Em entrevista à agência Lusa a cerca de dois meses da Convenção Nacional do BE, o antigo líder bloquista refere-se "ao emparelhamento entre António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa" que funcionou "em benefício de ambos" até à maioria absoluta, uma vez que esta abriu "uma fase nova" na relação entre os dois órgãos de soberania.
"Marcelo Rebelo de Sousa ganhou uma enorme margem de manobra em relação ao Governo. Está de mãos atadas perante uma direita que está fragmentada e está estruturalmente fragmentada e que vai aceitando com cada vez mais facilidade os temas políticos de uma agenda de agressividade social", alerta.
Porque a "maioria absoluta tornou a instabilidade absoluta como regra de governação", na análise de Francisco Louçã, "a imprevisibilidade, a incapacidade, o custo acrescido dos grandes problemas estruturais que agora se tornam explosivos" deram "uma outra margem de manobra de intervenção ao Presidente que ele explorou e que afirmou".
"É claro que o Presidente sabe que à direita não há nenhuma alternativa política. Sabe-o, disse-o e dizendo-o torna ainda mais agravado o buraco da falta de alternativa política à direita", adverte.
Se Marcelo Rebelo de Sousa "espera que Montenegro seja substituído por Passos Coelho ou se é substituído por algum outro, isso o tempo o dirá", mas, segundo o antigo líder bloquista, o Presidente da República tem "uma convicção".
"É de que, na configuração atual, com a perda da maioria absoluta, confirmada razoavelmente por todos os indicadores da opinião pública, uma alternativa de direita teria o custo imenso de uma aliança com a extrema-direita, seja por via da Iniciativa liberal, seja por via do Chega, seja por via dos dois simultaneamente, por mais que eles se mostrem de costas voltadas, coisa que na noite de umas eleições pode desaparecer num feliz reencontro", antecipa.
Para Louçã, "esse preço é muito elevado" uma vez que representa a "reestruturação da vida política portuguesa e, sobretudo da sua direita, do qual não tem retorno".
"A questão que se pode colocar é se o Presidente pode fazer alguma coisa a esse respeito e, aparentemente, não pode", admite.
Para o fundador do BE, é "certíssimo que Montenegro quer uma aliança" com o Chega, apesar de não a poder anunciar agora para a manter "na sua reserva porque a crê inevitável".
"Isso tem um custo político para ele porque um governo com André Ventura é um governo problemático, até porque o Chega é um partido egomaníaco e, portanto, ter vários ministérios com o mesmo ministro seria uma coisa relativamente curiosa, embora não de todo impossível, considerando a vontade monumental daquele dirigente político", ironiza.
No entanto, também o PS "beneficia desta situação", na opinião de Louçã, porque planta "um fantasma, ainda por cima tão visível, tão exuberante e tão gritante como André Ventura" para fazer um apelo: "votem em nós, mesmo que nos detestem, porque aqueles são ainda piores do que qualquer coisa que vocês já viram".
"Creio que é uma estratégia até com alguma mesquinhez e com alguma falta de perspetiva política porque não se apercebe do que representa o Chega. O Chega representa uma parte da sociedade portuguesa, representa um ressentimento e a instrumentalização de medos na sociedade portuguesa", lamenta.
Para o bloquista, o Chega "não representa só a exuberância da mentira, não representa só a catalogação dos ódios numa rede social em que prolifera e continuará a prosperar", mas é mais do que isso: "é povo, é uma parte do povo, das pessoas desesperadas".
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