Nuno Melo é líder do CDS-PP, partido que integra, em conjunto com o PSD e o PPM, a Aliança Democrática (AD), que concorre às eleições antecipadas de 10 de março.
Em entrevista ao Notícias ao Minuto, e numa altura em que o CDS-PP se prepara para regressar à Assembleia da República, depois de dois anos sem representação parlamentar, Nuno Melo nota que o partido, "que não perdeu o jeito, nem o treino", vai ocupar "o espaço que é seu", "que é próprio e único".
O líder do CDS-PP admite que os centristas vão fazer parte do governo em caso de vitória da AD nas legislativas, recusando falar, para já, de pastas e titulares.
Esta coligação é, na sua ótica, a "alternativa" a "oito anos de descalabro" e considera que Pedro Nuno Santos "nunca tencionou viabilizar um governo da AD", porque "significa a deriva à esquerda" do PS. "Eu prefiro um radical sincero a um moderado encenado", atira.
O estado geral da governação foi tão trágico e a necessidade de alternativa tão premente que isso justificou a reedição de um projeto de centro-direita
Há dois anos, CDS-PP e PSD concorreram separadamente às eleições legislativas. Entretanto, houve esta vontade de fazer um 'remake' da Aliança Democrática. O que é que mudou?
O que mudou foi a necessidade de se encontrar uma alternativa que desse esperança ao país depois de oito anos de descalabro, que somou 14 substituições de governantes em perto de dois anos, o colapso do Serviço Nacional de Saúde (SNS), a instabilidade na escola pública... que trouxe os polícias e as forças de segurança para a rua, que fracassou nas políticas de habitação pública, nos transportes, que trouxe para o limiar da pobreza quatro milhões de portugueses, com Portugal a cair sucessivamente no 'ranking' dos países mais pobres da União Europeia (UE) e que abandonou os agricultores.
Ou seja, o estado geral da governação foi tão trágico e a necessidade de alternativa tão premente que isso justificou a reedição de um projeto de centro-direita, que é uma marca de sucesso desde 1979. Sendo também que, sempre que se juntaram, PSD e CDS nunca perderam Eleições Legislativas. Portanto, este é um projeto que é muito mais que um somatório de dois partidos, é um projeto de país que justificou que acontecesse agora, também, em 2024.
A AD é um projeto que transcende a denominação partidária, com ideias muito claras para o país
Estão a repetir uma fórmula que teve sucesso há cerca de 50 anos. O que é que vos faz crer que, passado todo este tempo, vão voltar a ter sucesso? O país mudou drasticamente...
Em primeiro lugar, porque o estado geral do país não é irrelevante. O país tem de mudar. Em segundo lugar, a AD é a alternativa, porque quem achar que as coisas não estão bem - e acho que um português em condições de normalidade não acha que o país está bem - quererá mudar. A alternativa ao PS é, de facto, a AD. E o que é que a AD tem, também, que o PS não tem? Soma-lhe os melhores quadros dos partidos, necessariamente, a independentes que são reconhecidos e considerados pelo seu mérito e pelo seu trajeto na sociedade. O cabeça-de-lista em Santarém [Eduardo Oliveira e Sousa] foi presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) e o Dr. Miguel Guimarães, no Porto, foi bastonário da Ordem dos Médicos.
A AD é um projeto que transcende a denominação partidária, com ideias muito claras para o país, que são de outro modelo de economia e social, que acho que tem vantagens para todos. Por exemplo, o PS quer manter um modelo económico assente em altas cargas tributárias, vulnerando as famílias e as empresas, redistribuindo depois mal e tendo até o paradoxo de, nos serviços públicos, hoje, as prestações serem absolutamente medíocres. A AD quer devolver rendimentos às famílias e às empresas para garantir maior margem para investimento e criação de riqueza, que depois é redistribuída com muito maior eficácia. Ou seja, um mercado com preocupações sociais, que é uma questão de projetos que são diferentes. A AD tem, em si mesma, esta ideia de projeto nacional, juntando quadros capazes, num exemplo de sucesso, e ideias que são distintas para conseguir melhores resultados em Portugal.
O governo que foi liderado por Pedro Passos Coelho com Paulo Portas foi um governo que recebeu um país falido
Ao mesmo tempo, não teme que ver PSD e CDS coligados possa trazer memórias dos tempos da Troika em Portugal?
Não temo nada. Os tempos da troika são tempos de que o PSD e o CDS, no que tem a ver com o desempenho do governo, só podem ter orgulho. O governo que foi liderado por Pedro Passos Coelho com Paulo Portas foi um governo que recebeu um país falido. Recordo que, no final de 2011, era título nos jornais que Portugal tinha dinheiro para pagar as despesas do Estado durante um mês. Portugal estava intervencionado, falido...
A austeridade constava de um documento negociado pelo PS, pelo engenheiro Sócrates. O que a PàF [Portugal à Frente, coligação PSD/CDS-PP que concorreu às eleições legislativas de 2015], na altura, fez, foi receber um país falido e intervencionado, que o entregou livre da troika, credibilizado nos mercados, com as contas em ordem e a crescer. O PS, depois, recebeu Portugal, de novo, em condições muitíssimos melhores.
