Falando aos jornalistas após ter encerrado uma manifestação anti-Lula da Silva que juntou cerca de 1.000 pessoas, segundo a polícia, e entre 2.000 a 3.000, segundo a organização, próximo da Assembleia da República, Ventura explicou as razões pelas quais o Chega decidiu protestar contra a presença do Presidente do Brasil numa cerimónia que, "na prática", foi integrada na sessão solene.
"Acho que isso devia ter sido pensado pelo Presidente da República, pelo presidente do parlamento e pelo Governo. O Chega disse desde o primeiro momento, aliás toda a direita, que este não era o dia para Lula [da Silva] falar na Assembleia da República. Todos sabiam disso e, mesmo assim, insistiram em trazer Lula da Silva para o 25 de Abril", afirmou.
"Criou, assim, uma situação artificial porque, na prática, foi a mesma cerimónia separada por alguns minutos. Esta insistência do Governo, sabendo que o nome e a presença eram divisores, acabou por provocar o protesto, que foi no sentido de permitir que Lula da Silva falasse", sublinhou o líder do Chega.
Para Ventura, o Chega ficou em silêncio durante a intervenção de Lula da Silva, "não houve cortes da palavra" ao Presidente brasileiro, pelo que a posição do partido mostrou "uma intolerância absoluta à corrupção" no Brasil.
"É esse branqueamento da corrupção que quisemos manifestar na rua e no Parlamento. [...] O que nos move é a convicção profunda de que Lula da Silva representa o pior, não só do que o Brasil tem, mas que nos diz também respeito, como se pode ver no processo que envolve (o antigo primeiro-ministro português] José Sócrates", insistiu
"O Chega tinha várias hipóteses: ou não estar presente, mas entendemos que não era digno uma vez que fomos eleitos para lá estar, ou tentar perturbar a linguagem e o discurso. Mas apenas nos levantámos para passar mensagens: Ucrânia, corrupção e, sobretudo, o branqueamento da corrupção. [...] Acho que o Chega marcou a sua posição de total oposição a esta visita", prosseguiu.
Lembrando as palavras do primeiro-ministro António Costa, "habituem-se ao poder do PS, que vai continuar", Ventura frisou: "habituem-se, porque esta forma de oposição vai continuar".
Ventura desdramatizou as palavras de Marcelo Rebelo de Sousa no final da sessão solene do 25 de Abril, sustentando que o Presidente português já há muito que deixou claro "que tem uma mensagem diferente" da do Chega em várias matérias, como nas relações internacionais, na política económica e na segurança, entre outros temas.
"O Presidente da República entendeu que a nossa manifestação era inapropriada. Mas nós também entendemos que o convite a Lula [para participar] no 25 de Abril é inapropriado. É assim a democracia, é assim que se trabalha, uns concordam, outros não, uns protestam outros aplaudem. Veremos, no final, como disse Santos Silva, quando os portugueses foram de novo chamados às urnas, quem tem razão", disse.
Aos jornalistas, Ventura insistiu no processo relacionado com Sócrates, relatando que, ao sair, hoje, do Parlamento, disse ao deputado Joaquim Miranda Sarmento, que, caso o Chega assuma um dia a governação, não haverá qualquer "impacto político" nas relações com o Brasil, mas sim na Justiça em Portugal.
"O que tem um impacto negativo é nós estarmos há anos a avisar o que ia acontecer com a 'Operação Marques' e vocês a olharem para o lado. Quando falei do juiz Ivo Rosa, quando alertamos em 2018, 2019 e 2020 para o que estava a acontecer, todos olharam para o lado. Agora começam-se a fazer contas e a perceber que, se calhar, Sócrates não vai ser julgado", declarou.
"O que aconteceu no Brasil [com Lula da Silva] pode acontecer em Portugal e daqui a uns anos podemos ter José Sócrates a candidatar-se à Presidência da República e ainda a pagarmos-lhe uma indemnização", afirmou, acrescentando que uma prescrição dos crimes imputados ao antigo primeiro-ministro não ficará impune para o Chega.
"Quer os crimes de José Sócrates prescrevam ou não, para vencer uma eleição em Portugal não terá só de passar por cima de mim e de milhares de outras pessoas, porque não vamos permitir que isso aconteça. O maior insulto à democracia portuguesa é José Sócrates regressar à política, ser absolvido ou inocentado", acrescentou Ventura.
Acho que todos, operadores de justiça, políticos, devemos por a mão na consciência e perceber como tudo isto foi possível.
O líder do Chega insistiu na ideia de que Sócrates foi preso em 2014 e que, nove anos depois, o julgamento ainda não começou.
"Temos de pôr a mão na consciência e pensar como é que isto aconteceu e onde vamos parar, porque atrás dele [Sócrates] vem o [caso do BES, associado a Ricardo] Salgado e muitos outros que fizeram o que fizeram a Portugal e que se sentem completamente impunes. Miraculosamente, a justiça para outros parece andar a uma velocidade extraordinariamente rápida. É como digo. Por nós não passarão", rematou.
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