O primeiro-ministro, Luís Montenegro, estreou-se à frente da bancada do Governo, na Assembleia da República, com uma troca de galhardetes e acusações com os diferentes grupos parlamentares, principalmente com as outras duas maiores forças políticas, o Partido Socialista (PS) e o Chega.
Na quinta-feira, o primeiro dia de debate do programa do Governo prolongou-se durante várias horas, onde foram abordadas diferentes temáticas como a habitação, saúde e transportes.
Logo na abertura, o primeiro-ministro deixou nove prioridades para os primeiros dias e semanas do executivo, como a aprovação na próxima semana de uma proposta de lei para descer o IRS em 1.500 milhões de euros e reuniões com representantes dos professores e das forças de segurança - esta última já hoje à tarde - "com vista a tratar de assuntos relacionados com as carreiras e estatuto remuneratório".
Além disso, Montenegro tinha a ementa de argumentos bem estudada e, ao longo do debate, foi respondendo aos diferentes ataques. Os socialistas focaram-se no ataque à "arrogância" do primeiro-ministro, recordando que lidera um partido que "chumbou nove orçamentos" e que agora, dizem, "mudou a posição e visão sobre a estabilidade política".
Aos socialistas, Montenegro respondeu com um debate sobre o conceito de arrogância, acusando os socialistas de "exigir ao novo Governo que decida em 60 dias aquilo que não decidiu em 3.050". "Se isto não é arrogância então nós temos um conceito diferente", atirou.
Mais, regressando ao apelo feito durante o seu discurso de tomada de posse, o primeiro-ministro voltou a dizer que "há um Governo que saiu das escolhas dos portugueses nas eleições e o parlamento deve decidir se rejeita ou não o programa". Não rejeitando, "seja qual for o voto do PS", significa que será conferido ao Governo "a possibilidade deste iniciar funções para executar o programa".
Os socialistas não gostaram da afronta e o seu líder, Pedro Nuno Santos, deixou um desafio de volta: "A única forma de nós clarificarmos este tema é o líder do Governo apresentando uma moção de confiança".
Aos jornalistas, o secretário-geral do PS argumentou que o Governo PSD/CDS-PP não quer "construir nenhuma maioria, nem em procurá-la no parlamento, mas sim em desafiar permanentemente a oposição".
Ainda houve tempo para Montenegro responder ao desafio, acusando o PS de querer "virar o bico ao prego". Antes, aliás, o primeiro-ministro tinha já deixado clara a questão, numa resposta ao deputado socialista Pedro Delgado Alves. "Acha que eu queria apenas tomar posse para dizer que fui primeiro-ministro? Eu quis tomar posse para cumprir o programa de Governo, é assim tão difícil de perceber?", questionou.
Ficaram, ainda, registadas 'farpas' como o momento em que Montenegro avisou os deputados do Chega que "pela boca morre o peixe". Ou então quando a líder parlamentar do PS, Alexandra Leitão, acusou o atual Executivo de "destruir tudo o que estava em curso".
Do 'jackpot' da EDP ao "retrocesso"
Não só de PS e de PSD/CDS-PP se fez o debate, no entanto. O Bloco de Esquerda (BE) estreou-se nesta legislatura trazendo à mesa o dossiê da EDP. "O Governo ainda nem teve tempo de mudar o logótipo aos despachos e já garantiu, numa penada, um 'jackpot' histórico à EDP", disse a coordenadora do partido, Mariana Mortágua.
Em resposta, Montenegro garantiu que o seu Executivo "não é permeável a nenhum interesse" e que "não é correto, nem honesto, dizer que a EDP veio para o Governo".
Da Esquerda ouviram-se críticas também vindas do Partido Comunista Português (PCP), que acusou o Governo de se propor a "encontrar justificações para adiar tudo e não resolver nada". O deputado António Filipe augurou ainda que "o que se pode esperar deste Governo é o retrocesso" e "a falta de respostas no acesso à saúde, à educação, ou à habitação".
Já do Chega, o seu líder, André Ventura, acusou Montenegro de querer "empurrar os partidos" para a "criação de uma crise política absolutamente desnecessária". Em declarações aos jornalistas, defendeu que "a estratégia de dizer que quem hoje não obstaculizar o programa do Governo está, no fundo, a dar uma carta branca para a legislatura e que quem vier depois dizer que quer diferente está em contradição com o que está a ser feito agora é uma de duas estratégias: ou absolutamente irresponsável, ao querer provocar desnecessariamente ou o Chega o PS na fase em que estamos, ou suicidário do ponto de vista político governativo".
Crise climática? Programa "não é progressista"
Não ficou de fora do debate o tema das alterações climáticas, referido principalmente pelo Pessoas-Animais-Natureza (PAN) e pelo Livre.
A porta-voz do PAN, Inês Sousa Real, disse que o programa do Governo "não é progressista", mas sim um "programa de meras intenções". Acusou o Governo de "adiar as metas da neutralidade carbónica", de não querer "acabar com as borlas fiscais às grandes poluentes" ou de ter decidido "simplificar mais os processos de licenciamento ambiental", apontando que significa "menos conservação da natureza". "Isto não é progresso, isto não é responsabilidade ambiental", criticou.
Já do lado do Livre, o deputado Jorge Pinto deixou o desafio: "Como é que queremos passar para a História? Como os deputados que se entretêm a discutir o acessório - o que é ou não é arrogância, o que é ou não é os humores de um ou dois deputados -- ou queremos ficar conhecidos como os deputados que tiveram a coragem de tomar medidas concretas e firmes que garantam um futuro onde todos cabem e dentro dos limites planetários?".
Calendário das promessas
Luís Montenegro e outros representantes do Governo aproveitaram o tempo de antena na Assembleia da República para anunciar os seus planos para os próximos dias. "Na próxima semana, começaremos as reuniões com os sindicatos de professores para iniciarmos o processo negocial para a recuperação do tempo de serviço", disse o ministro da Educação, Fernando Alexandre.
A ministra da Juventude e Modernização, Margarida Balseiro Lopes, explicou, por outro lado, que "não haverá nenhuma alteração" na atual legislatura sobre Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG).
Já o próprio primeiro-ministro assegurou que a "primeira reunião com forças de segurança" será nesta sexta-feira à tarde, no Ministério da Administração Interna.
Na segunda parte, esperam-se intervenções de todos os partidos e do Governo, e a votação das moções de rejeição do BE e do PCP, que têm "chumbo" anunciado.
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