"Permitam-me que hoje vos diga o quão grata estou pelo privilégio de ter seguido convosco no caminho destes últimos 11 anos e pelo que mais virá. Não preciso de vos dizer da inteligência, combatividade e entrega do Francisco Louçã, mas quero que saibam também da sua enorme generosidade", começou por dizer a coordenadora de Bloco de Esquerda (BE) no seu discurso na XIII Convenção Nacional do partido, que decorre este fim de semana, em Lisboa, deixando uma especial palavra de apreço a um dos fundadores do partido.
"De formas diversas, reinventaram a sua intervenção no Bloco e ensinaram-nos que as gerações não se atropelam nem se substituem. Reforçam-se, acrescentam-se", continuou Catarina Martins, saudando também Luís Fazenda, Fernando Rosas e Miguel Portas.
Entre fortes aplausos e a emoção da despedida, a ainda líder recordou conselhos e ensinamentos deixados por antigos dirigentes do partido, saudando especialmente João Semedo.
"Devo ainda dizer que poucas coisas me orgulham mais do que ver finalmente promulgada a lei que despenaliza a morte medicamente assistida. Não é o único legado que nos deixa, longe disso, mas esta particular combinação de exigência e tolerância é a lei João Semedo. Portugal deve agradecer-lhe a generosidade com que se dedicou a esta causa como ao SNS até ao último dos seus dias", referiu.
Fundação e guerras
Sobre os tempos da fundação do partido, em 1999, Catarina Martins lembrou que este "começou por enfrentar grandes desafios, e não era só mudar o mapa político".
"Era apoiar a luta pela independência de Timor e enfrentar várias guerras. Aquela com que a NATO destruiu a Jugoslávia e as invasões do Afeganistão e do Iraque", complementou, saudando "as vozes de quem fundou o Bloco por nunca terem hesitado nesse princípio de combate a todos os imperialismos em nome de todos os povos".
Agradecimento a Pedro Filipe Soares e "às camaradas"
Deixou também uma mensagem a Pedro Filipe Soares, líder parlamentar do BE, "pelo rigor na luta pelas questões fundamentais que definem o nosso programa, pela forma como organiza a nossa voz no parlamento" e pela "extraordinária solidariedade nestes dias tão longos".
Também "as camaradas" da coordenadora bloquista mereceram as suas saudações, recordando que "o Bloco foi fundado também por movimentos feministas".
"Aquelas que como a Marisa e a Mariana estiveram sempre, mão na mão, nos tempos mais difíceis. E tantas outras, elas sabem quem são e eu não as esqueço" receberam ainda cumprimentos, bem como "as que se juntaram entretanto", a quem "nem passa pela cabeça o paternalismo que as gerações anteriores tantas vezes perdoaram e que estão cheias de razão".
As lutas do Bloco
"Fomos sempre onde foi preciso e eu gosto muito de ir a todo o lado", disse Catarina Martins, listando as garantias que o partido foi deixando ao longo dos últimos anos no país inteiro, entre elas "o respeito na lei por todas as famílias". "O amor não pode ser limitado pelo preconceito", disparou, fazendo alusão à luta do BE pelos direitos LGBTI+.
A corrupção, o compadrio e o clientelismo fazem também parte dos alvos do Bloco, "que Ricardo Salgado tratava como seu inimigo, e com toda a razão", esclareceu Catarina Martins, recordando as manifestações às portas de fábricas, os despejos evitados e "quem perdeu tudo nos incêndios florestais".
BE voltaria a chumbar OE e não se arrepende da "coerência"
"Vivemos tempos difíceis. E não estou a falar do Bloco. É certo que a derrota eleitoral do ano passado deixou feridas. Mas volto a dizer o que já me ouviram: não nos arrependemos da coerência. Fizemos o que tínhamos de fazer e voltaríamos a fazer o mesmo enfrentamento com o governo nos Orçamentos a propósito da saúde e dos direitos laborais", disse ainda Catarina Martins, aludindo à 'geringonça' com o Partido Socialista, que governou o país até 2022.
A coordenadora do BE apontou logo armas a António Costa, seu parceiro de Governo na anterior legislatura, que "recusou qualquer acordo à esquerda em 2019 para dois anos depois provocar uma crise política e ter maioria absoluta".
"Foi uma artimanha de que saiu vencedor. E agora não sabe o que fazer com a sua vitória e é consumido pela pior de todas as situações: o Governo pouco faz e não tem desculpa nenhuma, pediu todo o poder de uma maioria absoluta e num ano e meio desbaratou a confiança de boa parte dos seus eleitores", disse.
A bloquista considerou que "a maioria absoluta do PS é tudo o que se podia esperar de uma maioria absoluta": O partido "usa o aparelho do Estado, perde-se em guerras internas e Portugal assiste incrédulo a um governo paralisado e enredado nos seus próprios erros."
Isso sim, "não foram o Covid e a guerra que criaram as dificuldades atuais", nem "nenhuma oposição que criou qualquer dos problemas que os ministros inventam", corrigiu, afirmando: "Todos são autoinfligidos e a arrogância só os amplifica. E assim se entretém uma degradação da vida pública em que o PS se tornou o padrasto de todo o populismo."
"E assim se entretém uma degradação da vida pública em que o PS se tornou o padrasto de todo o populismo", acusou ainda.
"Momento cavaquista do PS"
Catarina Martins subiu o tom das críticas quando disse que todos os problemas estruturais do país "foram agravados porque o PS, com maioria absoluta, achou que chegara o seu momento 'cavaquista'".
"Não foi, portanto, porque a negociação lhes tirava horas de sono que o PS recusou qualquer entendimento com a esquerda. Foi mesmo porque quis uma política no avesso da esquerda. E hoje encena confrontos vazios com a direita, enquanto lhe copia as políticas", considerou a também deputada à Assembleia da República, acusando os socialistas de estar "a contaminar todo o debate democrático e a estender a passadeira ao regresso dos piores fantasmas do passado".
"Divide o povo e alimenta o ódio quem quer convencer o pobre que a culpa da sua situação é do mais miserável, ou do imigrante, ou da mulher. Mas também divide o povo, porque alimenta as ervas daninhas do ressentimento, quem proclama vitórias enquanto o povo sente a vida a andar para trás", proclamou a líder cessante, que no início do discurso já tinha dito que se a política tivesse "mais poesia" seria "mais certeira e mais rápida a ver o que aí vem".
[Notícia atualizada às 12h19]
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