"Não, é impossível" o jornalismo ser substituído pela IA porque "há uma relação pessoal" entre o leitor, ouvinte, espetador e o jornalista, refere o investigador no Alan Turing Institute, onde analisa o sistema de gestão de dados e o impacto da inteligência artificial na sociedade.
Nesta profissão, "é importante para as pessoas que haja um humano por trás de tudo, é nesse humano em cujo julgamento elas confiam", defende o autor do livro 'Humano, demasiado Humano: O que nos torna únicos na era da Inteligência Artificial' (The Atomic Human, no original), que será apresentado dia 24 em Lisboa, numa conferência da Fundação Francisco Manuel dos Santos.
O especialista considera que há ferramentas de IA que podem ser usadas para apoiar os media na sua atividade, mas o jornalismo em si "é intrínseco" ao ser humano, pelo que nunca poderá ser substituído.
"Os humanos nunca deixarão de estar interessados noutros humanos. Temos a atenção limitada e uma das principais formas como a atenção será absorvida é interagindo com outros humanos", argumenta Neil Lawrence.
Além disso, salienta, cada jornalista tem o seu próprio estilo, a sua própria voz, a forma como aborda os artigos, o que é algo único.
Um dos desafios colocado pelas ferramentas de IA é a disseminação de desinformação e aumento do populismo.
"Tal é possibilitado como no passado, cada uma destas ondas de populismo está a aumentar", refere.
Com o surgimento da imprensa, poder-se-ia argumentar que as reformas protestantes são movimentos populistas contra o poder de informação estabelecido na altura, que era a igreja estabelecida, aponta Neil Lawrence, salientando que estas tendências "acontecem sempre que a tecnologia" emerge.
Contudo, "estamos a ver os extremos agora a tornarem-se como eram nos anos 30, a aproximarem-se e a minarem efetivamente o que [Karl] Popper chamaria de sociedade aberta. Há múltiplos ingredientes e a razão pela qual o populismo existe não é apenas por causa das tecnologias digitais".
Na sua visão, "há um problema profundo com muitos dos políticos centristas, que acreditam que esse é o problema" - a tecnologia - e não abordam "efetivamente os desafios do seu próprio povo".
"Não capacitámos as pessoas o suficiente e, portanto, elas estão zangadas com coisas como a imigração", mas não é tanto isso que as incomoda, mas "é a falta de crença de que podem realizar as suas aspirações pessoais que as deixa zangadas, é a falta de oportunidade".
O que se assiste, atualmente, são os governos modernos europeus a abordar estes temas, mas não têm soluções para resolver esta "espécie de doença subjacente" porque ajudaram a construir sociedades que minaram as pessoas nas suas aspirações, contextualiza.
"O mais triste, quase universalmente para os políticos na Europa do centro, é que estão a falhar em jogar criativamente pelo centro. É como se estivéssemos apenas a chutar a bola para o meio e a dizer porque é que isso não funciona", lamenta Neil Lawrence.
E aí a tecnologia teve o seu papel, "impulsionou alguns desses problemas de formas muito mais sofisticadas durante um período de tempo muito maior do que estamos a reconhecer", mas "acho que há uma falha de liderança nos partidos" do centro.
Mas considera que esta última vaga de tecnologia também oferece uma "oportunidade" para corrigir isso, investindo nas pessoas.
"Temos de trabalhar juntos para trazer estas tecnologias e apoiar as pessoas no seu uso. E o único lugar de onde isso vai vir não é das universidades por si só, mas as universidades podem reunir, juntar governos, empresas privadas, é o tipo de pensamento que precisamos para entregar estas soluções", diz.
Porque "o governo não parece ser capaz e as empresas privadas certamente não são incentivadas", salienta.
Aqui, os media têm um papel relevante: "O jornalismo tem estado mesmo na linha de frente destas batalhas", diz.
"Ainda há alguns jornalistas extraordinários por aí, mas não são ricos", estão muitas vezes sob pressão.
Contudo, "olhamos para os Estados Unidos e há uma espécie de denegrição explícita do jornalismo", nomeadamente pela atual administração, por exemplo.
A procura de diferentes modelos de financiamento para um jornalismo de qualidade é uma tendência e "estou convencido de que há um lugar para isso".
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