A PàF venceu as eleições, se bem se recordam. Se tivesse de recordar, recordava que o PSD e o CDS, ao tempo, nessa coligação, venceram as eleições. O que queremos neste momento, de forma substancialmente diferente, é termos oportunidade de governar num ciclo que possa ser de crescimento. Sempre que o CDS-PP esteve no governo, esteve para resolver problemas e pagar dívidas de bancarrotas socialistas. Queremos ter a oportunidade de estar num ciclo de governo de crescimento e, aí sim, poder implementar políticas que não são de emergência nacional, mas sim transformadoras, a pensar num melhor desempenho da economia que, por seu lado, garanta melhores salários, com proteção social. É isso que eu acho que os partidos de centro-direita modernos devem querer. Não querem viver em cima do esforço dos outros, querem dar aos outros a liberdade e a oportunidade de crescerem e, através do seu esforço, ajudarem a economia, num plano que é redistributivo.
Mas como é que pretendem descolar-se da imagem que, por vezes, se tem associada à Direita, de cortes nos salários, nas pensões, do fim de certos feriados nacionais... como se desmistifica isso?
Com pedagogia. Volto a insistir, os cortes que foram feitos foram negociados pelo PS. Ponto um, o PS trouxe a bancarrota a Portugal, ponto dois, o PS fixou a austeridade e os cortes que depois outros tiveram de executar. Aconteceu de ser a PàF, mas podia ter sido o PS se tivesse vencido as eleições. Ou seja, a governação entre 2011 e 2015 foi uma governação totalmente condicionada, não foi uma governação livre. Quem venceu as eleições e teve de governar, teve de governar para cumprir um caderno de encargos que foi fixado pelo PS, que tinha trazido a bancarrota a Portugal. Tanto que os portugueses reconheceram isso e deram a vitória à PàF. Não tenho que interiorizar um desvalor por aquilo que eu acho que, se for medido com justiça, é razão de muito mérito. Agora, insisto, queremos é poder governar num ciclo que seja de crescimento e que não seja de contingência. Porque, se o país está falido, os cortes acabam por ser uma inevitabilidade. Se a economia está em melhores condições, então pode governar-se sem ser num estado de emergência nacional. E é nisso que eu acho que Portugal beneficiaria muito se tivesse a AD no governo, e acredito que a AD vai vencer as eleições.
IL? Uma coligação é um ato de vontade e um exercício de liberdade. Não quer, não vem daí mal ao mundo
Em dezembro, lamentou que a Iniciativa Liberal não integre esta AD. Mantém esse sentimento?
Temos um sistema eleitoral que, pelo método de Hondt, beneficia os projetos que agregam votos, porque dessa forma elimina o desperdício. Em 2022, o CDS-PP teve votos que, somados aos do PSD, garantiriam a eleição de mais seis deputados, que seriam conquistados ao PS e um deles ao Chega, no Porto. Isso mostra que, quando há um projeto de país, em que os partidos assentam numa base comum, mas que aproveita também o somatório dos votos através do método de Hondt, é uma coisa boa. Um partido como a IL é um partido que seguramente poderá ter votos em distritos onde não vai eleger nenhum deputado. Isso ajudaria, talvez, a conquistar outros deputados ao PS ou a outros partidos concorrentes. Mas uma coligação é um ato de vontade e um exercício de liberdade. Não quer, não vem daí mal ao mundo. Vai a votos, tudo bem, eu acho é que a AD tem é que fazer o seu caminho e ter a expectativa de crescer e obter uma maioria que nos permita governar sem depender dos outros. Aqui chegados, o desejável era que a AD pudesse governar sem depender da IL nem de mais ninguém.
Mas, se depender da IL, estão abertos a um acordo...
O líder da AD foi claro quando disse que estava aberto a entendimentos com a IL, precisando desses mandatos para governar.
Desejaria que a AD tivesse os votos suficientes para não depender de mais ninguém. Agora, sendo preciso... isso são contas de outro rosário
Teríamos uma coligação com conservadores e liberais do mesmo lado. É plausível?
Para lhe ser muito sincero, espero que não seja necessário. Desejaria que a AD tivesse os votos suficientes para não depender de mais ninguém. Agora, sendo preciso... isso são contas de outro rosário.
Quando vejo estes cartazes de Pedro Nuno Santos que dizem 'Mais Ação', quase me apetecia lá reescrever 'Mais Noção', que é o que falta um bocadinho a este PS
O PS acusou a AD de ser um "projeto do passado", também já foi criticada uma eventual "deriva conservadora"... como responde e encara estas críticas?
Isso é dito por um partido que hoje é profundamente monolítico e estático e não consegue ter a elasticidade de perceber que o mundo mudou e se radicalizou tanto que vê na associação à extrema-esquerda do Bloco de Esquerda e do PCP um exercício de modernidade. É completamente paradoxal. Quando vejo estes cartazes de Pedro Nuno Santos que dizem 'Mais Ação', quase me apetecia lá reescrever 'Mais Noção', que é o que falta um bocadinho a este PS. O PS vive em circuito fechado, recrutando apenas no esconso do aparelho político-partidário, que, de resto, justificam estas 14 substituições em perto de dois anos, porque nunca valorizou o mérito, prevaleceu sempre o aparelho. A AD não é nada disto - e eu suponho que é isto que assusta o PS - junta os melhores quadros do PSD e do CDS-PP a independentes que são escolhidos pela sua qualidade e pela sua valia, e a política precisa disso.
