O ex-presidente da República Aníbal Cavaco Silva teceu, na tarde de sábado, duras críticas ao Governo, apontando o dedo ao chefe do Executivo, António Costa, e, por outro lado, enaltecendo a prestação de Luís Montenegro como presidente do Partido Social Democrata (PSD).
"Há que resgatar o debate político porque ele é importante em democracia. Segundo o que vemos, ouvimos e lemos, existem duas áreas em que o Governo socialista é especialista: na mentira, e na propaganda e truques", acusou o social-democrata durante a sua intervenção no 3.º Encontro dos Autarcas Sociais Democratas, em Lisboa.
O antecessor de Marcelo Rebelo de Sousa sublinhou que, "durante um mês", não houve um dia em que a imprensa - 'em cima' do Governo devido às sucessivas polémicas - não tivesse demonstrado que o Executivo não mente. "Perguntem aos vossos munícipes se ainda se pode acreditar em quem passa os dias a mentir", afirmou para os autarcas que o escutavam.
Na opinião de Cavaco Silva, "não tendo obra para apresentar", o Governo "considera que o importante é ter uma boa central de propaganda" com os objetivos de "desinformar, condicionar, iludir, anestesiar e enganar os cidadãos, procurando esconder a situação a que conduziu o país".
"Vemos, ouvimos e lemos sobre a desastrosa intervenção do Estado na TAP. Digo apenas, senhores autarcas, que perguntem aos portugueses se alguma vez imaginaram que seria possível um Governo descer tão baixo em matéria de ética política e desprezo pelos interesses nacionais", atirou.
Às vezes, os primeiros-ministros, em resultado de uma reflexão sobre a situação do país ou de um rebate de consciência, decidem apresentar a sua demissão e têm lugar eleições antecipadas
Cavaco Silva afirmou que "da TAP tem-se falado em abuso de poder e dos milhões de desperdício dos governos públicos", acrescentando que "há, no entanto, por aí, muitos mais milhões desperdiçados".
Considerando como erradas as políticas do Governo que resultam em "salários baixos" e "empobrecimento", o ex-governante do PSD referiu ainda que estas são resultado da "desarticulação e desnorte, da falta de rumo e visão estratégica".
O 'convite' a Costa
"Em princípio, a atual legislatura termina em 2026. Mas, às vezes, os primeiros-ministros, em resultado de uma reflexão sobre a situação do país ou de um rebate de consciência, decidem apresentar a sua demissão e têm lugar eleições antecipadas - foi isso que aconteceu em março de 2011", afirmou o também antigo primeiro-ministro do PSD, instando António Costa a demitir-se.
Apelidando a governação socialista de "desastrosa", Cavaco Silva apontou como essencial "resgatar o debate político em Portugal" por ser importante em democracia. "Os partidos políticos não devem ser inimigos uns dos outros, mas sim adversários que devem ser respeitados", rematou.
O PSD como "única alternativa"
Referindo-se a Montenegro, Cavaco Silva sublinhou que este "tem identificado muito bem o seu adversário político - o PS e o seu Governo". Na sua ótica, o seu partido "não deve dispersar a sua energia com outros partidos nem responder às provocações que deles possam vir". "O PSD é inequivocamente a única verdadeira alternativa credível ao poder", frisou.
O antigo líder do PSD afirmou que o governo socialista liderado por António Guterres "deixou o país num pântano", o governo do PS liderado por José Sócrates "deixou o país na bancarrota". Já o de Costa vai, apesar dos apoios europeus, "deixar ao próximo governo uma herança extremamente pesada".
"Não exercendo o primeiro-ministro as competências que a Constituição explicitamente lhe atribui, e sendo o Governo um somatório desarticulado e sem rumo de ministros e secretários de Estado, incapaz de lidar com a crispação social e os grupos de interesse, a sua tendência será para distribuir benesses e comprar votos e para despejar dinheiro para cima dos problemas e não para preparar um futuro melhor para Portugal", rematou.
