Arlindo Oliveira vai presidir ao 33.º congresso da APDC, que se realiza em 14 e 15 de maio, em formato híbrido, a partir do auditório da Faculdade de Medicina Dentária de Lisboa, e que este ano decorrerá sob o mote "40 years futurizing".
Questionado sobre o papel de Portugal na área da inovação e tecnologia, o investigador do INESC-ID e presidente do INESC aponta que o país tem "duas ameaças", sendo a primeira a "sua relativamente pequena dimensão", que também pode ser uma "oportunidade" em alguns aspetos.
No entanto, "quando queremos desenvolver novas tecnologias aqui, numa primeira fase, estamos restritos à dimensão portuguesa", ou seja, 10 milhões de portugueses, "que é muito pouco", argumenta.
Depois, "estamos inseridos num bloco" europeu "que obviamente já tem uma dimensão crítica suficiente, mas que tem tido uma abordagem muito regulatória em questões de tecnologia e, portanto, a verdade é que é mais dispendioso desenvolver tecnologias na Europa do que nos Estados Unidos ou na China ou no Japão", explana o investigador.
Neste "duplo desafio", o lado "bom é que esta abordagem regulatória" da Europa "venha a expandir-se e que nos Estados Unidos -- a China é improvável --, no Japão", entre outros, "venham a usar algumas das abordagens" desenvolvidas neste momento na Europa.
Ou seja, os regulamentos sobre Inteligência Artificial (IA), mercados digitais ou serviços digitais "e que este padrão de regulação e de defesa dos consumidores", onde se inclui o RGPD [Regulamento Geral de Proteção de Dados], se alargue, ou seja, "o efeito Bruxelas funcione" e que se assista a "uma expansão desta política a outros blocos" e que isso "também ajude a marcar a posição na Europa", considera.
Agora, "se o efeito Bruxelas não funcionar, podemos ver a Europa a não desenvolver novas tecnologias" porque "é demasiado pesado e demasiado caro e vamos tornar-nos ainda mais fortes utilizadores de tecnologias americanas, que já somos, e chinesas, que começamos a ser", já que "o TikTok é uma tecnologia chinesa", prossegue.
"Há aqui um bocadinho essa preocupação com este duplo enquadramento de Portugal como um pequeno país e como membro de um bloco que tem uma abordagem muito regulatória e que também está um bocadinho fragmentado, por força da legislação e das línguas", refere.
No entanto, do lado positivo, Portugal "tem um bom sistema educativo na área da tecnologia, é um país inovador" para a sua "dimensão". Por exemplo, diz, "temos vários unicórnios, empresas que valem mais do que 1.000 milhões de dólares, o que para um país desta dimensão é bom".
"Acho que Portugal tem condições - não diria para ser a Califórnia da Europa -, mas para ser um país inovador ao nível da Europa, a Irlanda é um bom exemplo, e Portugal tem condições também para competir com a Irlanda", considera Arlindo Oliveira.
Quanto ao enquadramento regulatório europeu, "é uma limitação que temos de ver até que ponto é ultrapassável ou não", diz.
"A regulação Europeia é o que pode ser", tal como o regulamento de IA, mas "onde eu acho que talvez não tenha ido suficientemente longe é na defesa da inovação".
Ou seja, o "peso que foi dado à componente de inovação, à criação de ecossistemas de condições para a inovação foi insuficiente no regulamento inicial e podia ter sido mais forte. Relativamente à regulação em si sobre os direitos, é o que é", remata.
Arlindo Oliveira esclarece que não é contra o regulamento: "Mas temos que ter noção de que são regulamentos que de alguma maneira limitam o crescimento e o aparecimento até de pequenas empresas", já que "as grandes empresas têm mais facilidade em satisfazer o regulamento".
Já sobre o papel da Europa, esta tem uma história de IA "em termos de investigação interessante", mas não foi essa a linha que vingou.
Nesta área, a Europa está a "perder rapidamente terreno", apesar de haver exceções como a Mistral AI em França e alguns esforços no 'high performance computing', "mas claramente não estamos ao nível nem dos Estados Unidos, nem na China", sintetiza.
Na primeira revolução industrial "estávamos à frente", mas na dos computadores "já não estávamos bem à frente", tendo sido liderada pelos Estados Unidos, embora com contribuições relevantes de países da Europa como o Reino Unido, elenca.
"Na quarta, estamos um bocadinho atrás", mas esse é "o preço a pagar por sermos menos experimentalistas e defendermos mais um certo tipo de Estado social, um certo tipo direitos individuais de liberdade, privacidade", considera.
Por exemplo, o setor automóvel é uma área "muito forte na Europa", mas que "está fortemente sob ameaça da China".
"Os chineses ainda não invadiram o mercado automóvel europeu por existir protecionismo", recorda.
Enquanto a Europa for competitiva, está tudo bem, agora se deixar de o ser "acho que há uma ameaça forte à indústria automóvel", que "não são só os automóveis, é todo o ecossistema que está ligado a isso" e aí é que é possível começar a haver dificuldades.
"Depois temos também as necessidades de neste momento investir em segurança por causa da ameaça russa, que também provavelmente nos vai desviar de atividades comercialmente competitivas", alerta.
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