No caso de uma derrota da AD, não vai apoiar um governo minoritário do PS?
A AD não vai perder as eleições.
As condições de normalidade acabaram em 2015, quando o PS governou perdendo, e acabaram em 2024 quando Pedro Nuno Santos insistiu, declarando, assumindo, que não viabilizaria nenhum governo da AD. Pedro Nuno Santos só tem de pensar na tal reciprocidade de que agora se recordou. A normalidade acabou
Porquê tanto silêncio em torno desta questão?
Não é silêncio nenhum. Sobre isso já disse muitas vezes o que penso e insisto: uma coisa é a doutrina geral, eu acho que, num país normal, quem vence deve governar. É isso que é normal em democracia, disse-o em 2015, digo-o agora. Coisa diferente é aquilo que também disse naquela entrevista da CNN e que depois não precisei, e devia. Visto retrospetivamente, devia ter tido essa precisão, que são as condições de normalidade. Em condições de normalidade, quem vence deve governar. Acontece que as condições de normalidade acabaram em 2015, quando o PS governou perdendo, e acabaram em 2024 quando Pedro Nuno Santos insistiu, declarando, assumindo, que não viabilizaria nenhum governo da AD. Pedro Nuno Santos só tem de pensar na tal reciprocidade de que agora se recordou e passa a ser argumento, que por acaso já tinha usado, mas que justifica tudo. A normalidade acabou.
Pedro Nuno Santos significa a deriva à esquerda deste PS. Eu prefiro um radical sincero a um moderado encenado
Acha que as declarações do secretário-geral do PS sobre a viabilização de um governo de Direita podem ser uma jogada política?
Não é jogada política nenhuma. Na essência, Pedro Nuno Santos nunca na vida viabilizará um governo de centro-direita, porque Pedro Nuno Santos significa a deriva à esquerda deste PS. É quem negociou, de resto, em 2015 - não sei se teorizou - a geringonça com o Bloco e com o PCP. A única diferença é que se Pedro Nuno Santos tivesse a oportunidade de ser primeiro-ministro, e acredito que não terá, o que teríamos era um governo muito mais radicalizado do que a geringonça de 2015.
Em 2015, tivemos um governo do PS com o Bloco e o PCP no Parlamento a apoiar. Em 2024, se Pedro Nuno Santos tivesse oportunidade, teríamos Pedro Nuno Santos a primeiro-ministro, com Mariana Mortágua e Paulo Raimundo sentados nos bancos da governação. Talvez Mariana Mortágua ministra das Finanças, ou da Economia, e Paulo Raimundo ministro do Trabalho, não sei, mas significa essa deriva, e essa é a essência de Pedro Nuno Santos. Nunca tive dúvida nenhuma de que nunca tencionou viabilizar um governo da AD, em circunstância que fosse. O que Pedro Nuno Santos diz é que se tiver oportunidade, mesmo perdendo, forma governo com a extrema-esquerda - o Bloco e o PCP. Mas então olhe para os Açores. Lá, não tem nenhuma possibilidade de fazer governo com a extrema-esquerda, todavia, não viabiliza o Governo da AD. Pior, está disponível para dar a mão ao Chega e fazer, de novo, cair e não viabilizar esse Governo, que é um Governo legítimo, que venceu as eleições, liderado por José Manuel Bolieiro.
Eu prefiro um radical sincero a um moderado encenado, e o que temos aqui, neste momento, com Pedro Nuno Santos é um moderado encenado. Não é a essência dele, não é a realidade. A realidade sabemos qual é, é a do radical.
Falou sobre o caso dos Açores. Transportando isto para o nível nacional, temos um PS que não viabilizará um governo da AD e temos uma AD que não viabilizará um governo do PS. O que é que acontece se nenhum dos dois conseguir formar governo?
Não sei se viabiliza ou não. Em relação ao que deve suceder sobre a AD, a esse nível, Luís Montenegro suponho que foi suficientemente claro. Não nos devemos distrair daquilo que deve ser a nossa principal e grande motivação. Quando quer vencer umas eleições, não ter que estar a teorizar nem comentar cenários adversos. A AD está aqui para vencer as eleições e portanto não tem que teorizar sobre mais nada, vamos vencer as eleições e estamos a trabalhar para isso todos os dias.
Foi uma grande polémica a questão de ter ficado em vias de substituir Luís Montenegro em dois dos debates. O que é que aconteceu, afinal? Consegue esclarecer-nos?
O que aconteceu é um sinal dos tempos, que considero muito triste e que, do ponto de vista do regime, nos dá que pensar. Quem vai a votos não é o CDS-PP, é a AD. O que está registado no Tribunal Constitucional é a AD. Quem tem que decidir, do ponto de vista da relação de causa e efeito do desempenho no mandato e na consequência eleitoral nas urnas sobre o protagonista, pensando também no adversário, é o projeto político da AD, não é um jornalista nem um diretor de informação, era o que mais faltava. O que tivemos foi uma perversão de uma direção de informação, não só já a escolher jornalistas que depois se reúnem durante horas a fazer comentários sobre os desempenhos dos mandatos e a dar notas, como também quem pode representar os próprios partidos nesses debates. Isso acho profundamente anormal. Seria mais ou menos como ter o poder político agora a decidir quem devem ser as pessoas que depois estariam a comentar os debates nas televisões. Não vê isso, porque não é normal, 'mutatis mutandis' não é normal ter, de repente, direções de informação a decidir quem é que da AD pode representar este projeto político.