As reações
Governo
O discurso de Cavaco Silva provocou algumas reações partidárias, entre as quais as da ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes, que desvalorizou as críticas do ex-chefe de Estado. Em declarações aos jornalistas, em São Pedro do Sul, no distrito de Viseu, a governante vincou que "o Governo está empenhadíssimo em criar as melhores condições para empresas, famílias, pessoas, agricultores, para podermos todos ultrapassar o momento difícil em que vivemos, que é um momento conjuntural que se arrasta há três anos - uma pandemia, guerra, crise inflacionista, como não tínhamos nos últimos 30 anos
A responsável garantiu que o Executivo estava mesmo a colocar "todo o empenho" em criar as condições, e sublinhou que as projeções da Comissão Europeia. Esta semana, recorde-se, Bruxelas destacou as "previsões positivas" divulgadas para Portugal, nas quais antevê um crescimento da economia este ano de 2,4%, realçando também a redução do défice em 2023, apesar das "medidas significativas" face à crise energética. "São indiciadores deste esforço que estamos a fazer", rematou.
Partido Socialista
Já o líder parlamentar do PS, Eurico Brilhante Dias, considerou que o ex-presidente adotou uma "linguagem ofensiva e antidemocrática". "A degradação da política é isto", apontou.
"Na senda do comportamento insultuoso dos deputados do PPD/PSD na CPI da TAP, e de um Presidente do partido que procura envolver os serviços de informação na disputa político-partidária, hoje uma personalidade com muitas responsabilidades adotou uma linguagem ofensiva e antidemocrática, numa evidente captura da direita democrática pelos radicais extremistas que não escamoteiam o ódio ao PS", escreveu o socialista no Facebook, considerando que o social-democrata não teve respeito por um partido com meio século de vida.
"Sem respeito por um partido com 50 anos, com milhares de militantes, e que há quase 8 anos, com bons resultados, lidera o país em contextos muito desafiantes. Se tudo isto é preocupação pelos resultados económicos que vão aparecendo gradualmente na vida dos portugueses então é ainda mais ilegítimo. Não esqueceremos", garantiu.
Também da ala socialista houve reação por parte do deputado João Azevedo. "Cavaco Silva já não aparecia a falar neste enquadramento há muitos anos. Portanto, aquilo que o PS entende é que o professor Cavaco Silva veio servir de muleta para que o Dr. Luís Montenegro conseguisse catapultar-se para um posicionamento político-partidário que lhe desse alguma vantagem junto da sociedade portuguesa, que não está a acontecer", afirmou o também membro do secretariado nacional do PS. Azevedo classificou ainda o discurso de Cavaco Silva é "de raiva e de ódio".
As palavras dirigidas hoje por Cavaco Silva ao Governo revelam o mesmo ímpeto destrutivo e vazio de alternativas que tem caracterizado as intervenções de Luís Montenegro, mas consegue somar-lhe uma raiva e um ódio que só podem ser interpretadas como uma tentativa de colmatar as… pic.twitter.com/VovO4DSMyy
— psocialista (@psocialista) May 20, 2023
Iniciativa Liberal
Já o líder da Inciativa Liberal, Rui Rocha, saudou o discurso deixado neste encontro social-democrata. "Nós já percebemos que António Costa tem muito pouca capacidade de apelar à sua consciência", afirmou, acrescentando que o partido não vai, no entanto, "ficar à espera que António Costa apresente a sua demissão, porque isso não vai acontecer".
"A maioria absoluta que António Costa tem, neste momento tem um único propósito, que é evitar precisamente a perda de poder", considerou.
Partido Comunista Português
Já o secretário-geral do Partido Comunista Português, Paulo Raimundo, agradeceu, este domingo, os "palpites de responsáveis anteriores" pelas políticas de direita "ao serviço dos grandes grupos económicos", mas clamou, em Baleizão, vitória sobre os mesmos e sugeriu que "voltem à barriga da mãe".
"Se é verdade que esta política tem partidos que a protagonizam, que lhe dão corpo e avanço, também não é menos verdade que esses partidos são compostos por pessoas, algumas delas com grandes responsabilidades no passado pela situação a que chegámos e que não se inibem de, volta não volta, vir mandar umas larachas", disse.
"Muito obrigado pelos palpites desses responsáveis anteriores. Obrigado. Já os derrotámos, voltem para a barriga da mãe", atirou Paulo Raimundo, sem nomear os autores dos "palpites", no dia seguinte ao duro discurso de Cavaco Silva.
Chega
Também o líder do Chega se manifestou este domingo, sobre as declarações do ex-presidente da República. André Ventura defendeu que as palavras de Cavaco Silva foram certeiras por dizer "o óbvio".
"Este Governo chegou ao fim, António Costa deveria ter a coragem de se demitir e é um Governo assente em mentira e em propaganda", notou, dizendo ainda que a mensagem do antigo primeiro-ministro do PSD e ex-chefe de Estado "é também incompleta e incerta".
[Notícia atualizada às 14h23]
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