com outro texto ou se pensam que, pura e simplesmente, não vale a pena insistir".
Da parte do PCP, António Filipe garantiu que o partido vai manter a sua "posição de princípio" sobre a eutanásia, reiterando que não consideram esse assunto um "problema social".
"O que é um problema social, de facto, é a situação do SNS - tem de se encontrar reposta nesse plano -, são as pessoas que sofrem por falta de paliativos - é preciso encontrar urgentemente respostas a esse nível -, e, relativamente a pessoas que estejam em sofrimento, que haja boas práticas médicas e que se evite a obstinação terapêutica", reforçou.
Para o membro do Comité Central do PCP, "essa é que é a questão fundamental", mais "do que legislar por forma a permitir às pessoas a antecipação da morte, por propósitos mais generosos que sejam".
Interrogado se esses dois eixos não são compatíveis, António Filipe sublinhou que essa é a discussão que tem sido feita "ao longo dos anos" e frisou que o PCP respeita "os propósitos de muitas pessoas que acham que se deve abrir, na lei portuguesa, a possibilidade de recurso à morte antecipada".
"Nós manifestámos preocupações que temos relativamente a países onde essa possibilidade foi criada e que são exemplos que nós não queríamos ver em Portugal", indicou.
No caso do diploma hoje 'chumbado' pelo Tribunal Constitucional, António Filipe considerou que os proponentes "optaram por um regime muito complexo, porventura excessivamente complexo, que faz com que, às tantas, a decisão individual já fique lá para trás e o que haja é um ato administrativo após um longo processo, e complexo, que permitiria o recurso à morte antecipada".
"Os próprios proponentes confrontaram-se com a dificuldade da sua própria proposta, mas isso é uma reflexão que provavelmente iremos continuar a ter. Mas, neste momento, estamos confrontados com uma decisão do Tribunal Constitucional que, obviamente, implica necessariamente o veto do diploma e a sua devolução por parte do Presidente da República", referiu.
Questionado se, uma vez que esta já é a segunda vez que o Tribunal Constitucional 'chumba' o diploma sobre a eutanásia, considera que houve "incompetência" da parte dos autores da legislação, António Filipe descartou essa ideia, recordando que o decreto suscitou divisão junto dos juízes do palácio Ratton.
"Eu não diria que há incompetência da parte de quem aprovou este texto, porque isso seria também estarmos a dizer que há uma parte do Tribunal Constitucional que é competente e outra não. Não, não é isso: são sensibilidades diversas, leituras diversas relativamente ao sentido do nosso texto constitucional", disse.
António Filipe salientou que, apesar de a decisão não ter sido unânime, tem "todo o peso jurisdicional de um acórdão do Tribunal Constitucional, que tem naturalmente de ser respeitado".
O Tribunal Constitucional (TC) declarou hoje inconstitucionais algumas das normas do decreto que regula a morte medicamente assistida, em resposta ao pedido de fiscalização preventiva do Presidente da República, que já anunciou o veto e a devolução do diploma ao parlamento.
Este foi o terceiro decreto aprovado no parlamento sobre a eutanásia e a segunda vez que o chefe de Estado, nesta matéria, requereu a fiscalização preventiva, no dia 04 de janeiro.
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