O argumento era de que o CDS-PP não tem representação parlamentar. Podia considerar isso profundamente discutível, se tivermos em conta que o CDS-PP não se mede por um deputado. Há partidos que só têm um deputado, mas não têm mais nada. Tiveram menos votos nas Eleições Legislativas do que o CDS-PP. E o CDS-PP governa sozinho seis Câmara Municipais, mais de 40 em coligação com o PSD, tem 1.500 autarcas, está nos Governos Regionais dos Açores e da Madeira, está no Parlamento Europeu, tem mais mandatos fora da Assembleia da República do que o Chega, a Iniciativa Liberal e todos os outros partidos com menos votos do que estes. Portanto, o CDS-PP só por si já justificaria uma participação. Independentemente disso, o critério parlamentar aqui nem sequer se aplicaria - já agora, um Parlamento Europeu é uma eleição num círculo nacional, é um parlamento, até um supraparlamento se quisermos conjeturar assim. Independentemente disso, o facto é que o CDS-PP não vai a votos, é a AD.
Acho uma perversão que uma direção de informação se sinta no direito de escolher, prejudicando eleitoralmente, eventualmente, um projeto político, quem representa essa coligação num debate. Porque imagine que a AD tinha considerado que, para aquele debate, pensando também nos votos, eu era a pessoa indicada para argumentar com um determinado adversário, que direito é que tem uma direção de informação de interferir diretamente com a estratégia partidária e política de uma coligação, como é o caso da AD? Não é normal, peço imensa desculpa.
Dito isto, como bem também foi esclarecido, a indicação de que Luís Montenegro não faria estes dois debates foi de há muito, não foi do momento em que a polémica estalou, foi de há muito.
Debates? Não me sinto pesaroso, sinto-me muito preocupado. Lamento muito que isto tenha podido acontecer
Pode-se então concluir que ficou pesaroso?
Não, não fiquei pesaroso, fiquei preocupado. Isto também se discute em 10 de março. Quando verificamos aquilo que para mim são expressões normais de relacionamento institucional em democracia são postas em causa, também isso se discute em momentos eleitorais. Isto que aconteceu é muito preocupante, porque há uma grande diferença. Eu tenho o direito de ser parcial, porque represento um partido político. Um jornalista não tem o direito de ser parcial quando informa. Eu sou escrutinado de quatro em quatro anos, e respondo por isso. Quem me proíbe de participar num debate não responde politicamente perante ninguém, sabendo-se que ali não representava - insisto - sequer o CDS-PP, representava uma coligação. Desse ponto de vista, o que digo é que não me sinto pesaroso, sinto-me muito preocupado. Lamento muito que isto tenha podido acontecer.
Já agora, gostava de recordar que, em 2015, Paulo Portas participou em dois debates e, no debate com a CDU, quem representou a coligação foi a líder d'Os Verdes, Eloísa Apolónia, que não era também líder de coligação nenhuma. Enfim, as coisas são como são.
O Governo, durante oito anos, trouxe o colapso ao SNS porque limitou-se a atirar ideologia para cima dos problemas
Vamos falar um pouco sobre as propostas da AD para o país. Na Saúde, tem uma promessa de um Plano de Emergência em 60 dias, para executar até 2025. Como é que em tão pouco tempo se muda um SNS descrito como estando "em colapso", que mostra grandes dificuldades?
A Saúde não se limita a uma medida. O que queremos fazer, a começar, é retirar a ideologia da Saúde. Um doente não quer saber se a ministra da Saúde se exalta a escutar a Internacional quando se sente tensa. O que um doente quer saber é se no dia seguinte é tratado, se tem uma cirurgia a tempo e horas, se tem um médico de família, as urgências abertas. Se tem médicos e enfermeiros em número suficiente para assegurarem a eficácia do SNS.
O governo [do PS], durante oito anos, trouxe o colapso ao SNS porque limitou-se a atirar ideologia para cima dos problemas. Por exemplo, extinguiu Parcerias Público-Privadas (PPP) que transformaram hospitais premiados, de Braga a Loures, em hospitais, hoje, cheios de problemas. A extinção das PPP destes hospitais transformou hospitais bons em hospitais cheios de problemas. Chegamos a um momento em que mesmo uma grávida, no planeamento do nascimento do seu filho, não sabe a que hospital poderá recorrer.
Aquilo em que acreditamos profundamente não é num SNS de uma perspetiva dogmática. Acreditamos numa complementariedade entre o SNS - ou seja, a administração pública dos cuidados de saúde -, o setor social e o setor privado. Estabelece-se um sistema em que naquilo em que o SNS não consiga dar resposta, o doente terá, no setor social e no setor privado, a prestação dos cuidados de saúde, que, no limite, é o que quer e pretende. Um doente que precisa de uma cirurgia não quer saber se a cirurgia tem que ser feita pelo médico X no hospital Z do SNS. O doente não se trata com ideologia, trata-se com a prestação desses cuidados de saúde. Há muita coisa que pode ser feita a este propósito e por isso é que definimos essa complementariedade, por isso é que defendemos o 'voucher-saúde' que permitirá o recurso aos setores privado e social quando o SNS não dê resposta a tempo e horas. Por isso é que defendemos regimes de avaliação e incentivo, não apenas quantitativos, mas também qualitativos, no SNS, relativamente aos profissionais de saúde. Hoje, o SNS assenta em cima de médicos, enfermeiros, técnicos muitíssimos bons e mal pagos.
Nós apostamos em muito melhor gestão, porque se o Estado injetou mais dinheiro no SNS, como o PS argumenta, e os serviços estão muito piores, então significa que alguma coisa falha. Falham duas: falha a tutela e falha a eficácia. Precisamos de muito melhores mecanismos de gestão dos hospitais no SNS, os profissionais de saúde têm de se sentir valorizados e considerados e tudo isto conjugado é que permitirá os resultados, a curto prazo. Pode ser um ano, pode ser dois, três... aquilo que a AD propõe é pensar também por quem trabalha no SNS e, por isso, acreditamos que é possível. Temos que esperar e passado um ano, dois, três, fazer o balanço. Há uma coisa que eu sei: tivemos oito anos deste PS e nada resultou. Pelo menos deem-nos o benefício da dúvida.
Mas a promessa de que falei vai até 2025, já nos está a falar em dois anos, três...
Está-me a falar de uma medida, eu estou-lhe a falar de todo um pacote de intervenção no setor da Saúde que vai para lá de uma medida.Ninguém tenciona investir mais no privado ou no social do que no público. O que se pretende é a complementariedade
Como é que reage às críticas de quem acusa a AD de querer cortar financiamento ao público para querer investir mais no privado?
É um disparate, porque ninguém tenciona investir mais no privado ou no social do que no público. O que se pretende é a complementariedade. Tem que se avaliar objetivamente todo o sistema, ponderado que temos um ministro da Saúde, não temos um ministro do SNS. O ministro tutela toda a Saúde em Portugal, o que significa que tutela uma realidade em que convivem estas três dimensões, isto é facto. O que temos é que garantir que conseguem dar boas respostas, pensando que a razão de ser de tudo é o doente, não é mais ninguém. Tudo isto é criado, não por razão dogmática, mas porque o Estado tem que garantir que o cidadão, o doente, pode ser tratado, e isso implica um sistema que seja eficaz, e este não o é.
A única coisa que o PS tem, neste momento, para oferecer no setor da Saúde é a ideologia e o dogma. Não queremos a ideologia nem o dogma, queremos é eficácia e condições. Se pensar, por exemplo, nos Centros de Resposta Integrados (CRI)... a gestão não tem que ser necessariamente privada, tem é que ser eficaz. Estes CRI são centros em que há autonomia de gestão, mas há médicos - num sistema que também é público - que são escolhidos e respondem pelos resultados. Isto é muito mais motivador e resolve muito mais problemas do que na lógica estática, dogmática, ideológica...
Mas não teme que a questão da resposta por resultados possa criar um ambiente em que os médicos olham mais para os números do que para o paciente?
Por isso é que falei de critérios quantitativos e qualitativos.
É preciso haver um plano integrado que, com tempo, altere o que acontece no Interior
Falando da valorização dos profissionais de saúde, há zonas no país, sobretudo no Interior, que sofrem com a falta de médicos porque não os conseguem. Que respostas é que a AD promete dar a esses médicos para garantir que vão conseguir fixar-se nessas zonas onde precisam tanto deles?
Têm que ter muito melhores condições de trabalho, sendo que em muito que tem a ver com Interior a avaliação não se restringe à questão da Saúde. Há um problema que está identificado, e há muito, que veio fazendo com que o Interior se vá desertificando, e gerações inteiras, começando pelos mais jovens, optem pelos grandes centros urbanos e o litoral como destino futuro da sua vida. Se isto acontece, é porque viver no Interior, neste momento, não é compensador. E não é compensador se pensar que o Interior vem sendo prejudicado, por exemplo, pela eliminação de muitos serviços do Estado. Não me refiro, apenas, aos hospitais, refiro-me a tribunais, correios, bancos... que inibem respostas que as pessoas precisam para as suas vidas.
Uma empresa no interior tem mais dificuldades para ser competitiva do que uma empresa no Litoral, e o Estado, infelizmente, direciona muito mais das suas ajudas, do seu esforço e da sua atenção para o Litoral do que para o Interior. Mesmo no plano político, neste momento temos distritos enormes em área mas porque a eleição de deputados está indexada ao número de habitantes. Elegem dois deputados, o que é totalmente ridículo, porque, depois, o que têm é uma Assembleia da República em que o Interior não está representado. A esmagadora maioria dos deputados são do Litoral. Embora compreenda um critério que relaciona o número de deputados com a população, há de haver um critério que seja inteligente, mas que garanta que as parcelas maiores do território estão também representadas, e com diversidade. E neste momento não estão representadas com diversidade, quando muitas vezes nesses distritos elegem-se deputados de um partido só, eventualmente dois na melhor das hipóteses.
É preciso haver um plano integrado que, com tempo, altere o que acontece no Interior e que passa do plano fiscal ao plano das infraestruturas, passando também pelo plano da prestação de serviços. Acredito num sistema de discriminação positiva em relação ao Interior, para que as pessoas que ali trabalham, pagando menos impostos, tendo incentivos de diferente natureza, sintam que há uma vantagem em fixar-se ali e ter uma oportunidade de vida. Num mercado que é global, concorrendo com o Litoral, mas sendo nisto prejudicado todos os dias, com grandes incertezas em relação ao futuro, aí teremos grandes problemas, que valem para a Saúde como para todo o resto. E, portanto, aí temos que ter um esforço integrado, um pacote para o interior, que torne atrativa a vida na Saúde, nas empresas, na Agricultura, enfim, a todos os níveis.
Portugal foi ultrapassado no 'ranking' dos países mais pobres da União Europeia pela Polónia, pela Hungria, pela Estónia, pela Lituânia e agora, mais recentemente, pela Roménia. Sabe qual foi o grande motivo do crescimento desses países e, comparativamente, do definhamento de Portugal? Foi a política fiscal
Falando sobre questões fiscais e falando sobre incentivos fiscais também, a AD já foi acusada de querer uma "aventura fiscal". Pode garantir que a execução do programa não causará um desfalque demasiado grande no Orçamento e no país?
Olhe, eu coloco-lhe as coisas assim. Nos últimos oito anos, Portugal foi ultrapassado no 'ranking' dos países mais pobres da União Europeia pela Polónia, pela Hungria, pela Estónia, pela Lituânia e agora, mais recentemente, pela Roménia. Sabe qual foi o grande motivo do crescimento desses países e, comparativamente, do definhamento de Portugal? Foi a política fiscal. Estes países, que saíram da aventura comunista, que eram muito mais pobres do que Portugal no momento da adesão e aderiram à União Europeia muito recentemente, são países que em pouco tempo alteraram as suas circunstâncias estruturais através de políticas fiscais agressivas que garantiram crescimento e melhores salários. Portugal, pelo contrário, é um país que persiste.
Eu gostava de recordar que nos últimos 27 anos o Partido Socialista governou 20. Portanto, teve todos os meios para desenhar o país que quis à sua escala. O facto é que nós persistimos num modelo que assenta numa usurpação fiscal que deixa rendimentos comprimidos a quem trabalha, asfixia a classe média. Na verdade, faz com que pessoas saíam da classe média para patamares inferiores de riqueza, é exatamente o contrário do elevador social. E, no dia seguinte, quando vamos a votos, apenas temos como argumento esse que é o dogmático. Só se redistribui aquilo que se consegue pedir. Se nós temos um modelo que faz com que a economia definhe, com que as pessoas tenham menos salários, com que as empresas produzam menos, no final também cobra menos de impostos e tem menos para redistribuir. E, portanto, o que a AD realmente acredita é num outro modelo que devolva rendimentos às famílias e às empresas, que liberte liquidez para investimento, para consumo e, nisso, alavancando a economia. Isso a diferentes níveis.
Por exemplo, se pensar naquilo que acontece com os jovens em Portugal, neste momento a taxa de desempenho dos jovens em Portugal é superior a 20%. Acha normal? Eu não acho. Um em cada três jovens está fora do país. Por alguma razão será. E, portanto, realmente não é atrativo ser jovem e ter salários miseráveis em Portugal. As pessoas vão para fora, como é óbvio, porque, para o mesmo trabalho, paga-se muito melhor. E nós estamos num mercado único, onde há livre circulação de bens de pessoas, serviços e capitais. Pronto, mas as pessoas podendo estavam cá.
O que a AD propõe? Propõe, em relação aos jovens, o IRS jovem, de 15%, até aos 35 anos. E eu acho uma coisa boa. Porquê? Porque, no começo de vida, um jovem, tendo esta vantagem fiscal, tem um rendimento disponível alargado. Quando nós defendemos, por exemplo, a isenção do IMT, na compra da primeira habitação dos jovens, é uma coisa boa. O IMT e o imposto social, na verdade. Defendemos também, como bem sabe, reduzir as taxas de IRC em todos os escalões. Menos no último. Nós queremos isentar as contribuições de impostos aos prémios de desempenho, que também tem muito a ver com a meritocracia. Portanto, é uma questão filosófica. E, realmente, nós temos uma forma diferente de avaliar o mercado e a sociedade. Insisto, a fórmula socialista está experimentada em 20 anos durante 27. Acho que vai ser tempo de tentar outra coisa qualquer se avaliarmos os resultados.
A AD tem identificado o problema das forças de segurança e, na verdade, não é só das forças de segurança, é também das forças armadas
Falemos sobre as autoridades, sobre as polícias, tema que também tem marcado muito a atualidade. Luís Montenegro já assegurou que, caso ganhem as eleições, uma das primeiras coisas que fará será negociar com os sindicatos. Isto tem gerado algumas críticas. Há quem fale de aproveitamento político. Na posição de Luís Montenegro teria feito a mesma proposta?
Eu acho que o Luís Montenegro foi claríssimo e eu não podia deixar de estar de acordo. Ou seja, o que o Luís Montenegro diz é que há um momento que é um momento eleitoral, é este, em que se apresentam propostas e as pessoas percebem-nas, e há um momento de negociação através dos governos, que é feito depois dos votos contados e dos mandatos distribuídos.
A AD tem identificado o problema das forças de segurança e, na verdade, não é só das forças de segurança, é também das forças armadas. É evidente, se tiver em conta tudo o que tem a ver com o rendimento disponível e a consideração e a dignidade do exercício da função, que os polícias, da GNR e da PSP, os militares, têm todas as razões para estarem profundamente descontentes. Compare a degradação de um vencimento de um polícia desde os anos 90, relacionada com o salário mínimo nacional, com 2024. Percebe que os polícias e os militares vêm perdendo o poder de compra persistentemente, sendo que ganham, neste momento, o equivalente a trabalhadores totalmente indiferenciados num supermercado, com a diferença que têm restrições que os outros não têm. Têm restrições de mobilidade, têm restrições de direitos por serem polícias, têm problemas de risco...
Um partido não é de Direita só porque diz que é de Direita, principalmente quando se propõe o disparate
É defensor do direito à greve por parte dos polícias?
Não, que disparate. Esse é o maior disparate. Um dos maiores disparates a par de outros. Isto para dizer o quê? Nós temos identificados como justos os problemas e como justas as reivindicações e estamos disponíveis para as resolver depois das eleições, dentro daquilo que sejam as possibilidades do Orçamento geral do Estado. O exemplo que me dá mostra como um partido não é de direita só porque diz que é de direita, principalmente quando se propõe o disparate. Ou seja, as forças de segurança representam a autoridade do Estado e a autoridade do Estado não faz greve, porque a segurança de um povo tem que estar ali assegurada, é a autoridade do Estado. De repente, defender-se o direito à greve das forças de segurança, e pior do que isso, os quartéis com secções partidárias...Enfim...
A proposta é dupla. É a possibilidade dos membros das forças de segurança serem militantes partidos e o direito à greve. Duas coisas que eu considero muito disparatadas se tivermos em conta que se tratam de forças de segurança. De facto, as forças de segurança têm particularidades, os membros das forças de segurança têm particularidades que o cidadão comum não tem. As coisas são mesmo assim, não é? Mas pronto, quando se vai atrás de votos pelos votos sem se pensar naquilo que é o interesse nacional e a dignidade de um regime enquanto tal, as coisas acontecem.
O CDS, durante os últimos dois anos, não esteve na Assembleia da República, mas não foi seguramente substituído por mais ninguém. O CDS vai-se limitar a ocupar o espaço que é seu
Sabemos que o regresso do CDS-PP ao Parlamento é praticamente certo. Muita coisa mudou desde 2022 que foi o ano em que o CDS deixou a Assembleia da República. Como é que o CDS se vai encaixar na atualidade política?
Eu gostava de recordar que o CDS é um partido fundador do regime. O CDS participou em sete governos constitucionais. O CDS consistentemente teve deputados eleitos e membros eleitos em todos os patamares eletivos nacionais da Junta de Freguesia ao Parlamento Europeu. E o CDS, durante os últimos dois anos, não esteve na Assembleia da República, mas não foi seguramente substituído por mais ninguém. O CDS vai-se limitar a ocupar o espaço que é seu, que é próprio, que é único, desta direita social, deste liberalismo social, desta democracia cristã, personalista, e que, felizmente, estará novamente na Assembleia da República. Isso é uma grande vantagem para o regime democrático e eu acho que é um exercício também de justiça em relação a este partido fundador da democracia.
Mas, colocando a questão de outra forma, qual é a mentalidade do CDS-PP regressando ao Parlamento, e especialmente do Dr. Nuno Melo, desde 2009. Já passaram alguns anos, os temas que são debatidos vão sendo outros. Como é que enfrenta este regresso?
O CDS nunca deixou de debater os temas durante estes dois anos. O CDS tomou posição política sobre todos os mais relevantes assuntos da vida política nacional e, portanto, os temas não são sequer assunto. A única coisa que não tivemos oportunidade foi de fazer debates. Mas isso garanto, o CDS não perdeu o jeito, nem o treino. E o CDS, que sempre teve grupos parlamentares que se extinguiram, infelizmente, tem muitos desses deputados pessoas vivas que não deixaram de saber fazer o que sempre fizeram muito melhor que os outros.
Esta é uma coligação para as eleições legislativas, para o Parlamento Europeu, vai até às eleições autárquicas
Se a AD vencer estará disposto a integrar o governo e, caso a resposta seja positiva, que pasta é que gostaria de assumir?
Para ser totalmente sincero, esta é uma coligação para as eleições legislativas, para o Parlamento Europeu, vai até às eleições autárquicas. Sendo para as eleições legislativas, é obviamente também uma coligação do governo. Mas a minha preocupação toda é a de vencer as eleições, de forma robusta, para que a AD possa governar sem depender de outros. Se assim suceder, o Luís Montenegro terá a possibilidade de definir pastas e titulares dessas pastas. E nesse momento, mas só nesse momento, terei essa preocupação e discutirei a propósito. Até lá não é sequer assunto.
Mas, certamente, terá uma preferência, não gostaria de a expressar?
Neste momento a minha preferência é eleitoral, é pela AD e vai ser expressa nas urnas para vencermos as eleições. Em relação a pastas e tutelas, logo se verá depois. O importante realmente é que Portugal tenha uma nova esperança e uma alternativa que a AD dará com outros protagonistas. O CDS no governo estará seguramente muito bem representado, seja com quem seja, não tem de ser necessariamente por mim.
A sua experiência passa também pelo Parlamento Europeu. Numa altura em que o panorama internacional é muito complicado, com dois grandes focos de guerra, acha que esta experiência também o ajudará a colocar estes assuntos no dia a dia parlamentar?
Nas eleições europeias nós tínhamos um cartaz que dizia 'A Europa é aqui'. Eu acho que verdadeiramente neste momento não temos assuntos estritamente nacionais. Todos os principais temas nacionais são europeus. Quando fala de Agricultura, fala da Política Agrícola Comum. Quando fala de segurança, fala da NATO e fala de discussões sobre o exército único, sim ou não. Quando fala de Covid, fala de vacinas e fala de um esforço que é europeu. Quando fala de economia, fala de uma realidade integrada. Quando fala de taxas de juros, fala de BCE. Acho que a grande vantagem do Parlamento Europeu é dar-nos perspectiva. Consegue ver os problemas de cima, para além da dimensão da paróquia e numa escala que nos ajuda a perceber que nós não estamos sozinhos nem no nosso espaço comum nem no mundo. E essa é uma ferramenta também no Parlamento Nacional.
Mas, realmente, sempre tive o Parlamento Europeu como decisivo para qualquer partido político porque muito do que mais nos afeta todos os dias neste momento, decide-se em Bruxelas e em Estrasburgo, não se decide na Assembleia da República. E portanto, tenho uma preocupação numa coisa e noutra e acho que obviamente a experiência europeia será uma ferramenta boa, muito boa. Eu tive esse imenso privilégio de ter sido eurodeputado. Acho que é um enorme privilégio ser-se eurodeputado e tenciono pôr isso a crédito da Assembleia da República tendo essa oportunidade.
E muito do que mal acontece em Portugal não acontece por causa da União Europeia, acontece por erros que são internos de governos nacionais, escolhidos pelo povo
Não falta sensibilizar as pessoas para a importância das eleições europeias? Que vão também acontecer este ano.
Totalmente. Totalmente. De resto, e no caso português, como bem sabe, as eleições europeias são num dia definido e só pode ser adiado por acordo e por decisão unânime. E nós vamos, no caso português, ter eleições num dia péssimo, que é 9 de junho, entre feriados, com sol. Não ajuda nada. Mas impressiona-me muito as taxas de abstenção para eleições europeias porque a Europa deu-nos tudo o que de melhor nós hoje podemos identificar. E que alavanca o nosso desenvolvimento. E muito do que mal acontece em Portugal não acontece por causa da União Europeia, acontece por erros que são internos de governos nacionais, escolhidos pelo povo. As pessoas têm toda a vantagem em votar para o Parlamento Europeu. Não acontece assim, tenho imensa pena, mas temos que ter este esforço pedagógico, jornalistas, políticos, escolas, universidades, famílias... e combater essas taxas de abstenção elevadas.
Influencer? Madeira? O que me impressiona em relação a esses casos, que são circunstanciais, é perceber como os grandes fogachos de primeiras páginas no fim acabam em quase nada
Não podemos terminar esta entrevista sem falar de Justiça e sem falar dos casos que têm marcado a atualidade. Operação Influencer, a investigação à corrupção na Madeira. Qual é a sua leitura sobre toda esta situação e em específico as críticas que têm sido feitas ao Ministério Público?
Eu acho que a Justiça não é feita apenas da dimensão criminal, muito menos deve ser avaliada apenas pelos casos circunstanciais. O que me preocupa na Justiça é perceber a total inoperância que neste momento temos em diferentes instâncias, cível, administrativa, criminal, que faz com que litígios não sejam resolvidos. Tivemos milhares de diligências judiciais que em 2023 não foram executadas. Não é normal. As greves também afetaram os tribunais e quando os tribunais não funcionam são cobranças que não são realizadas. Quando falamos de cobranças, falamos da sustentabilidade de empresas, dos direitos das famílias. São partilhas que não são feitas, são crimes que não têm resposta e os crimes podem ser de diferente natureza. São relações conflituais com o Estado que não são resolvidas e que nos prejudicam a todos. A Justiça é um problema sério neste momento em Portugal, que tem que ter uma resposta a muitos níveis, que não apenas o criminal e do Ministério Público.
O que me impressiona apenas em relação a esses casos, que são circunstanciais, é perceber como os grandes fogachos de primeiras páginas no fim acabam em quase nada quando a Judicatura decide quer de medidas de coação quer de sentenças, que na maior parte dos casos acabam absolutórias e não condenatórias. Isso deve-nos levar a pensar porque esse descrédito também tem uma consequência na percepção da sociedade que também se reflete nas urnas, muitas vezes ajudando ao crescimento dos extremismos. Acho que a área que justifica um grande impacto no regime é a área da justiça até porque os problemas estão identificados e a generalidade dos partidos estão de acordo sobre o que está mal e sobre muito do que deve ser feito.
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